Begin Again

Chapter Eight


Parte XV – Eu não acredito nas palavras que você disse
Mas não consigo encontrar as palavras que quero.

(Lost and Found, Katie Herzig)

Penso em Quinn. Não uma, ou duas vezes. Mas repetidas vezes. Como se o nome dela estivesse em looping na minha mente. Guardo o cheiro de seu perfume suave e o modo como seus olhos pareciam profundos quando estavam nos meus. Guardo a entonação com a qual falou comigo e como seu sorriso, antes de me desejar boa noite, me afetou. Guardo cada segundo.

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Sempre será você o meu amor perdido.

Finn me acha e me pergunta se aceito o resto do frisante. Reparo nele pela primeira vez desde o momento em que Quinn pediu a palavra. Levo um susto. Estamos sozinhos mais uma vez, mas não reconheço nenhum sentimento de alívio, ou de satisfação.

— Rachel? – ele tenta de novo.

Finn ficou lidando com Kurt e Blaine, até eles decidirem irem para casa. Eu, em contrapartida, terminei o serviço na cozinha e me enfiei no escritório. Tinha ficado olhando para todos os retratos, os prêmios e os cartazes por quinze minutos, quase que completamente imóvel.

Olho para Finn mais uma vez e a emoção de completo fracasso me assalta. É a primeira vez que isso ocorre em anos. Vejo-o se aproximar de mim. Agora, ele está com menos cara de professor universitário e mais com cara de Finn Hudson. Trocou aquelas roupas comuns por um conjunto quase clássico de smoking. Fraquejo quando sinto seus dedos abrigarem os meus, num gesto suave e protetor. Num gesto que eu não mereço. Tento afastá-lo, mas ele resiste com vigor, os olhos em mim. Em seguida, observo-o se ajoelhar ao meu lado na poltrona, ficando quase que cara a cara comigo. Nossos dedos continuam juntos e é como se esse contato fosse corrosivo. Como se eu não mais o reconhecesse.

Sua outra mão ampara meu rosto. Não consigo entender como nos transformamos nessas pessoas que vão do 0 ao 100 numa questão de horas. É como estar numa constante turbulência emocional. E nunca dá para prever quando é que a pior turbulência acontecerá. Eu simplesmente fico aguardando, rezando para que, se for acontecer, que ninguém se fira. Mas acho que ambos estamos feridos. Ele, talvez, mais do que eu.

Meus olhos ficam úmidos e sei que não posso refrear isso.

É claro que Finn não entende o que isso quer dizer – ou o motivo pelo qual estou chorando. Então, tudo o que faz é me envolver em seus braços, num abraço quase sufocante. Em seguida, diz:

— Desculpe. Eu sei que a culpa é minha – suspira cansado, então me solta e me olha – Eu sinto muito. Essa história de casamento é meio estressante – ele me oferece um sorriso fraco. Eu me recordo de dizer essa mesma desculpa para Quinn – Vamos fazer isso dar certo, ok? Juntos, como sempre estivemos.

Não consigo concordar ou discordar. Apenas deixo que as minhas lágrimas desçam para minhas bochechas. Finn as limpa e depois beija meu rosto, ainda úmido.

— O que você acha de um jantar amanhã, só para nós dois? – ele quer saber – Aqui mesmo, com o que você quiser.

A verdade é que sinto falta de ser dele. De saber que tínhamos o futuro pela frente e que, como Quinn bem colocou, superaríamos qualquer coisa. Hoje, tenho muitas dúvidas com relação a isso. Acho que quando um coração se quebra, ou quando ele simplesmente não consegue mais bater da mesma forma como antigamente, é porque não pode haver mais futuro.

Constato a verdade, sentindo o fracasso cada vez mais dominante em meu corpo e em minha mente. Não tenho mais futuro com Finn. E não é porque eu desisti dele. Ainda o amo, mas esse amor é tão diminuto comparado ao que senti quando Quinn me desejou boa noite e foi embora. Porque eu entendi o que significou aquele gesto. Ela desistiu de mim.

E eu não fiz nada. Não disse nada.

Deixei-a ir.

E, se isso a machucou, como vou consertar? Como direi que, agora, eu sou a mais atingida pela minha própria decisão?

— O que acha? – Finn insiste.

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Assinto. Ele me oferece outro sorriso fraco.

Eu me desvencilho de suas mãos e me levanto. Seguimos em silêncio para o andar de cima.

Eu sei que nada mais é igual. Não sei quem sou ao lado de Finn, e tampouco sei quem ele é perto de mim.

Despimo-nos no quarto e, em seguida, fazemos amor. Não sinto nada além de culpa. Sinto-me culpada por colocá-lo nessa situação e, também, por deixar que ele ache que isso afetará algo entre nós.

Está mais do que claro que, se algum dia eu fui de alguém, não foi dele.

{...}

A sensação ainda me é estranha, como habitar outro corpo ou estar enxergando tudo com clareza de uma nova perspectiva.

A ideia parece ridícula agora, nem sei como foi que tudo isso aconteceu – melhor: nem sei como foi que deixei isso acontecer. Toda situação é como uma força, e há sempre dois opostos. O meu oposto, tenho certeza, causou isso. Porque eu me desvencilhei do que quer que estivesse me prendendo e, agora, não sei o que sobrou. Acho que não sobrou muita coisa – só culpa e lágrimas (que, com certa maestria, consegui esconder desde ontem à noite; afinal, a minha parte atriz tem que exercer alguma influência na minha parte pessoal).

A casa está silenciosa, à exceção de um jazz suave que ondula pelo ar numa harmonia que até chega a me oferecer paz. Mas, é claro, por pouco tempo. Quando vejo que as luzes do primeiro andar estão apagadas e que os abajures estão acesos, fazendo com que tudo esteja na meia-luz, numa espécie de caverna do amor – ou qualquer coisa tosca perto disso – meu coração acelera e meu ânimo despenca por absoluto. Finn está na cozinha, pois posso captar os utensílios baterem suavemente entre si. Meu vestido não é apropriado para ser caseiro, mas tampouco para estar sendo exibido numa premiação. Observo-o por meros segundos e constato que está tudo errado. A vestimenta nem é minha, é de Eliza, na sua fase bon vivant durante a peça. É um vestido de tecido leve, rosa-bebê, com botões frontais e saia de pregas entretons, rosa e azul. Jesse achou que seria uma boa ideia.

— Faz de você alguém que não pode ser acusada de nada. Não é esse o seu plano? – ele tinha me perguntado.

Quando o chamei, ainda acompanhada por um desespero irritante, era. Eu não queria de modo algum que nenhum detalhe delatasse o que eu escondia (ou achava que escondia). Agora, é óbvio que eu não tenho mais um plano e, muito certamente, não tenho nada a esconder – tudo está bastante evidente.

Finn surge com taças e uma garrafa de champanhe. Mesmo ainda nos últimos degraus da escada, onde parece que estou paralisada, noto aquele sorriso característico dele. E fico triste por perceber que nem mesmo isso me afeta. Tudo o que sinto é uma vontade imensa de largar tudo aqui e correr para qualquer lugar.

– Ei, vem cá – ele me chama, depois que posiciona os objetos na mesa.

Titubeio por um instante, notando que não há mesmo retrocesso. Preciso mesmo enfrentar isso, do melhor modo que conseguir. Tento bloquear outros pensamentos – tudo que tem a ver com Quinn e com o fato de que não quero estar aqui, com Finn. Na verdade, tudo o que queria era desaparecer. Desço o restante da escada e ofereço-lhe um sorriso fraco e desmontado. É hora de continuar o show.

— O que acha?

Olho para a mesa, que não está repleta de comida. Há o suficiente e sei que veio do nosso restaurante italiano preferido. Está bom para mim.

Eu sei o que ele está fazendo. Está tentando recuperar algo que, agora, não há mais recuperação.

— Parece bom – respondo.

Está um pouco escuro aqui, mas sei que Finn sabe ler muito bem nos meus olhos que estou irrequieta por dentro. Ele se aproxima, mas eu o contraponho num gesto rápido: acomodo-me na cadeira, como quem está distraída demais com aroma da comida. Nem estou com fome. Finn se junta a mim na mesa, a minha frente. Nossas taças já estão preenchidas, então, me ocupo de virar o conteúdo deliberadamente na boca. Meu paladar estranha o amargor, mas suporto mesmo assim. Espero que um pouco de álcool acalme meus nervos.

Em silêncio, Finn estende a mão e toca a minha aliança de compromisso. Achei de bom-tom exibi-la esta noite – não faço isso sempre, pois a pedra polida é grande e se engancha facilmente em qualquer coisa, em especial nos meus cabelos. Sua atitude me incomoda de imediato e, sutilmente, tento afastar meus dedos dos dele. Em vão, é claro, pois, logo em seguida, ele recobre minha mão com a sua. Aceito o reconforto, mesmo que eu saiba que não passa de uma passageira ilusão.

Deposito a taça na toalha de mesa e digo que estou louca de fome. Com isso, consigo me desgarrar dele. Isso me alivia.

A hora corre amena. Nossas vozes delineiam conversas com a mesma modulação baixa e cuidadosa. É isso que me faz entender que estamos evitando o óbvio.

Depois de algumas tentativas de expressar o quanto estou satisfeita pelo jantar – sorrisos falsos são realmente muito úteis –, o que consegui resgatar de cumplicidade com Finn se desmantela no chão. É tudo muito rápido, como um ataque nazista de meio da noite. E eu sei, simplesmente sei, não vai restar escombros.

Finn nem mesmo tenta parecer agradável, ou sugere uma piada preliminar. É tudo bem na cara, pra me fazer mesmo entender que meus minutos estão se esgotando. Que não tenho mais tanto tempo assim. E que, é claro, eu estou sempre do lado que está perdendo.

— Sabe o que acho? – sua pergunta é repentina, depois de alguns momentos de silêncio. Eu permaneço encarando-o por precaução, embora saiba que não tenho nada a lhe refutar – Que você está mentindo. Para si mesma, para ela, para mim, para todo mundo.— o modo como pontua essas duas últimas palavras me afeta, pois evidencia o quanto ele tem razão em sua afirmação. E não há como negar isso. É melhor que eu fique calada, por enquanto. Finn continua: – Se a tivesse superado, não teria feito com que ela aceitasse essa maldita sessão de fotos, nem todos esses jantares na nossa casa. Parece que você não quer se livrar dela!

Finn nunca demonstrou ser alguém muito agressivo. Não que esteja sendo agora. Eu entendo que esteja frustrado – eu também estou. Mas suas frases, com certeza, insinuam que sua paciência já atingiu o limite.

Ninguém me perguntou se eu estou no meu, porque no mundo no qual vivo temos de suportar o que vier, independentemente do que seja. Estar onde estou é um privilégio, não se pode ter uma dor de dente, cólica, ou tristeza. É tudo reverberante e brilhante – ninguém deve se queixar de desgaste. E, dentro de um relacionamento, isso se repete. As fissuras de quem somos não podem ser expostas, porque isso denuncia o nosso descompasso com o outro. A sintonia é sempre exacerbada, mas seu oposto encontra barreiras para existir.

Mas é com extremo auto-controle que pergunto:

— Por que eu deveria me envergonhar por querê-la por perto? Ela foi minha amiga, você sabe muito bem disso.

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Finn, para minha eterna irritabilidade, solta uma risada que não se assemelha com nada que já ouvi antes. Não é algo que signifique alegria, ou desaprovação. Vai além do desprezo, eu acho.

Ele pontua:

— E fico com a impressão de que você ainda está agindo como se tivesse 16 anos, sendo a sei lá o que dela, e eu sou somente o cara idiota com quem você está para preencher o que restou do que você sentia e ainda sente por ela! – seus olhos, noto, estão feridos. Não queria ver isso, mas vejo. Isso me dói, embora ainda cultive irritação.

— É claro que você não é! Não estaria contigo se não o amasse! – recupero meu fôlego, mesmo que esteja abalada por entrever seu sofrimento. Para aplacar o que sinto e o que ele sente, talvez, seja melhor combater fogo com fogo.

— Como se isso anulasse o fato de ainda nutrir algo por ela!

— Não nutro NADA por ela! – meus olhos se esquadrinham perigosos e descrentes. Eu sei que é muita ousadia da minha parte mentir, assim, tão na cara dura. Mas fingir um pouco mais não vai doer em mim, uma vez que já estou sustentando tudo isso há tanto tempo. Por ora, me convenço de que mentir ainda é uma necessidade – Eu superei tudo isso! Achei que você soubesse!

— Não é como se estivesse muito claro! Nós vamos nos casar e parece que até hoje não conheço tudo sobre você. Não deveria ser assim. Você deveria ser verdadeira comigo do mesmo modo como sou contigo! E mentir para si mesma é ainda pior do que mentir para mim, Rachel. Achei que esse casamento seria uma confirmação do que você sente, mas por que parece que não sabe o que sente? E se não sabe, como eu vou saber?

— Isso não é justo – estou com lágrimas nos olhos, porque ouvir a verdade dói. O conforto de nossas almas sempre vem das mentiras. A verdade machuca, porque não queremos conviver com aquilo que realmente somos.

E é absolutamente isso que venho fazendo durante todos esses anos. Tenho me afastado de quem sou, porque aceitar isso tudo é ainda pior. É ter a certeza de que, pra falar a verdade, não há nada que eu possa fazer para mudar minha vida e minha felicidade.

— Injusto é eu não saber se a mulher que escolhi para me casar ama outra pessoa.

— Não amo – minhas lágrimas se intensificam.

— Será mesmo? – Finn deixa isso no ar e, logo depois, sai da mesa.

Não o acompanho, mas assim que ouço a porta bater, maneio o pescoço e afundo o rosto nas mãos.

Não quero pensar no que acabou de acontecer, porque isso parece uma despedida.

Parte XVI – É difícil olhar na sua cara em vídeos e quadros,

sabendo que ontem éramos amantes

Mas ainda assim eu ficarei bem

(We Could Be In Love, Andrew Landon)

O Dia D chega.

Dizer que estou nervosa é um eufemismo.

Mas consigo esconder isso – eu me convenço de que consigo. As únicas pessoas que entendem o que se passa dentro de mim – aquele constante embate de águas calmas com águas descontroladas – são Brittany e Santana. Estava programado que Rachel e Finn passariam do meu apartamento às 9h, já que levaríamos, no mínimo, cinco horas até North Fork. Levantei-me às 6h30, simplesmente porque a ansiedade estava me impedindo de descansar. Às 7h30, liguei para a Santana, que não ficou muito contente. Mas concordou de, dentro de uma hora, estar ali para me dar certo apoio moral. Liguei para Sam também.

— Você não tinha deixado claro que estava seguindo em frente? – ele, sabiamente, quis saber.

Não que eu tivesse acabado de confessar que mentira no meu discurso na festa de pré-casamento de Rachel. Eu estava sendo verdadeira, mas ninguém poderia me culpar pelo que aconteceu depois daquilo. A minha despedida de Rachel na cozinha, quer dizer. Eu sei, eu sei, foi totalmente irrefletido quando lhe revelei a verdade e beijei-lhe a face – mas, agora, percebo que foi melhor. A verdade tem que aparecer uma hora, lembro a mim mesma.

— Eu estou seguindo em frente.

Ou estava, até me dar conta que não vou conseguir fazer isso. Primeiro, porque eu não sou esse tipo de fotógrafa. Tenho certo preparo, é claro, mas acontece que eu sei clicar o inesperado, o movimento, não aquilo que precisa ser preparado, posado. Qual é a graça? E, segundo... Bem, o óbvio. Como posso desistir se essa situação toda me faz resistir? A contradição me consome, num embate frio. Quase posso ouvir meus próprios pensamentos caçoando de mim.

Quando Santana e Brittany chegam, eu estou preparando um café. Isso porque começo a sentir o cansaço da insônia.

— Você não parece uma fotógrafa bonitinha, como sempre achei que fosse. Parece aquelas hippies loucas que ficam na estação pedindo uns trocados – Santana me diz.

— Não quero fazer isso – deixo a sentença escapar porque minha mente precisa de descanso.

Santana eleva as sobrancelhas.

— O que houve com toda a certeza de antes, hein?

— Mudou. As certezas mudam conforme as opiniões.

— É por que você acha que vai dar certo dessa vez? – ela pergunta, mas nem me dá brecha para uma réplica – Como pode dar certo, se ela vai mesmo se casar? Ela pode estar confusa, mas não desfez a ideia, então... Como? Uma vez, você a afastou de si. E ela está, claramente, fazendo o mesmo movimento. Vocês duas perderam, Quinn. Polos iguais se repelem.

— A Rachel vai ser seu fantasma pelo resto da vida, Quinn – volto a minha atenção para Brittany. – E um fantasma é como um depósito, você tem que aprender a deixar ir embora as coisas antigas. Ou, então, você pode resgatar essas memórias e fazer delas o presente.

— Não, não tem volta. Ela pode estar, por enquanto, no meu presente, mas isso vai acabar como antes.

— Só se você deixar – intervém mais uma vez Britt.

Rapidamente, mando-as embora. Está muito claro que não preciso de duas pessoas que vão embaralhar mais ainda o que sinto em demasia. Na verdade, eu nem sei com exatidão o que sinto.

{...}

Três semanas depois do rompimento com Rachel, ainda na adolescência, ouvi colegas comentarem que, finalmente, parecia que ela tinha arranjado alguém. Como nosso namoro tinha passado todo em segredo para aqueles que estudavam conosco, ninguém poderia saber que Rachel não era completamente inexperiente com relação a essas coisas. Então, quando começaram esse rumor, todo mundo ficou bastante interessado.

E não demorou muito para eu entender que esse boato era verdadeiro.

Dois dias depois, vi Finn encostado no armário dela, enquanto Rachel parecia bem. Durante aqueles dias, eu tinha imaginado que ter quebrado o coração dela arruinaria qualquer esperança de um novo amor. A gente nunca acha que a raiva vai fazer a melhor decisão – e essa decisão é, quase sempre, seguir em frente. E Rachel estava se preparando para largar a nossa história. Achei que apenas quisesse me ferir, revidar e também quebrar meu coração, mas aquilo durou.

A primeira vez que os vi se beijando, no final de um jogo, foi como se eu estive e não estivesse ali. Foi como se houvessem duas de mim: uma enxergava a realidade; a outra tentava se distanciar da cena e encontrar meios de me convencer de que aquilo era uma desordem cognitiva projetada pela minha mente com o intuito de me enlouquecer. Fiquei estática na arquibancada, o coração parando e o mundo girando como sempre – já que ele nunca se importa com as nossas dores. Rachel, claramente, não estava se importando. Não chorei naquela noite, nem nas três subseqüentes. Mas, quando, no Glee Club, ela e Finn cantaram Don’t Go Breaking My Heart tudo definitivamente desmoronou e senti o peso daquilo que tinha feito – com ela e comigo mesma.

A verdade é que vontade nenhuma muda o passado quando tudo o que você fez foi fugir.

{...}

— Tudo certo?

Assinto. Vejo Rachel recolocar os óculos de sol e não pronunciar nenhuma palavra, simplesmente se enfia no carro. Finn bate o porta-malas e, também em silêncio, se acomoda no banco do motorista. Olho para o topo do meu prédio e noto que parece que estou esquecendo alguma coisa, não sei o quê. Mas decido que preciso afastar qualquer palpitação estranha e seguir em frente.

O banco detrás é todo meu e até fico feliz, se não fosse o fato de Rachel não retirar o óculos e eu ter a impressão de que ela está me vigiando pelo retrovisor. É claro, pode ser apenas uma sensação infundada, mas é como me sinto parte do trajeto. Nos primeiros cem quilômetros, ouço Rachel narrar sobre o local do book. Parece que ambos já estiveram lá. Eu murmuro coisas como “Hm” e “Legal”. Não há muito que dizer, porque eu não estou dando a mínima. O dia está firme e isso até que me motiva. Deixo a minha mente vagar por entre suposições de relevo e paisagens e, depois, me pego pensando que a luz natural deixará as fotos belas.

Na terceira hora ali dentro, pressinto minha sonolência. O café que fiz pela manhã já não faz efeito em meu corpo. Não resisto e caio no sono. Sei que mereço, na verdade.

Quando acordo, ouço vozes. Endireito meu pescoço, que dói um pouco, e não enxergo ninguém dentro do carro. Estou apenas eu. Fico assustada de imediato, mas ouço a voz de Rachel:

— Eu não posso fazer isso.

Opa, na verdade... Ela está gritando.

Ninguém está no meu campo de visão, o que torna tudo mais estranho. Parece um pesadelo, daqueles em que fui largada no meio do nada e sou psicologicamente torturada pelos meus fantasmas.

Rachel repete sua afirmação. Uma, duas, três vezes. E, então, tudo para.

Tento sair do carro, mas ele está trancado. Eles devem ter pensado que eu não acordaria e, portanto, não havia por que deixar as trancas abertas. Noto a paisagem pela primeira vez. Há uma casa de madeira imponente a poucos metros, talvez uns vinte. A vegetação é bonita, combinada em verde e marrom, numa tonalidade típica de taiga. Acho que chegamos ao nosso destino. Pesco meu celular da bolsa e confiro que são quase 16h30. Fico ligeiramente desapontada, pois queria aproveitar o restinho da tarde, com a luz, para testar a câmera para amanhã.

Espero uns minutos.

O primeiro movimento que vejo é Rachel entrando no veículo. Ela não percebe que estou desperta, então, seus gestos são violentos. Seus óculos não estão mais recobrindo parte de seu rosto e vejo que ele está tenso – talvez, até mesmo raivoso.

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— Rachel? – minha voz está estranha, talvez por causa das horas mergulhadas no sono e da apreensão que sinto. Mas também estou bastante alerta.

Ela para de remexer a bolsa – acho que é isso que está fazendo – e se vira para mim, de corpo inteiro.

Antes que possa dizer algo, eu inquiro:

— Aconteceu alguma coisa?

— Não – sua voz está rabugenta e sua face, contorcida e anuviada.

— Nós chegamos?

— Olha, fica aqui, ok? – ela denuncia sua impaciência com rudeza – Não precisa se meter.

E, então, ela se vai. Bate a porta novamente e a vejo sumir. Não me interesso para onde foi. Fecho os olhos e aproveito o silêncio artificial.

O que ela quis dizer com Não precisa se meter?

Como se eu quisesse intervir em algo. O casamento deles não é da minha conta. Não posso tomar partido, ou achar que devo apaziguar algo. Sou apenas uma observadora – ou seja, estou e não estou aqui. Nossas vidas se farão divergentes depois disso, então, não me importo. Não deveria me importar com o que está acontecendo.

Portas se abrem em simultâneo, fazendo minha mente sair do estado de tranquilidade. Rachel e Finn me olham.

— O quê? – pergunto.

— Vocês estão indo.

Olho de Finn para Rachel.

Nós estamos indo – ela corrige.

— Hm, o quê? – repito.

— Saia do carro – Finn me ordena. Assim mesmo, numa voz tesa.

— Meu Deus, o que você quer? – Rachel explode; sim, ela voltou a gritar. Não sei o que dizer; na verdade, nem sei o que penso no momento – Não há necessid...

Finn a corta na mesma hora.

– Já faz algum tempo que a necessidade disso vem sendo escondida, então, vamos logo. Saia do carro, Quinn – ele me manda mais uma vez.

— Espera aí, o que está acontecendo?

— O que vai acontecer você vai querer saber. Então, por favor – Finn retorna.

O rosto de Rachel está aflito e parece que ela está dividida entre continuar berrando e se esconder. Pego minha bolsa, abro a porta e me levanto do banco. A terra é batida e parece que preciso de um pouco de força para permanecer em pé. Olho para Rachel, que está a um metro de mim. Ela não é capaz de proferir nada, mas seus olhos dizem algo – acho que é medo. Mas posso estar enganada.

Finn se aproxima de nós, nos encurralando naquele lado do carro. Nunca tinha reparado com precisão o quanto ele é mesmo muito alto e tudo mais. Olho inquiridora para ele, num misto de confusão e coragem.

Alguma coisa está fora do lugar, sei disso.

Só não sei se é a minha coragem ou o medo de Rachel.