Ponto de Vista – Bella

– Bella, – ouvi Sue me chamar, enquanto entrava no quarto – você devia ir para casa descansar um pouco. Não precisa gastar o seu fim de semana inteiro conosco.

Ela chegou com várias sacolas nos braços, seus longos cabelos lisos e escuros presos na nuca como ela costumava mantê-los e sua pele de nativa continha algumas gotas de suor pelo provável esforço de carregar peso.

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– E se você precisar de mim? – perguntei ignorando o celular e voltando a checar Harry, que ainda dormia.

– Nós vamos ficar bem, querida. – ela declarou levantando seus braços, dos quais pendiam grandes sacolas – Eu trouxe roupas, objetos higiênicos e distrações suficientes para ele por uma semana.

Rimos juntas, fazendo o mínimo de barulho possível.

– Ele continuou dormindo, acho que nem se mexeu. – comentei olhando para ele ainda assustada.

O susto do dia anterior não havia passado ainda.

– O médico avisou que os remédios poderiam deixá-lo sonolento. – ela comentou largando as sacolas e indo sentar na cadeira próxima da cama onde ele ressonava tranquilo – Só espero que ele esteja bem calmo quando contarmos para ele sobre a nova dieta.

– Ele vai ficar tão assustado que provavelmente dirá que está passando mal novamente. – rimos juntas.

– Terá suas vantagens... Quem sabe ele não perde essa barriguinha? – ela brincou, mas eu sabia que Sue era completamente apaixonada por seu marido, não importando a aparência dele.

– Você vai ter que tomar cuidado, se ele ficar bonito demais vai atrair muitas garotas com queda por nativos. – provoquei.

– Azar o delas, já que ele só tem olhos para mim. – ela comentou sorrindo enquanto olhava um tanto apaixonada para ele, que ainda dormia confortavelmente.

– Você conseguiu acertar as coisas com o seu patrão? – perguntei quando o ambiente ficou romântico demais.

– Mais ou menos. – ela suspirou – Ele está desesperado, pobrezinho... Eu venho sendo babá do filho dele desde que o menino veio para Nova York e ele está com medo do menino não se adaptar a uma nova pessoa.

– É uma criança difícil? – perguntei sabendo bem como algumas crianças podiam ser encrenqueiras.

– Nenhuma criança é difícil, querida – ela riu – Tudo depende do jeito como lidamos com elas. E hoje existem eletrônicos demais para que elas queiram qualquer outra coisa. Eu apenas cozinho para eles dois, busco o menino na escola e fico com ele em casa enquanto o pai não chega. No máximo ajudo com a lição.

– Isso é bom... Assim ele não vai ter dificuldade para se ajustar a alguém novo, não vai mexer tanto com a rotina dele. – comentei.

– Aliás, eu estava pensando em te indicar para o trabalho. – Sue falou e eu quase engasguei com o ar.

– Sue, eu não consigo cuidar de mim mesma. – comentei rindo do absurdo que seria eu me tornar babá.

– Ele é um anjo, Bella! A criança mais dócil do mundo! – ela falou como se implorasse – Tenho medo que não consigam uma substituta tão rápido. O pai dele mal conseguiu se virar ontem.

– Não se preocupe com isso agora. – falei tentando melhorar o clima – Vamos focar em Harry.

Eu realmente queria ajudar Sue, mas acrescentar o tópico “cuidar de uma criança” à minha lista de coisas a fazer definitivamente não faria bem para a minha saúde mental.

– Não. – ela respondeu firmemente – Eu vou focar em Harry e você vai para casa descansar e fazer algo útil com o resto do seu fim de semana.

– Está dizendo que fui inútil aqui? – perguntei brincando, mas ainda me controlando para falar baixo.

– Não tente me enrolar. – ela decretou – Vá para casa, querida. Prometo te ligar se alguma coisa acontecer.

– Tudo bem. – concordei mesmo incerta se deixar Sue cuidando de Harry sozinha seria a melhor opção.

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Peguei minha bolsa para guardar o celular e me deparei mais uma vez com o livro de Anthony, me lembrando da forma como eu havia praticamente abandonado o pobrezinho na biblioteca.

Eu estava sendo uma péssima amiga e definitivamente precisava compensá-lo.

Na volta para casa, no entanto, meus pensamentos estavam no Senhor Masen. Nossos encontros vinham sendo realmente quentes, mas nunca chegamos a ter uma conversa. Brigas e discussões não contavam como conversa.

Então por que raios o homem vinha me enchendo de mensagens?

Não era como se pudéssemos chamar o que quer que vinha acontecendo entre nós de relacionamento.

Aliás, parando para pensar, o que vinha acontecendo era errado de várias formas. Minha imagem poderia ser prejudicada, poderíamos ser punidos e eu poderia ficar com a reputação manchada antes mesmo de ter iniciado minha carreira.

Cheguei em casa e olhei em volta. O lado bom de ter passado tanto tempo fora de casa durante a semana era que eu não estava bagunçando, então provavelmente poderia passar aquele fim de semana sem faxinar, mas a roupa ainda precisava ser lavada e os trabalhos da faculdade precisavam ser feitos.

Sem disposição para qualquer uma das opções, tomei um longo e relaxante banho, fechei as cortinas e fui para a cama.

Já acomodada entre os travesseiros mandei uma mensagem para Alice e outra para Angela, atualizando as duas sobre o estado de Harry e tranquilizando-as com a informação de que eu estava em casa.

Feito isso, disquei o número que eu só discaria no final do dia, mas precisava ouvir aquela voz.

Foram necessários um total de seis toques, mas a resposta finalmente veio.

– Bebê! – ouvi a voz da minha mãe – Eu estava pensando em você agora mesmo! Eu estava louca para te ligar, mas fiquei com medo de te atrapalhar em alguma coisa. Como você está?

– Ai, mãe... – comecei sem ter ideia de como começar a narrar os últimos acontecimentos – Aconteceu tanta coisa!

– Aaaah! – ela gritou – Eu aposto que você está apaixonada!

Ri da alegria da minha mãe. Ela não poderia estar mais errada.

– Não, mãe! – avisei, mas mantive o sorriso que sempre aparecia no meu rosto quando eu conversava com ela – Na verdade, não é algo bom. Você se lembra do meu vizinho Harry? Marido de Sue? Ele teve um ataque cardíaco, está internado.

– Oh, pobrezinho! – ela falou assustada – E como ele está?

– Ele está melhor. Sue conseguiu levá-lo bem depressa para o hospital e os médicos disseram que ele vai ficar bom desde que ele siga as orientações. – expliquei.

– Graças a Deus! – pude ouvir seu suspiro aliviado, apesar de ter visto Sue cerca de quatro vezes e Harry uma única vez se tanto – Pobre Sue, deve ter ficado muito assustada.

– Você não imagina o quanto. – comentei lembrando da voz dela quando me ligara no dia anterior – Ela já disse que não vai sair do lado dele de agora em diante. Ele não vai mais ter como fingir que está seguindo a dieta.

– Poder estar sempre com seu marido é uma das grandes vantagens de trabalhar em casa. – minha mãe comentou rindo.

– E ainda tem isso! Sue estava trabalhando como babá há um tempo, mas já conversou com o patrão dela. Ela só está preocupada com a criança que ela tomava conta, porque parece que o pai do menino está tendo dificuldades em contratar alguém. – contei.

– Você não conhece ninguém para indicar? Ou alguma atividade além da escola para indicar para deixarem o garotinho? Talvez algum tipo de creche? – minha mãe, sempre solícita, começou a dar ideias.

– Mãe, eu mal conheço as pessoas da minha faculdade, muito menos babás na cidade! – falei rindo – E infelizmente não tenho experiência suficiente com nada assim para poder indicar.

– Bem, então vamos apenas torcer para que isso se resolva, já que é o que podemos fazer por agora. – minha mãe falou com sua mania de acreditar que bastava focar na positividade e coisas positivas aconteceriam – E o que você tem para me contar de novo na sua vida?

– Nada realmente... – comentei pensando se havia algo que valesse a pena ser mencionado – Só descobri que preciso urgentemente focar nos meus trabalhos da faculdade.

– Oh! – ela murmurou decepcionada – Você estava com a voz diferente semana passada, achei que pudesse estar com algum namoradinho e não comentou nada porque seu pai estava perto. Ele está na delegacia agora, você pode me falar!

Ri novamente.

– Não tem namoradinho nenhum, mãe. – afirmei – E mesmo que tivesse, acho que já passei da fase de ter medo que papai o mate. Ele provavelmente já aceitou que não pode me manter solteirona para a vida inteira.

– Você realmente não conhece seu pai! – ela falou e rimos juntas.

– Estou com saudades! – falei fazendo manha.

– Eu também, bebê! – ela falou no mesmo tom – Não conte ao seu pai que eu te disse, mas estamos tentando economizar para comprarmos passagens para Nova York e aproveitar que seu aniversário vai cair em um fim de semana para comemorarmos com você!

– Eu não acredito! – falei enquanto a felicidade me tomava – Vai ser ótimo!

– Não conte a ele que te falei! Ele queria fazer uma surpresa! – ela pediu, mas conhecendo-a como eu conhecia, ela mesma provavelmente deixaria escapar que já me contara o segredo.

– Não vou contar. – prometi.

– Não pense mais em coisas ruins, bebê. Você vai ver que tudo vai ficar bem. As coisas vão se ajeitar de uma forma ou de outra. Ouça a mamãe e descanse! Tenho certeza que depois de relaxar você vai render bem mais! – ela aconselhou.

– Pode deixar. Eu te amo. – falei.

– Também te amo, bebê. – ela falou e pude ouvir a emoção que sempre aparecia em sua voz quando estávamos prestes a desligar.

Me certifiquei de que o celular tocaria no volume máximo caso Sue me ligasse e finalmente deixei a inconsciência me tomar.

Tive alguns sonhos estranhos. Era como se várias imagens passassem por mim. Harry se recuperando, mas Sue parecia triste e eu sabia que era por não ter conseguido alguém para substituí-la, prejudicando seu emprego. De alguma forma, me senti mal por não ter aceitado o trabalho em seu lugar.

Subitamente as imagens foram se alterando e pude ver o Senhor Masen passando a mão pelo cabelo parecendo irritado e perdido, fazendo com que um sentimento de consciência pesada se apoderasse de mim por não ter dado mais atenção às suas mensagens.

Antes que eu pudesse absorver melhor o que já havia visto, me deparei com a imagem de Anthony sozinho, quieto e completamente encolhido, como se tivesse sido abandonado. Culpa me corroeu, sabendo que eu o havia deixado sozinho sem ter me preocupado em dar qualquer informação.

Acordei com o coração apertado.

Ao procurar ver a hora no celular, vi que havia duas mensagens não lidas.

Quando percebi que me senti decepcionada ao ver que eram de Alice e Angela e não do senhor Masen precisei admitir que eu precisava colocar ordem na minha cabeça e na minha vida.

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Urgentemente.