Escola de Guardiões

Capítulo 3 - Praga


Eu me esqueci de dizer antes, mas minha família se resume a três componentes: eu, meu pai e nosso cachorro, Tomy. A minha mãe morreu quando eu ainda tinha 5 anos de idade. Meu pai não gosta de falar muito sobre isso, fazendo com que seja um tabu dentro de casa. Ele sai para trabalhar todos os dias às 7 horas da manhã e só chega lá pelas 20 horas. Eu tenho que me virar para cuidar da minha casa, desde fazer o almoço até lavar o banheiro. Sorte que Tomy é bastante legal e não faz xixi nem cocô dentro de casa, o que já me ajuda a beça. Eu até fazia o jantar do meu pai antes, mas depois de uma briga bastante feia, resolvi parar e agora ele se vira sozinho. Na verdade, se virar não é bem a palavra certa, mas garanto que ele não vai morrer de fome.

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No dia em que quase fui lanche de um lagarto gigante, eu cheguei em casa e tomei logo um banho, me preparando psicologicamente para hora de lavar a minha roupa. Lógico que eu não poderia colocar a farda fedendo a lixeira de restaurante na máquina de lavar (as roupas de casa não fedem tanto) e precisava usar o tanque, quebrando uma das regras da casa que era sempre lavar as roupas juntas e economizar o máximo de água. Nesse ponto, eu deveria explicar ao meu pai como tudo aconteceu. Geralmente conto tudo para ele, só que hoje seria uma pequena exceção.

Quando ele chegou, já bastante cansado e nervoso, eu estava no meu quarto jogando vídeo-game. De fato, já tinha estudado para a prova de matemática, mas sabia que meu rendimento não seria tão bom devido a toda a confusão de hoje. Eu deveria ter pegado um atestado com Natália e Jorge, quem sabe assim não ficaria livre da prova? Meu pai bateu três vezes na porta do quarto e entrou, mostrando a minha calça cheia de buracos que pegou do lavador. Aparentemente, os dentes de do lagarto-come-lixo podem ser bastante destruidores.

– Andou arrumando briga de novo?

– Não, pai... – O nome dele era Romário, igual ao jogador de futebol.

– Conta logo a verdade. Foi o Carlão?

Eu assenti, nitidamente envergonhado por ter entrado naquele assunto. Não poderia contar toda a verdade e hoje eu passei dois quilômetros fugindo dos caras mais altos lá da sala. Vou revelar só essa parte do meu dia.

– Eu não quis que ele pegasse fila da minha na prova. E deu nisso.

– Você apanhou?

– Não. Eu corri. Você sabe que eu sou rápido. Eu tive que me esconder dentro de uma lata de lixo para eles não me pegarem e acho que a calça rasgou em algum lugar.

– Se você quiser, eu posso dar um susto neles. Você sabe disso! Só é eu falar com uma voz um pouco mais grossa que eles vão se borrar todo de medo. Ou você pode conversar com a sua professora, ela deve dar um jeito nos dois.

– Obrigado, pai, mas você não precisa se preocupar. Eu juro.

O coroa ficou pensativo. Ele sabia que eu queria falar mais alguma coisa, entretanto não iria perguntar. A privacidade era bastante respeitada dentro de casa. Até mesmo Tomy poderia passar dias sem comer e nós não iríamos leva-lo ao veterinário. Ele poderia ter brigado com uma cadelinha, certo?

O meu pai percebeu o silêncio constrangedor e resolveu sair do quarto, para que eu pudesse voltar a jogar. Contudo, eu queria conversar mais um pouco com alguém e ali estava a minha oportunidade.

– Ôh, pai! – Ele olhou. – Você me deixaria mudar de escola?

– Só por causa dos dois bundões?

– Não... É porque eu queria estudar em outro lugar. Sei lá, talvez mudar de vida.

– Isso é sempre um grande passo, meu filho, e eu apoio. Se você quiser trocar de escola, pode falar comigo. Já tem alguma em mente?

– Eu não sei...

Tomy começou a latir nervosamente, interrompendo a conversa. Ele saiu correndo pela casa atrás daquilo que parecia ser um rato. O animalzinho corria pelo chão e se enfiou dentro de um buraco na parede. O cachorro passou mais algum tempo latindo, mudando de posição quando apareceu outro daquele animal, que era comprido demais para um rato. Eu pressenti que algo de ruim iria acontecer e não poderia deixar papai em perigo. Vi que meu pai pegou a vassoura para matar o bicho; eu torci para que não fosse o que eu estava pensando. O meu pai atingiu em cheio o monstro, que possuia a cabeça de um rato e o corpo de um lagarto.

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– Que diacho é isso?

– Lagarto-come-lixo.

– Hã?

– Pai, precisamos sair de casa. Rápido!

Eu corri até a porta da frente, percebendo que aos poucos a casa estava começando a ficar infestada daqueles bichos estranhos. O meu pai batia em um ou outro com a vassoura, e como de costume eles estavam vindo em minha direção. Por sorte, Tomy era um bom caçador e pegou uns cinco enquanto eu procurava a chave e abria a porta de casa. Quando olhei para a rua, entretanto, eu gelei. Tinham pelo menos uns cinquenta daqueles animais lá fora, que tentaram entrar na mesma hora em que eu abri a porta. Eu a fechei contra a vontade deles, vendo que meu pai tinha dificuldade em matar os bichos com a vassoura. Peguei uma cadeira de plástico e comecei a bater em vários de uma vez, arrastando-os contra a parede. Eles viam do banheiro, da cozinha, da área de serviço; todos os lugares onde tinha alguma ligação com o esgoto.

– Pai, vamos tentar sair pelo fundo da casa.

O cachorro pegou mais um com a boca e torci para que aqueles bichos não fossem tóxicos. Eles não estavam tentando me machucar, sempre acertavam a minha calça ou mordiam meu chinelo; pareciam dispostos a me fazer cair no chão de qualquer jeito. Acredito que queiram me arrastar como um bando de formigas arrasta uma folha, sendo eu carregado por aqueles bichos asquerosos. Quando passamos pelo banheiro, a privada se soltou e eu vi o monstro gigante saindo de lá. Era o mesmo lagarto de antes, mas dessa vez eu estava sem ajuda. Corri o mais rápido que pude com o meu pai, esmagando vários no caminho. O coroa ainda levou vários arranhões até chegarmos a área de trás da casa, onde estendemos a roupa, e existia um grande muro para a rua. Eu pulei logo, mas várias criaturas começavam a se acumular do outro lado também. Meu pai estava velho, teve uma baita dificuldade em conseguir subir e, infelizmente, foi fisgado pelo lagarto chefe, que o puxou para baixo com força. Ele caiu no chão, sendo atacado pelos monstrinhos menores. Eu não pensei duas vezes antes de pular contra o lagarto, goleando-o com a vassoura que eu peguei do meu pai. Os lagartos pareciam não intervir quando, de repente, aquele portal estranho surgiu bem no meio da confusão. O portal era azul e duas figuras já conhecidas apareceram. Jorge matou vários monstros com o seu tacape e Natália atingiu algumas flechas no maior. Percebi que eles não ficaram muito longe do portal, pareciam querer usá-lo.

– Agora você vem com a gente? – Ela quis saber.

– Claro. Tire logo eu e meu pai daqui. E o Tomy também! – Apontei para o cachorro.

A garota bufou e juntou as mãos. Uma pequena bola vibrante se formou, ganhando volume à medida que suas mãos se afastavam. A esfera energética cresceu, ficando maior do que Natália, ou de mim ou do portal. Ao passar pelo meu corpo, senti uma enorme carga de energia, mas continuei bem. O mesmo não aconteceu com as criaturas, que foram arrastadas para longe da bolha. Em pouco menos de um minuto, eu, meu pai, Jorge, Natália e Tomy estávamos dentro de uma bolha energética, como um campo de força, que repelia todas aquelas criaturas nojentas. Jorge apontou para o portal e mandou a gente passar por eles.

– Rápido, este campo de força não irá durar para sempre. O portal levará todo mundo para a Escola de Guardiões.

Meu pai olhou para mim confuso. A essa altura, não dava tempo de explicar. Eu o ajudei a ficar de pé, já que ele tinha se ferido bastante com os monstrinhos. Eu também fiquei com arranhões. Depois que ataquei o grandão, parece que deixei de ser o convidado de honra. E posso garantir que aqueles dentinhos são bem afiados. Tive que ficar chamando Tomy por um bom tempo até ele me seguir para dentro do portal, em que tive a sensação de estar sendo esmagado, depois esticado e por fim, empurrado para o outro lado. Cai dentro de uma sala minúscula, com uma criatura pequena, verde e de orelhas pontudas olhando para mim. Ela deu um salto para trás e se escondeu atrás de uma garota alta, com os cabelos ruivos espetados e o batom exageradamente vermelho. Percebi que eu também não era o convidado de honra dali.

Demorou apenas alguns segundos para Jorge e Natália passarem pelo portal também. A criaturinha verde correu até o computador e digitou agilmente algumas coisas. O portal sumiu tão rápido como apareceu. O clima na sala estava pesado, mas não mais do que meu pai, que não aguentou toda a loucura do dia e acabou desmaiando. O que não poderia ficar, ficou: eu estava sozinho com um monte de gente querendo me matar.