Regency — Interativa

♚ Prólogo


O duque de Ravenscar olhou, aturdido, para seu contador. Lançava-lhe um olhar tão gélido que seria capaz de derrubar o pobre senhor Terrance se ele já não estivesse tão acostumado com eles.

“Isso é um absurdo”, o duque ralhou.

“Não, senhor”, repetiu calmamente, “Isso é o que acontece quando gasta toda a sua herança com jogatinas”.

Colomon Ravenscar bufou, deixando bem explícita sua desaprovação com o tom de Terrance, que ainda o analisava por trás dos óculos redondos de armação dourada. Não era realmente de ouro, afinal, jamais poderia bancar um com o salário que entrava em sua conta, mas banhado a ouro. Usava-os com a intenção de que lhe desse um ar mais respeitável, mas o deixava mais patético do que a gordura extra que se acumulava na barriga.

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“Está proibido de se referir a mim neste tom, contador”, Colomon rugiu.

Tesoureiro, senhor”, ele procurou não se abater com a raiva de seu empregador. “Tesoureiro de um homem tragicamente falido”.

Ele está me provocando, o duque já estava vermelho.

“E quanto aos fundos dos meus filhos e dotes das minhas filhas?”.

“Intactos, senhor”, Terrance buscou por sua pasta, tirando de lá papéis e arquivos, “Mas assim permanecerão, afinal, os dotes estão ligados à herança de sua esposa e a que receberão assim que Lady Rogers passar desta para melhor”.

Lady Rogers, Colomon revirou os olhos, aquela velha apenas existia para lhe dar trabalho. Era a mãe viúva de sua mãe, e embora muito rica, um verdadeiro fardo para os ombros do duque de Ravenscar. Morava em sua casa, comia de sua comida e ainda assim se recusava a dar qualquer mísero centavo para ele.

“Eu não possuo nada?”, ele se levantou de súbito, assustando Terrance, “E quanto às minhas terras, o meu ducado?!

“Continuam lá, o ducado ainda pertence a você, mas todas os lucros que dali saírem são dos seus filhos”.

“Mas isso é um absurdo! Ultrage!”, Colomon já gritava.

“Aconselho que leia as letras miúdas do contrado da próxima vez, senhor”.

“Oh, vá se danar, Terrance! Você não passa de um velho cínico e desleal”.

“Oh, não, senhor”, bem no fundo, o tesoureiro estava segurando quaisquer indícios de que poderia explodir em gargalhadas a qualquer segundo, “Sou deveras leal. And my loyalty lies with Lady Rogers”.

Ele não estava mentindo. Lady Rogers, apesar de velha e raquítica, havia o criado. Havia aberto seu consultório no centro de Londres e o recomendado a todos os seus companheiros da alta-sociedade. Era uma mulher gentil, apesar de aparentar pura amargura, e apenas queria o melhor para seus netos, garantir-lhes um futuro tão brilhante quanto aquele que ela fornecera a Colomon Castamere quando o casou com sua filha, mas que fora jogado no lixo de maneira tão desprezível. Era leal a ela por estas e outras razões financeiras, que o levavam a acrescentar letras miúdas ao fim dos contratos financeiros com o Senhor Colomon.

“Espero que sua lealdade o leve para o túmulo com a velha”, o duque de Ravenscar abriu a porta com violência, “E quanto mais cedo, melhor”.

“Mãe”, Jamie segurou os ombros da mulher que se sentava ao seu lado, a expressão cruzada numa careta preocupada, “Eu não preciso me casar”.

“Oras, é claro que precisa!”, ela segurou-lhe as mãos, “Como terá o futuro herdeiro Ravenscar? E as propriedades de seu pai? Querido, você tem de ser o primeiro a nos dar pequenos Castameres! Já está quase se tornando um solteirão”, ela tinha um tom ultrajado.

No ápice de seus trinta e sete anos, Isobel Castamere, a duquesa de Ravenscar, ainda exibia a beleza de seus vinte; grandes olhos azuis ocupavam parte do rosto, maçã do rosto saliente e rosada, lábios finos e o cabelo castanho, numa beleza clássica. Era alta e esbelta, sempre com a cabeça empinada e um leque na mão. Era uma bela mulher, uma ótima mãe, e mesmo assim não conseguia persuadir seu herdeiro a encontrar um bom partido para o casamento. Ele era uma cabeça dura, ela ponderou, tal como seu marido.

Mulheres com vinte anos são consideradas solteiras. Homens de vinte anos solteiros são considerados um desafio”.

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“Então deixe-me tomar esse desafio! Myrcella Trendall debutou na sociedade a pouco tempo, é bonita, tem um bom dote e chove pretendentes’.

“E é burra que nem uma tábua”, Jamie virou os olhos “Se eu for me casar, não quero me casar com alguém que não sabe a diferença entre o inglês e aquela derivação suja que falam na America. Não quero uma bonequinha de luxo para fazer sala e filhos”, ele olhou bem fundo nos olhos da mãe, “Eu quero uma esposa”.

De repente, Isobel pareceu se recuperar, perplexa, de um grande soco no estômago. Seu filho? O libertino de reputação bastante conhecida, aquele que não queria se casar nunca, dizendo que queria uma esposa com quem pudesse… Conversar? Contando sua experiência, ela sabia muito bem que a maioria dos homens queria uma mulher apenas para sorrir, acenar e dar herdeiros, não uma esposa que… conversava. Talvez fosse uma pontada de orgulho subindo pelo seu âmago, ela não sabia, pelo filho não estar desprezando tanto a mulher quanto seu próprio marido a desprezava.

“E pouco me importa o dote dela”, admitiu, “Eu sou rico”.

“Certamente que ela terá um bom dote”, a duquesa interrompeu, “Oh, Arabella dará um baile! É a oportunidade perfeita para que você escolha a dedo as senhoritas”.

As senhoritas?”, ele riu, “Não suporto bigamia, mamãe”.

As senhoritas, sim”, Isobel deu de ombros, “Selecionaremos as mais interessantes, levaremos para a casa de veraneio na Áustria, você decide a que você quer, pronto”.

“Como uma mercadoria”.

“Não exatamente… Mas você, decerto, pegou o conceito. Vamos lá, temos de nos aprontar. A carruagem logo logo estará pronta”.

Jamie observou Isobel sair com o espírito saltitante da sala, cantarolando alguma coisa e com um sorriso enorme no rosto. Se ele soubesse que bastava isso para que a tirasse daquela cama enferma, ele já teria casado e lhe dado netos a éons.

O Duque de Ravenscar, Colomon Castamere, foi encontrado morto, duro, em seu escritório naquela tarde.