Tempo Traiçoeiro

Capítulo Quatro


*

Pedro não estava fazendo nada. Apenas terminando com a garrafa de whisky e tentando entender porque havia sentido prazer em beijar Valentina.

Ah sim, sentira prazer em sentir a pele da garota. Ainda estava tentando digerir a surpresa, quando a imagem dela descendo às escadas viera em sua mente. Ele tinha ouvido falar do protocolo sobre o traje da aniversariante, qual não foraa a surpresa de vê-la em um vestido vermelho e justo. Lembrava-se apenas ter ficado tão encantado que não desviara o olhar um segundo sequer. Não conseguia assimilar Valentina àquela mulher. Pois era isso que Pedro enxergara: uma mulher. Lembrava-se também de que assim que ela descera, ele aproximou-se, impulsivamente, para tirá-la para a valsa. Só percebeu que era realmente Valentina quando começaram a engalfinhar-se no meio da dança.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Depois de ter se afastado e Susana pressioná-lo mais uma vez sobre o pedido, ele viu Valentina praticamente jogar-se sobre Edmundo. Um embrulho desconfortável formou-se no estômago e quando percebeu, estava perto da mesa onde estavam os irmãos e ela. Não sabia o que deveria falar e lembrou-se da irmã mais velha, lembrando-o que ainda tinha uma “missão” para cumprir. Já havia decidido antes que faria o pedido em um lugar mais privado, pois a reação dela era completamente desconhecida. Ao caminhar em direção à sala, dizia para si mesmo que havia agido daquela maneira por culpa de Edmundo. Ele e a garota agiam como se fossem namorados às vezes. E se realmente fossem? Não faria muito sentido, já que a sugestão de Valentina partira dele. Mas e se ela nutrisse sentimentos pelo moreno? Afinal, no último ano ele e ela se aproximaram mais do que o comum. Continuaria com a proposta dele se casar sim, mas se ela admitisse algo por Edmundo, ele procuraria por outra opção.

No entanto, quando ela não confirmou a hipótese do loiro, ele sentiu-se aliviado. Não sabia o porquê, até porque o normal era ele sentir-se frustrado. Teria que se casar com ela. Não se ateve muito a essa discussão, precisava resgatar a antiga paixão de Valentina por si. A bebida o deixara mais relaxado, apesar de sentir-se tão estranho com a ideia de cortejá-la. Todavia, quando sentara ao seu lado e começara a acariciar seus cabelos, sentiu... excitação. A partir dali, tudo correu muito natural para si. Não foraa tormento algum ter que beijar seu pescoço, descobrir seu cheiro ou sentir sua pele. Tormento mesmo foi não poder passar disso.

Ela ter dito não, talvez fosse o esperado. Ele não ia desistir. Susana e Edmundo não permitiriam, de qualquer forma. Mas estava curioso. Nenhuma mulher antes o havia rejeitado, apesar de sempre respeitar suas decisões. Talvez tivesse que ter melhorado sua expressão quando fez o pedido. Lembrava-se que estava enjoado não pelas palavras ditas, mas pela vontade de beijá-la e não poder. Passou a mão na barba e pensou mais um pouco. Ela havia dito algo de coração partido. Talvez ela tivesse dito não por medo disso, por medo de não ser correspondida. Aparentemente, ela ainda sentia algo sim pelo Grande Rei. Mas por que isso não o incomodava, como antes? Por que isso não o deixara relaxado, mas apreensivo?

Virou o copo e saiu do cômodo. Ficar ali, apenas remoendo hipóteses, não adiantaria de nada. Precisava encontrá-la e cortejá-la mais. E, pela primeira vez, estava ansioso por isso.

*

Edmundo fora puxada para fora da dança.

—Pedro!

—Preciso que me faça um favor.- disse enquanto passava o olhar pelo círculo que se formara no meio do salão, buscando um vestido vermelho.

Sua concentração fora desfeita pela risada do irmão.

—Do que está rindo?

—Bela mancha.

Pedro olhara para baixo e encontrou uma mancha escura no casaco azul. Bufou.

Tu me paga, Davis.

—Cale a boca, Edmundo.

—Acredito que o pedido não terminara como o desejado.

—Sempre perspicaz, não é irmãozinho?- pelo canto do olho, viu um dos Calormanos passeando por ali e virou o irmão para o outro lado.- Preciso que tire ela dessa dança. Tenho que tentar outra vez.

—E por que não vai você?

—Eu não sei como se dança isso.

—É mais fácil que valsa.

—Não me interessa se é fácil ou difícil, apenas a tire dali!- o moreno revirou os olhos e voltou para o círculo.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Chegar até Valentina não fora difícil, já que cada um podia ir para aonde quisesse. Chegou a parte em que todos deviam se segurar na cintura um do outro e erguer e abaixar as pernas. Bem quando estavam fechando o círculo com as mãos, Edmundo empurrou Valentina para fora e a puxou para longe do alcance do centro do salão.

—Mas o que é isso, Edmundo?! Agora ia começar a melhor parte!

—É que eu estou me sentindo um pouco mal.- disse, fingindo uma tontura.

Ela revirou os olhos.

—Não vá vomitar, pelo amor de Aslam! Não me estrague a festa com suas bebedeiras.- avisou enquanto o levava para sentar-se em uma das mesas.

—Veja bem como fala comigo, mocinha. Ainda sou seu rei.

—Que seja! Voltarei para a dança.- disse, se levantando e ele a pegou pelo pulso.

—Espere! Não pode me deixar sozinho!

—Acredito que meu rei já é grandinho o suficiente para se cuidar.- replicou, irônica e virou-se, dando de encontro com quem menos queria.

—Davis, precisamos conversar.

—Pedro?- ela ouviu o som da cadeira se arrastar e virou-se lentamente, pegando Edmundo tentando se retirar em silêncio.- Você.

—Ah! Mas olha lá quem vem! Sr. Tumnus, há quanto tempo!- exclamou, olhando ao longe e apressando os passos.

Ela já estava pronta para ir atrás do moreno, quando o loiro colocou-se em seu caminho novamente.

—Davis...

—Por favor, Pedro.- ela pediu com um tom cansado.- Não fale comigo ou...

—Ou o quê?- ele perguntou, começando a se irritar com a teimosia dela, mas sua resposta o deixou sem palavras.

—Ou eu terei que calá-lo com minha própria mão.

*

Após a resposta malcriada, ela se retirou um pouco apressada e acabou parando na grande sacada do salão. Era uma bela vista da praia. Apesar de não ser tão alta quanto a sacada da sala do trono, ainda podia-se apreciar muito do céu estrelado e do horizonte. Respirou fundo, sentindo-se mais calma com o som da música diminuir. Apenas o som das ondas ocupavam seus ouvidos. Sabia que a festa era sua, mas o que mais queria no momento era que acabasse.

—Boa noite, Vale.-olhou para o lado e surpreendeu-se com a presença da Rainha Gentil.

—Boa noite, Susana. Acho que ainda não tínhamos nos falado.- ela deu de ombros.

—É sua festa. Está certa em querer aproveitá-la.

—Bom, para ser sincera, não vejo a hora de ir dormir.- a rainha a fitou com uma sobrancelha arqueada.

—E por que diz isso?

—Vamos apenas resumir que o Grande Rei, é um grande estúpido.- respondeu com amargura e Susana empertigou-se por um momento.

—O que Pedro fez?

—Me pediu em casamento.

—Isso não é bom? Achei que tinha uma paixão por ele, algo do tipo.

—Tinha, até um ano atrás ouvi-lo me chamando de criança em uma conversa com você.- a rainha prendeu a respiração.- Sei que queria que ele se casasse comigo por causa da pressão desnecessária do Conselho. Mas se querem uma nova rainha, que não seja a intrusa, ao menos.

—Vale...

—Não, Susana! Eu descobri nessa mesma noite que gostava e muito do seu irmão! Achava que era algo passageiro. E na mesma noite eu tive qualquer esperança de chance desfeita.- reclamou, aumentando o tom de voz e fitando a rainha.- É um grande drama de minha parte, mas a verdade é que dói e usar o termo “coração partido” não é nenhum eufemismo! Não me importava mais com a falta de reciprocidade, mas essa humilhação?! Será que...

—Por favor, não aumente o tom.- a rainha pediu, fechando os olhos e juntando as sobrancelhas.

Geralmente, Valentina continuaria a reclamar e reclamar, fazer-se bem entendida. Porém, Susana devia ser a única que a conseguia parar de falar apenas com uma expressão. A verdade era que não era muito próxima da rainha e não queria arriscar a despertar a sua raiva. Haviam boatos de que em reuniões do Conselho, um dos membros quase infartara com a reação da morena. Ela calou-se e voltou a fitar o horizonte.

—Obrigada.- disse Susana e suspirou.- Vale, eu não queria que fosse eu a te contar, mas como precisamos deixar bem resolvido esse assunto para hoje, não vejo outra saída.

—Do que está falando? Quem mais precisa?

—Eu e meus irmãos. Pedro não te pediu em casamento querendo te humilhar, mas porque foi o acordo entre nós. Ele precisa se casar e você é a melhor opção que temos. E antes que comece a disparar perguntas- disse, erguendo uma mão para a outra, pedindo silêncio-, eu explicarei. Nárnia teve sua soberania reinvindicada pelos Calormanos e sim, eles podem fazer isso. Nós poderíamos fazer o mesmo e fizemos, mas eles não recuaram. A menos que um casamento seja providenciado com o intuito de continuar a linhagem real, haverá uma guerra. E não precisamos disso. Faz poucos anos que não tivemos mais que mandar Narnianos arriscarem suas vidas e isso porque a questão dos Gigantes do Norte nem fora resolvida. É bem capaz de logo mandarmos tropas para lá. Precisamos fazer o possível para que as relações com a Calormânia não passem de olhares tortos e alfinetadas. Uma guerra contra eles, pode durar muito mais que alguns anos.

—Mas por que eu?

—Um casamento com alguém de fora de Nárnia, pode surgir futuramente outro problema desse tipo. E você é do castelo, conhecemos e confiamos em você. Não seria alguém para nos preocuparmos.

—Mas Pedro disse...

—Como você disse, Pedro é um grande estúpido. É um grande líder e guerreiro, mas sem dúvida às vezes fala demais sem pensar.- Vale não conseguiu segurar e deixou um riso baixo escapar. Susana sorriu, cúmplice.

—Susana?

—Sim?

—Me desculpe a pergunta mas... por que não você? Você nunca se importou com relações com um fundo verdadeiro e sempre deixou tão claro isso. Não teria que ser você a se casar?

—Concordo com seu ponto de vista, Vale. E eu cheguei a me oferecer, pois, realmente, não me importo. Mas Pedro não permitiu. Ele ainda acredita que talvez alguém apareça e mude essa minha visão.- revirou os olhos.- Além do mais, ele é o Grande Rei. Ele se casando, abafaria por mais tempo a insistência dos Calormanos.- permaneceram em silêncio até que a rainha voltou a falar.- Mas entendo que é um pedido de valor muito alto para você. Mesmo que eu não me importe, não se pode pedir que as pessoas se forcem ao que não querem, não é mesmo?- retirou as mãos da murada e virou-se em direção ao salão.- Procuraremos outra opção. Ou então teremos que enfrentá-los daqui a três meses.

—Três meses?

—A reinvindicação tem esse prazo. Caso Pedro não arranje uma rainha logo, eles irão atacar.

Afastou-se, com passos calmos e o vento balançando os cabelos. Valentina suspirou e só conseguiu se lembrar da família de sua costureira, uma fauna, a que fizera seu vestido. O marido morrera na última guerra há três anos atrás. Ela tinha dois filhos velhos e uma pequena menina. Com certeza eles seriam recrutados para o campo de batalha e, na pior das hipóteses, teriam o mesmo destino do pai.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

—Susana!- a rainha virou-se.- Avise os guardas para não deixar ninguém sair e diga para Pedro encontrar-me ao pé da escada. Tenho um comunicado para fazer.

*

O que pretendia anunciar era sem dúvida a maior insanidade de sua vida, mas precisava fazê-lo antes que perdesse a coragem. Suspirou, debruçando-se sobre a mureta da sacada em busca de ar. Era difícil convencer-se de que havia tomado a decisão correta. Aliás, tudo era difícil quando se tratava dele. Sabia que teriam uma convivência pouco harmônica, mas estava disposta a sacrificar sua paz pela do povo. Massageou a têmpora, sentindo uma incômoda dor de cabeça e fechou os olhos, tentando imaginar de que forma seria recompensada com tudo aquilo. Não que se sentisse descontente com as milhares de vidas que seriam salvas, mas seu âmago egoísta implorava por mais. No fundo, ela evitava admitir, queria ser amada. Desejava isso com mais intensidade do que se permitiria sentir e essa perspectiva lhe era assustadora. Bufou, ainda de olhos fechados. A dor aumentando consideravelmente, junto com a ansiedade e, em menor escala, o medo.

—Está tudo bem? - abriu os olhos, sobressaltada e virou-se, arrepiando-se quando a base das costas tocara as pedras frias da mureta. —Não pretendia assustá-la. Susana me avisou que queria conversar comigo.

—Sim. Vamos. - disse, sucinta, dirigindo-se às portas que davam ao salão.

—Espera! - parou e encarou o rei com o cenho franzido. —Vamos aonde? Do que está falando? - perguntou, confuso.

—Susana não entrou em detalhes?- ele negou com a cabeça.

A princesa relaxou os ombros, observando os modos do rei com aparente desdém.

—Vamos cumprir nosso dever. - esclareceu, indiferente.

*

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.