—O descanso acabou. Levantem-se. –Minho ordenou, curto e grosso.

Os clareanos se surpreenderam com o repentino comando do asiático.

—Achei que havia dito para dormirmos. Quer dizer, acabamos de...

—Connor*, posso te relembrar qual é a mértila escrita em minha nuca?

—Ahn... O líder. –Ele coçou o queixo.

—E o que isso quer dizer mesmo?

O garoto mudou o peso de uma perna para a outra, desconcertado.

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—Que você... Lidera?

—Ótimo, não preciso te lembrar. Então cale essa maldita boca e faça o que eu mando.

Minho não estava com a mínima vontade de lidar com os clareanos, portanto reuniu toda a paciência que possuía para não se descontrolar. Ao ouvir aquilo, todos começaram a se erguer lentamente, arrumando as mochilas nas costas, mesmo sem entender coisa alguma.

—Minho. Cara... Espera! –Newt alcançou-o. O líder o olhou com desgosto, não acreditando que este teria tamanho atrevimento, para não dizer cara de pau, de ainda lhe dirigir a palavra. –Foi apenas um acidente. –Imediatamente tentou se justificar.

Aquela, definitivamente, fora a desculpa mais ridícula que Newt pôde planejar. Ele ficou em silêncio por alguns segundos, encarando-o, antes de finalmente erguer as sobrancelhas e ter uma crise de risos.

—Um acidente? –Zombou, ainda em meio às gargalhadas. –O que mais vai inventar, que eu imaginei tudo e na verdade você só estavam conversando? Ou será que uma força mágica os empurrou um para o outro? Ah Newt, você já foi melhor em mentir. –Balançou a cabeça, como se estivesse decepcionado.

Camille se aproximava do grupo, andando lentamente, como se um passo em falso pudesse explodir uma bomba nuclear. Suas mãos roçavam umas nas outras, nervosa, o olhar alarmante indicava que não sabia o que supostamente deveria fazer ou falar. Então apenas escutou.

—Eu não... –Newt se interrompeu, limpando a garganta. –Olha, sei o que está se passando por sua cabeça, mas foi um mal entendido. Apenas acalme os ânimos e...

—Me acalmar! –Rosnou. A súbita raiva sufocando sua garganta. –Eu devo dizer que ainda não me viu perder a calma hoje. Agora, pela amizade que acreditei termos, me responda, você poderia ter evitado aquilo. –Foi mais uma afirmação que uma pergunta.

Newt deu um passo para traz, como se alguém o tivesse acertado em cheio.

—A amizade que acreditou termos? Cara, eu sou seu amigo.

—Me responda.

—Não sei o que posso te dizer. –Admitiu, respirando fundo.

—Talvez a verdade. –As palavras do asiático pareciam perfurá-lo. –É só o que quero saber.

Os olhos de Camille percorriam os dois, os clareanos se entreolhavam, totalmente por fora da situação, cochichavam uns com os outros, mas nenhum teve coragem de interromper o diálogo entre os dois.

Newt abriu a boca, mas as palavras não vinham. Afinal, o que diria? Que quis beijá-la?

Minho cerrou os punhos e falou um palavrão.

—Fale logo a mértila da verdade, você poderia ter evitado! –Esbravejou, apertando tanto os punhos que parecia poder rasgar a pele da palma.

Algo em Newt pareceu se romper, e a mesma raiva foi liberada.

—Mas que droga Minho; poderia! –Respondeu; dessa vez no mesmo tom, sem medo de encará-lo. –Se é essa a mértila que espera ouvir então, sim, eu poderia ter evitado. Poderia. Mas não o fiz... Satisfeito?

Um silêncio mortal reinou, nem mesmo o vento era ouvido, como se também tivesse receio em interrompê-los. Finalmente Minho se pronunciou, a falta de expressão e a frieza voltaram ao seu olhar, e quando falou, isso também ficou evidente em sua voz.

—Ótimo. Era realmente tudo que eu precisava ouvir. –Então lhe deu as costas e pôs-se a marchar, sem dar nenhum comando aos clareanos. Mesmo assim todos o seguiram, não estavam a fim de ser o alvo da fúria do líder, mesmo ainda sem entenderem o motivo para ela, ou mesmo que ele não demonstrasse senti-la.

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Camille pareceu despertar de um transe e correu atrás dele.

—Minho, me escuta, não era pra isso estar... –Ela subitamente parou de falar no mesmo momento em que ele se voltou para encará-la. Enganou-se ao pensar que estaria preparada para aquele olhar, pois definitivamente não estava. Ele nunca a olhara daquela maneira, nunca.

—Eu disse para irmos. –Falou, ela quis tapar os ouvidos para não ter que escutar a frieza em sua voz. –Agora.

Então voltou a caminhar, e ela se sentiu minúscula em meio a tudo. Deu mais um passo a frente, não pôde evitar a vontade de segurá-lo, mas uma mão em seu ombro a impediu. Jorge a olhou com calma, até piedade. Balançou a cabeça.

—Agora não, pequena, agora não. Deixe-o clarear os pensamentos.

Camille não respondeu, mas deixou que o mais velho a guiasse, com o braço em suas costas.

***

Camille andava de ombros curvados, o olhar perdido no horizonte; não sabia o que pensar, ou mesmo como agir. Resquícios de náuseas a deixava com um gosto ruim na boca.

Apesar disso, um turbilhão de coisas rodeava sua mente, trazendo à tona perguntas que não queria responder. Afinal, qual o motivo de Newt tê-la beijado? E o quão havia o repelido? Ela precisava admitir para si mesma a verdade, mesmo que acreditasse ser... Errada.

A questão é, não foi ruim. Não houve tempo de análise, mas ela poderia afirmar que o beijo era bom, mesmo querendo acreditar que não fora.

Ela, hora ou outra, olhava ao seu redor. Os clareanos seguiam num ritmo razoável, todos com questionamentos silenciosos ao observarem seu líder marchando à frente e Camille arrastando seus pés atrás de todo o grupo. Não era algo muito agradável de se ver.

Camille divagava em seus pensamentos, queria entender o que se passava na mente dos garotos; Minho parecia pouco se importar, mas ela o conhecia o suficiente para saber que aquilo era fachada. Newt se dividia entre responder às indagações com um dar de ombros casual e contar as pedrinhas do chão, uma tarefa interminável.

A cidade parecia ainda maior que o normal, levando em conta o cansaço, o calor insuportável e os montes de areia derrapando no canto das paredes exorbitantes dos edifícios.

—Minho, por que estamos andando mesmo? –Um garoto perguntou, era magro, com a pele naturalmente bronzeada, seu cabelo encaracolado preso com um elástico qualquer. Apesar da altura, deveria ter apenas seus quinze anos; um dos mais novos dentre os poucos sobreviventes. –Achei que procuraríamos Thomas e Brenda do outro lado da cidade.

Os clareanos se entreolharam em concordância. Minho balbuciou algo sobre conhecerem o local, mas não parecia muito convincente, a impressão que todos tinham era de andarem em círculos.

—Deixe-o esfriar a cabeça. –Jorge comentou logo atrás. –É melhor que ele ande ao extravasar sua raiva em outra coisa. Talvez queira apenas ficar cansado.

—E o que nós temos a ver com isso? –Caçarola reclamou, tomando cuidado para o asiático não escutá-lo. –Que eu saiba, ainda estamos sem entender o que está acontecendo. Afinal, que tipo de briga rolou aqui?

—Não é nada. –Newt respondeu rapidamente, remexendo as mãos nos bolsos da calça. –Apenas ande e pare de reclamar.

O garoto revirou os olhos, mas fez o que ele disse.

Até Camille como ex-corredora do Labirinto – E devo usar maiúscula querido leitor, devido ao arrepio que essa lembrança causa – gostaria de dar uma pausa. Seus lábios estavam secos e sedentos por água, já havia bebido metade de sua reserva e não poderia desperdiçar mais. A essa altura, os clareanos resmungavam sem se importar se Minho ouviria ou não.

—Já chega. Descansem. –Anunciou repentinamente, estava cansado dos murmúrios irritantes de todos. Um suspiro coletivo de alívio inundou o local.

Não demorou em a noite cair, encobrindo o céu com suas nuvens escuras, que logo se iluminaram com a majestosa lua perolada refletindo aos olhos dos clareanos. Com cranks rodeando a cidade seria arriscado dormir de formas tão exposta, portando se moveram para sob vigas metálicas de um arranha-céu encurvado, este com centenas de andares. Ali não ficariam tão a mostra dos “canibais alucinados”, créditos à descrição do asiático. Todos imediatamente se jogaram no chão e logo se ajeitaram.

Camille segurou a garrafa de água entre os dedos e molhou os lábios, contornando-os com a língua. Lembrou-se dos fatos recentes, aliás, nem sequer esquecera. Thomas e Brenda estavam desaparecidos e agora Minho não lhe dirigia a palavra, e aquele beijo... O que fora aquilo? Tão de repente que ela não conseguia imaginar motivos para o acontecido.

Beijar Newt não era ruim, ele era lindo, carismático e tinha um sotaque de matar. Mesmo que por poucos segundos ela pôde perceber o quanto era calmo. Quando se tratava de Minho, as coisas eram diferentes. Era impossível saber o que ele faria a seguir, ou o que estava pensando. Ele chegava a ser irritante; irritantemente lindo. Sinceramente? Ela não sabia mais o que pensar.

Enterrou o rosto nas mãos e respirou fundo, engolindo um grito de frustração.

—Durmam. –Escutou a voz de Minho, mas não tirou as mãos do rosto. –Fico de vigia na primeira hora.

Não contestaram, ninguém estava a fim de ficar acordado ou ser atacado por cranks malucos no meio do sono. Em exatamente cinco minutos já era possível escutar os roncos, algo não muito atrativo aos ouvidos, aliás, nada atrativo.

Camille observava a luz da lua iluminar as costas do asiático, este agachado a alguns metros do grupo. Sem perceber, seus pés já se guiavam em direção a ele, determinados, embora realmente não soubesse o que fazer.

—Minho! –Falara com firmeza, prendendo a respiração para que não falhasse, entretanto a única resposta que obteve foi o som da brisa noturna sobre a areia. Toda a sua coragem desaparecera ao notar que ele nem mesmo se mexera. –Olha, eu... Queria conversar. –Mais uma vez nenhuma resposta. –Por favor, não haja como criança, seria muito mais fácil se nós dois...

—Apenas saia daqui Camille. –A interrompeu, sem desviar os olhos e suas mãos, como se houvesse algo de extrema importância lá. Suas palavras não eram calorosas, mas tampouco frias. Eram apenas palavras, secas, sem emoção, como folhas de outono. Doeu mais do que deveria. Camille respirou.

—Se é o que quer, não posso forçá-lo. –Murmurou tão baixo que o asiático quase não escutara, e arrastou seus pés de volta ao grupo.

O que ela não sabia é que realmente havia uma coisa importante em sua mão para a qual tanto olhava. Era o mesmo colar trançado que ela o entregara.

“Talvez fosse algo especial para mim, algo da minha vida antes de acabar nesse lugar.”

Apertou-o entre os dedos.

—Merda Camille. –Sussurrou, suas palavras sendo levadas pelo vento, apenas a Lua e as estrelas assistindo ao desenrolar de toda a história.

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