Pray For Love

Capítulo 4 - Live and Let Die


— Então é aqui que você vive? — perguntou Natsu, olhando ao redor com uma expressão pensativa enquanto Happy já se ocupava mais do que rapidamente em checar o freezer em busca de peixe.

Lucy nem sequer sabia por que havia se perguntado se deveria dizer a eles para se sentirem em casa, afinal, essa era a especialidade dos dois. Em um piscar de olhos, Natsu e Happy estavam instalados no sofá, aproveitando do esplendoroso estofado claro para esticar aquelas costas cansadas de um ano de correria.

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Demorou apenas alguns instantes para que os dois caíssem no sono. A maga estelar saiu da cozinha com um copo de água na mão e tão logo alcançou o sofá, começou a ouvir o ronco baixo de Natsu — ah, aquele ronco estúpido que certa vez quase botara fogo em seu antigo apartamento! Sinceramente, Natsu devia aprender a conter seus poderes enquanto dormia. Embora o calor de seu corpo em chamas sempre fosse bem vindo...

Soltando um suspiro, Lucy sorriu, encostando-se ao sofá e deixando seus olhos vagarem para sua janela gradeada. Lá estava Crocus, o local que nunca seria seu lar. Mas agora parecia muito mais com um, com a companhia daqueles dois. Após meses... Lucy não estava mais sozinha.

Depois de mais alguns segundos rindo para si mesma, retornou à cozinha, decidida.

~*~

Duas horas mais tarde, Natsu acordou ao sentir um cheiro peculiar. Ah, seu olfato sempre seria aguçado, de um jeito ou de outro, principalmente para comida.

Sentou-se devagar, passando os dedos pelos olhos inchados de sono. Ao fazê-lo, uma manta azul escorregou por seu abdômen, acumulando-se em dobras sobre seu quadril. O garoto piscou, ainda desorientado, e deixou que seus dedos tocassem o tecido, sentindo a textura macia na pele. Ah, Lucy o havia coberto enquanto dormia.

Lucy...

Levantou do sofá, tomando cuidado para não empurrar Happy da outra ponta. Olhou-o por alguns instantes antes de pegar a manta e acumulá-la ao redor do gato, transformando-o numa bolinha azul.

Quando terminou sua obra-prima, sorrindo para si mesmo, seguiu até a cozinha, seus passos mal ecoando sobre o piso. Ao parar no arco que a separava do restante da sala, torceu a boca lentamente. Lá estava Lucy, colocando carne de panelas em pratos e transferindo tudo alegremente para a pia, provavelmente pretendendo levar à sala de estar a seguir, onde estava a mesa de jantar.

Ela parecia realmente feliz. Seu cabelo — agora mais comprido, ele não pode deixar de notar — balançava para todos os lados com seus movimentos e cantarolava alguma música desconhecida para si mesma.

Por algum motivo, pensar que ela estivera assim contente durante todo o tempo em que estiveram separados o incomodava.

— Luce — chamou, por fim, apoiando-se de lado no arco da cozinha.

A garota soltou uma exclamação surpresa, deixando o prato que segurava — algo com cara de coxa de peru — cair no chão com estrondo. Natsu arregalou os olhos ao ver a porcelana se espatifar para todos os lados, e ficou ainda mais alarmado ao perceber alguns pedaços voando na direção das pernas de Lucy, junto com a comida.

A garota soltou outra exclamação, tropeçando para trás quando os cacos tocaram sua canela, assim como o peru, do qual ainda saía um fino vapor de água.

O rosado mais do que rapidamente atravessou o cômodo, pegando-a nos braços. A mente dela estava tão nublada que nem sequer teve tempo de protestar. Seu interior gritava quente com todas as forças, e tinha quase certeza que aquele peru estúpido deixaria uma queimadura igualmente estúpida.

Natsu atravessou o cômodo, levando-a ao banheiro, cuja porta estava entreaberta. Chutou-a, ignorando o som desagradável que fez ao tocar os ladrilhos da parede do outro lado, e ligou a luz com o cotovelo. A passos largos e desajeitados, aproximou-se da banheira e depositou nela a garota loira.

Assim que afastou um pouco seus corpos, detectou os olhos com lágrimas discretas que Lucy usava para encará-lo confusa. Tentou ignorar a expressão dela, que o fazia sentir coisas estranhas, e se concentrou em abrir a água fria da torneira da banheira. Assim que o fez, esticou as mãos, pegando as pernas da garota e puxando-as para o fluxo de água, permitindo que esta lavasse as queimaduras que já avermelhavam e os cacos do prato, em cortes superficiais, que foram levados junto ao líquido.

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Ficaram assim cerca de cinco minutos, Natsu com as mãos em suas pernas e Lucy completamente paralisada, porque realmente, o que poderia dizer? Sua pele ainda estava doendo, a água não estava tendo o efeito anestésico que deveria, e nem estava esterilizando as feridas. Mas as mãos do rosado eram tão quentes... Essas sim eram capazes de curar qualquer dor.

Até a dor de todo aquele ano foi curada, ela pensou. E com isso, abaixou a cabeça, sentindo as lágrimas queimarem em seus olhos.

— Você seguiu o seu coração, né? — perguntou. Percebeu o garoto se mover em sua visão periférica, e a demora para responder obviamente demonstrou que ele não tinha certeza se a havia entendido direito, mas enfim disse:

— Sim. — Sua voz era levemente nostálgica, como se também estivesse se lembrando daquele dia, havia um ano, em que ela o aconselhou com toda a sinceridade que possuía.

Quando um soluço teimoso deixou a garganta da loira, Natsu pareceu se atrapalhar e gaguejou alto, interrompendo o silêncio pensativo que havia tomado do ambiente:

— V-você tá chorando, Lucy?

Ah, sentimentos egoístas e estúpidos!

— Você... Você seguiu o seu coração, Natsu — murmurou, a voz meio esganiçada, e se amaldiçoou novamente por toda aquela situação ridícula. — Você fez o que era certo, mas... Eu me sentia tão sozinha! Não... Não vá embora novamente. Eu sinto sua falta todos os dias, de você e do resto da Fairy Tail... Vocês são a minha única família... — continuou e, ah não, aquele egoísmo que havia lutado durante todo o ano para reprimir e esconder, lá estava ele, tomando um lugar, arrastando-a para fora e se ajeitando confortavelmente...

Estava destruindo tudo.

— Sempre tive tanta inveja desse seu jeito... Desinibido. Se você quer ir embora, você vai, se você quer ficar, você fica. Você vive como quer viver e se tiver que morrer, você morre, pelos seus desejos, pelos seus ideais. A felicidade é tudo o que importa... — Fungou alto. — Eu queria ser desinibida também. Eu queria seguir sem olhar pra trás. Mas... Eu sou só muito egoísta e assustada pra isso...

Durante todo o seu discurso — que, ela deve dizer, foi relativamente comprido, interrompido aqui e ali para fungadas e soluços —, não levantou a cabeça para olhá-lo sequer uma vez. Muitos minutos depois, quando finalmente havia se acalmado, subiu o olhar e sorriu para ele, um sorriso forçado, mas ainda assim um sorriso, o qual foi retribuído por uma expressão séria.

— Vamos jantar?

Mais tarde naquela noite, sem sono devido à longa soneca à tarde, Natsu e Happy entraram no quarto dela para pregar-lhe uma peça — desenhar em seu rosto provavelmente a irritaria, mas também melhoraria seu humor. Com certeza. Pelo menos no conceito deles de melhorar o humor.

Quando Natsu viu o mural em sua parede, de uma ponta à outra, detalhado, feito com afianco, suor e esperanças atropeladas por medos, ele entendeu. Não havia nada de errado em ter ido embora e não havia nada de errado na Fairy Tail ter acabado. O que havia de errado é que assim, Lucy não tinha ninguém.

Ninguém para dizer a ela o sabor da vida vivida a cada dia, sem planos, sem objetivos e sem preocupações. O sabor de simplesmente viver e deixar acontecer, viver e morrer e fazer tudo outra vez sem se preocupar, caso sobrevivesse.

Mas ela... Ela conhecia esse sabor.

Naquela noite, ele se decidiu.

~*~

— P-por que... Tem guardas na minha porta logo ao nascer do sol? — Lucy reclamou. Seus cabelos ainda pingavam de seu banho matutino, e tão logo se aproximara do gradeado da janela, lá estava um bom pelotão e meio de grandalhões mal encarados com armas particularmente afiadas em punho.

E... Por que parecia que eles não pretendiam marchar comportadamente a outro lugar?

— Ah, eles já estão aqui? Que rápido! — começou Natsu, se aproximando dela na janela. — Bem, acho que devemos ser rápidos também, então! — Um sorriso não muito diferente de sua usual risada presunçosa se espalhou de um canto a outro de seu rosto. Os dentes pontiagudos brilharam como presas de dragão e antes que a loira tivesse tempo de protestar, ele a pegou nos braços e os dois (oh, meu Deus!) atravessaram a janela com Happy em seu encalço carregando uma bolsa que ela claramente poderia reconhecer como dela.

O garoto pousou sete metros abaixo com sua delicadeza habitual — ou seja, nenhuma —, tendo a decência de tomar cuidado com as pernas feridas de Lucy, e então começou a correr pela rua como se sua vida dependesse disso — e, hm, de certo ponto de vista, dependia mesmo.

— N-Natsu! O que significa isso? — ela gritou, passando os braços pelo pescoço masculino.

— Você disse que não sabia o que era ser desinibido, Lucy! — ele respondeu meio sem fôlego, o sorriso ainda em seus lábios rosados, os cabelos esvoaçando com o vento. — Não é verdade. Você fez isso quando saiu de casa. Você fez isso quando se juntou a Fairy Tail. Todos os nossos dias foram sem compromisso, sempre felizes. São as lembranças que quero levar comigo pra sempre — terminou, a voz entrecortada entre arfadas generosas.

Lucy o encarou de olhos arregalados, ignorando a dor em seus machucados com os trancos de sua corrida alucinada.

É claro, ele estava certo. Ela fora assim quando era pequena também, quando sua mãe estava viva, e todos os dias eram felizes e sem importância, apenas vividos pelo calor do momento. Quando a felicidade era tão fácil e estava a passos de distância.

E lá estava ela, nos braços da felicidade novamente.

E como no passado, viveria pelo momento, e esperava que fosse ser feliz assim.

Após alguns instantes, respondeu, a voz alegre e confiante, o que aumentou ainda mais o sorriso no rosto do rosado, aquele que dizia claramente "estou empolgado":

— Me coloca no chão, eu posso correr sozinha!