My Little Runner

Acessando arquivos.


Naquela noite Camille sonhou. Um sonho tão profundo que ela quase pensou ser real. Estava na clareira novamente; dessa vez, no grupo B. Ela via tudo e todos como numa cena de um filme. Assistindo tudo.

Andou pela fazenda e, para sua surpresa, reconheceu o rosto de alguns meio que automaticamente. O céu estava claro, um clima fresco com uma leve brisa marcando presença no local. As clareanas faziam seus trabalhos costumeiros, porém uma desolação aparente era sentida. Todas pareciam um pouco tristes; umas mais, outras menos. Cada um a sua maneira.

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—Ela ainda está lá?- Ouviu uma voz à sua esquerda e, por um segundo, Camille pensou que estava realmente falando com ela. Mas logo foi corrigida quando outra voz respondeu.

—Fui conferir faz meia hora, mas acho que sim.

A primeira que falou era uma garota de pele escura; cabelos castanhos até a altura dos ombros; olhos grandes e marcantes, com cílios compridos; o corpo era pouco mais curvilíneo que o de Camille. Tinha o ar um pouco autoritário, como uma líder.

A segunda era o contrário da outra; a pele era branca, mas quando eu falo branca quero dizer muito branca mesmo! A garota parecia um fantasma, como se nunca tivesse visto o Sol na vida. Os cabelos castanho-avermelhados caíam-lhe sobre as costas, acompanhando o seu corpo magro e pouco curvilíneo. Porém, assim como a primeira, era linda.

Eu conheço essas duas. Camille pensou. É... Han... Har... Harriet! E claro, Sonya. Como esquecer?

—Acha que devíamos falar com ela?- Sonya perguntou.

—Sinceramente? Não acho que irá adiantar, mas...

—Quem arrisca não petisca. –A garota de pele clara completou, piscando um olho; em uma tentativa de parecer animada.

Harriet suspirou.

—Vamos lá.

Camille as seguiu sem pestanejar; se perguntando o que poderia estar acontecendo. À medida que andava pela fazenda percebeu que a maioria das clareanas murmurava sobre o mesmo assunto.

As garotas adentraram na parte da clareira que chamavam de campo-santo. Andaram um pouco até chegar a certo ponto da floresta, por entre as árvores mais copadas um cemitério podia ser visto.

No mesmo instante Camille estancou, temendo já saber o que a esperava. Ao perceber que Harriet e Sonya já estavam mais a frente, correu para alcançá-las e parou ao lado das duas, que observavam caladas uma lápide.

De frente a essa mesma lápide uma garota se encontrava sentada sobre os calcanhares. Olhando de costas só era possível ver o cabelo liso ondulado, pouco mais curto que o de Camille; e perceber a calça jeans azul surrada com uma camiseta de alça comprida e preta. Como esperado, a garota também usava um par de coturnos, dessa vez marrom.

Sonya pigarreou, mas a garota não se mexeu.

—Camille?- Harriet chamou calmamente e por puro reflexo a Camille que sonhava se virou, mesmo sabendo que não era com ela que falavam.

Como não houve respostas da parte da garota, Sonya se pronunciou:

—Ahn, é... Cammie? Você está bem? Ficamos preocupadas.

—Não fiquem. –Quando a Camille do sonho se pronunciou sua voz não passava de um sussurro rouco. Seco e triste. –Eu estou bem.

—Bom, dizer isso dessa maneira foi mais uma prova de que não está, e ainda fica em negação. –Harriet murmurou.

Mais uma vez o silêncio se instalou, Harriet suspirou pela centésima vez naquele dia e Sonya colocou uma mão sobre o ombro de Camille.

—Você parou de chorar. Isso é bom. –Ela comentou docemente.

—Acho que já chorei tanto que as lágrimas secaram. Simplesmente não posso. –Camille respondeu num sussurro arrastado.

Camille –que sonhava- não esboçou nenhuma reação, apenas observou enquanto as duas tentavam convencê-la há dois anos a sair de perto do túmulo.

—Você não comeu nada desde ontem. –Harriet insistiu em censura. –Precisa se alimentar ou vai acabar passando mal.

—Não tenho apetite pra nada agora. –Ela respondeu. –Por favor, apenas... Apenas me deixem sozinha. Só um pouquinho, por favor.

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Harriet e Sonya se entreolharam preocupadas.

—Se precisar de qualquer coisa, qualquer coisa mesmo...

—Eu sei, obrigada. –Camille a cortou- Eu só preciso de mais algum tempo.

A Camille mais velha se sentou ao lado dela mesma mais nova, do mesmo modo sobre os calcanhares e mal percebeu quando as outras duas saíram.

Voltou-se para seu eu antigo e a observou melhor, aparentava ter uns quinze anos. As regiões do rosto, nariz e bochechas, estavam um pouco vermelhas; os olhos inchados como se houvesse passado horas chorando. Comprimia os lábios constantemente. Seu olhar estava vazio e triste.

As duas ficaram ali olhando para a lápide de pedra clara e mal feita fincada no chão. Um nome havia sido esculpido no centro: Meg.

—Ah, Meggie. Que saudade. –A Camille que sonhava disse, pela primeira vez no tempo que estivera sonhando.

—Me perdoe. –Um sussurro quase inaudível fez ela se lembrar de que ainda estava no meio da lembrança e que ainda tinha uma versão mais nova de si mesma ao seu lado. – Queria poder ter feito alguma coisa. –Ela continuou. –Eu sei que se você pudesse me ouvir agora diria para eu não me culpar e seguir em frente, mas essa é a questão. Eu... Eu não consigo. Não consigo sem você Meg, me perdoe por ser tão fraca. –Sua voz embargou e ela deixou escapar um soluço. – Você sempre foi a irmã que eu nunca tive. Provavelmente estaria rindo se pudesse me ver falar com uma pedra, mas é tão difícil. Por que agora Meggie? Eu não estou pronta, não estou pronta ainda.

Uma lágrima solitária teimou em pingar dos olhos de Camille ao ter as lembranças de volta, se é que ela poderia chorar enquanto sonhava.

—Está enganada. Você está pronta, apenas não sabe disso ainda. –Disse carinhosamente, mesmo sabendo que ninguém a ouviria. - Apenas... Apenas eu não sabia disso ainda.

Fechou os olhos e se deixou envolver por outra lembrança;

—Vamos lá seus montes de preguiça, sem moleza!- Uma garota corpulenta gritou, enquanto algumas outras faziam séries de abdominais.

Uma risada suave chamou a atenção da “treinadora”.

—Janete, você vai acabar matando essas coitadas. –Camille apareceu de repente; roupa de corrida, cabelos presos em um rabo de cavalo despojado e uma garrafa de água em uma das mãos.

Aparentava ter uns dezesseis anos dessa vez.

A tal Janete bufou em desaprovação.

—E você, não precisa ganhar uns músculos não? Seus braços ainda são muito delicadinhos. –disse ríspida, porém um meio sorriso teimava aparecer em seus lábios.

Camille ia responder, mas fora impedida por outra clareana que correu em sua direção.

—Cammie! Você é um colírio para os meus olhos. –A garota baixinha sorriu abertamente. –Janete está nos explorando muito essa manhã. –O sorriso se desfez, formando uma carranca.

—Era de se esperar. –Deu de ombros.

—Quem mandou parar os abdominais?- Janete perguntou com as mãos na cintura.

Camille gargalhou.

—Jan, da uma folga.

A outra Camille, que assistia todo o sonho calada um pouco atrás, deixou um sorriso escapar.

...

Algumas lembranças vinham e iam rapidamente, coisas aleatórias que passara em seu dia a dia na clareira.

Quando acordou se deparou com a escuridão total, precisou de alguns segundos para se lembrar de onde estava e do por que estava ali. Piscou os olhos algumas vezes e se remexeu na cama hospitalar, pensando nas lembranças que recuperara.

Que horas são? Perguntou-se.

Não dava pra saber. Poderia tanto ser de madrugada quando à tarde. Algo em si dizia que estava dentro de um lugar onde pouco se importavam com o clima ou o tempo natural. Poderiam apenas deixar as luzes ligadas a noite e dormirem durante o dia.

Permaneceu deitada por mais alguns segundos antes de tomar coragem e levantar.

—Eles já me prenderam demais. Não vão me controlar nesse quartinho. –Resmungou consigo mesma.

Ainda se sentia meio grogue, mas se endireitou de pé.

Remédio idiota. Pensou enquanto procurava no chão os calçados, não os encontrando resolveu ficar descalça mesmo e tatear no escuro a procura da porta.

Xingou num murmúrio as duas vezes que bateu em alguma coisa no caminho. Até que sentiu o frio metal nos seus dedos. Fez um movimento giratório com a mão e... Bingo! Era a maçaneta de uma porta.

Abriu uma fresta e se deparou com um comprido corredor. Ousou abrir mais da porta e andar mais por ele. O corredor estava vazio, a luz estava fraca e neutra, conseguia enxergar as coisas, porém com um clima mais sombrio e escuro. Arrepiou-se ao lembrar da clareira quando o Sol “desapareceu”.

Camille olhou para os dois lados e caminhou a passos lentos pelo corredor. Estremeceu, aquilo parecia filme de terror e ela era a protagonista idiota que saia atrás do monstro.

Luzes fortes refletiam por entre as frestas das portas, indicando claramente que ninguém estava dormindo.

Talvez tenham apagado a luz do quarto e diminuído a do corredor para me fazer dormir sem riscos de sair da cama explorando por ai. Pensou.

Teve a sensação de protagonista de filme de terror novamente.

—Oh, oh. Tarde demais. –Murmurou.

Ela ia passar por uma porta no exato momento em que foi aberta. Camille não soube explicar nem para si mesma como foi capaz de se esconder atrás dessa mesma porta antes que alguém a visse.

Vozes vinham de dentro da sala, uma feminina e outra masculina. Ela prendeu a respiração quando percebeu que uma era da Chanceler Paige. A outra, obviamente, ela não reconhecia.

—...muita coisa a ser analisada. Aliás, como está a garota?- O homem perguntou e Camille se concentrou para ouvir melhor.

—Muito melhor do que quando chegou aqui, Mais um dia de descanso e estará pronta para a fase dois. Por mais que eu não quisesse que...- As vozes foram se afastando.

O alarme curiosidade soou forte dentro de Camille e ela quase corria atrás dos adultos, mas se conteve, sabendo que era melhor esperar o momento certo.

Algo cutucou sua mente. Algo que a Chanceler dissera. Fase dois. O que seria aquilo?

Esperou mais um pouco e, quando teve certeza de que ninguém mais sairia daquela sala nem passaria por aquele corredor, entrou rapidamente, fechando a porta atrás de si e piscando algumas vezes para se acostumar com a nova claridade.

Vasculhou a sala em busca de “pistas” e de filme de terror passou para investigação criminal.

Nos fundos da sala havia uma porta entreaberta, mas nenhuma luz provinha de lá. Entrou a passos leves e, só não foi tomada pela escuridão porque havia ali um grande telão, a única coisa que iluminava a salinha. Era dividido em várias partes menores, como numa gravação.

As imagens variavam, tanto no local quanto no ângulo. Mas uma coisa dava para perceber, todas eram da clareira.

Besouros mecânicos. Pensou. É claro, foi sempre assim que nos vigiaram.

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Também percebeu que aquele era apenas o grupo A.

Muita coisa passou pelas telas. Imagens antigas e atuais, todos trabalhando em suas devidas tarefas. Viu Newt em um ângulo estranho, provavelmente o besouro estava de cabeça pra baixo. Viu Caçarola, Alby, Chuck, Thomas, Teresa e até alguns que não sabia o nome. Procurou desesperadamente uma gravação de Minho, porém não a encontrou fazendo seu coração se apertar.

Havia um teclado abaixo da tela. Era arriscado, mas ela tinha que tentar. De alguma forma que nem ela conseguia compreender direito estava fuçando nas teclas. Alguns botões aqui e ali e de repente havia saído das gravações e estava numa espécie de área de trabalho. Logicamente não era um computador normal, estava mais para uma ferramenta ultra-avançada de busca.

Digitou algumas coisas, porém não obteve resultados produtivos. Buscou novamente. Digitou “Verdugos”. Um bilhão de dados surgiu na tela. Tentou acessar alguns.

ACESSO NEGADO. USUÁRIO NÃO AUTORIZADO. Favor insira seu código de entrada.

Camille fechou a aba e continuou procurando. Engoliu em seco ao ver uma imagem em 3D ampliada da anatomia dos verdugos.

Eu não sei quem é o monstro. O verdugo ou seu criador.

Voltou à aba de busca. Pensou um pouco e digitou “Grupo A”. Novamente um trilhão de dados apareceu, desde análises, experimentos, imagens até coisas que Camille não conseguiria compreender sozinha nem em um milhão de anos.

Como esperado a maioria não era autorizada e precisava-se de um código de entrada para acessar o arquivo. Ela conseguiu ainda alguns dados aleatórios.

—Mértila, será que tudo aqui tem um código?- Resmungou para si mesma, não estava fazendo muito progresso.

Pensou um pouco e digitou: “A transferência do grupo B será aplicada”. A mesma mensagem enviada antes de ser mandada à clareira. Imediatamente a tela foi tomada por novos dados. Arquivos que, surpresa! Bloqueados por um código. Mas ela não ia parar por ai, digitou algumas coisas, clicou em links e... voilá! Conseguiu acessar alguns.

Várias imagens surgiram. Vários adolescentes e jovens, garotos e garotas. Um título chamativo: “Grupo de transferência”. Rolou com o mouse a tela para baixo e tão logo percebeu que havia vários nomes de “Reprovado” em vermelho vivo. Clicou em um deles e leu trechos aleatoriamente.

“Alguns não conseguiram suportar a dor, resultando em graves consequências para o cérebro [...] A mente deles não está preparada [...] Infelizmente houveram muitas mortes no processo, mais do que o planejado [...]"

Camille continuou procurando coisas até encontrar uma foto de si mesma. Um nome em verde destacando: “Aprovada”. Seu estômago se embrulhou ao ver imagens dela mesma e de outros jovens com aparelhos estranhos na cabeça, os olhos fechados como se estivessem envolvidos num sono profundo. Vários médicos em volta, uma legenda: “Este é o progresso”.

Uma onda de sensações encheu a garota e ela deu um passo involuntário para trás, curvando o corpo com uma espécie de vertigem.

Respirou fundo e se recompôs.

Digitou “Fase dois”.

ACESSO NEGADO. USUÁRIO NÃO AUTORIZADO.

Tentou novamente.

ACESSO NEGADO. USUÁRIO NÃO AUTORIZADO.

—Droga...- Ela murmurou. Não havia absolutamente nenhum arquivo que ela pudesse acessar ali, estava totalmente protegido.

Seus olhos passearam por algumas palavras na tela.

“Fase dois... O fulgor está se... Eles precisam pass..”

Não podia mais ler, de repente a tela foi tomada por um milhão de avisos.

ACESSO NEGADO. ACESSO NEGADO.

A tela ia começar a piscar e Camille fechou tudo o mais rápido possível; pois tinha certeza que com a “sorte” que possuía aquela coisa iria apitar e alertar a todos. E digamos que esse não era seu maior sonho naquele momento.

Ela se virou no exato momento em que a porta se escancarou.

Mértila, mértila, mértila. Repetia sem parar para si mesma em pensamento.

Tentou desesperadamente se esconder, aproveitando a escuridão da sala. Esgueirou-se por entre algumas caixas e prendeu a respiração quando as luzes se acenderam.

Esperou, a tempo de ver alguém entrar e pegar uma das caixas do outro lado da sala. Enquanto o tal homem estava abaixado procurando algo nela, Camille, aproveitando a chance, foi saindo de fininho.

Tudo poderia terminar bem, mas é claro, não terminou.

Pois no segundo exato em que alcançou a porta outro homem apareceu. Seu semblante primeiro foi surpresa, mas logo compreendeu o que estava acontecendo.

—Ei! Você não pode entrar aqui!- Ralhou com ela.

Camille reconheceu a voz, era o mesmo que conversara minutos antes com a Chanceler.

Suas feições eram estranhas e toda vez que ele falava seu rosto se contorcia, fazendo-o parecer um rato. Eu sei, é maldade. Mas era isso que o homem-rato (como ela decidira chamá-lo) se parecia.

Como não obteve nenhuma resposta, ele insistiu.

—Deveria estar na cama, não tem permissão para entrar aqui!

Camille olhou para as próprias mãos como se esperasse que um machado ou coisa parecida surgisse para que ela pudesse lançar no homem-rato e sair correndo dali. Por um segundo até realmente pensou em dar uma de Kung Fu Girl e partir pra ação.

Porém sabia que aquilo seria inútil, uma vez que dois caras, caras não, dois “guarda-roupas” armados se colocaram atrás do homem.

Ah, dessa vez eu estou absolutamente, realmente, lindamente ferrada.