Somente à noite

Cinquenta pontos do prazer provocante


Eu não sei como foi que chegamos ao meu quarto, o caminho simplesmente desapareceu no meio do nosso desejo. Loucura, insanidade, calor. As carícias e os beijos foram ficando cada vez mais intensos e eu sentia como se meu corpo houvesse sido feito somente para aquele momento. Boca, cabelo, pele, suor. Éramos tudo. E também éramos nada.

Senti quando a sua mão se infiltrou pela minha blusa e toda uma onda de sentimentos me invadiu, me fazendo gemer como uma meretriz. O tecido desapareceu como em um passe de mágica e logo éramos apenas eu e ele. Foi então que senti quando ele estava pronto, eu estava pronta, e enfim eu vi o quanto era enorme e duro o seu p...

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Posso saber que pouca vergonha é essa aqui na minha casa?! — eu me espantei quando abri a porta da sala e a primeira coisa que ouvi foi a voz de Jeferson narrando sem nenhum pudor uma cena bizarra para uma pequena plateia que suspirava encantada. Cheguei bem a tempo de ouvi-lo falar algo sobre chicotes e vibradores cobertos com chantilly, por isso a minha cara estava mais vermelha do que os batons da minha avó.

— Pouca vergonha? — ele interrompeu a leitura e a plateia, composta por Conchito e duas manicures, bufou impaciente. — Isso aqui é literatura, gata. Literaturaaa eróóootica — uma risadinha depois de falar com uma voz misteriosa e suave. — Foi você mesma que disse que a gente precisava ler mais, então...

— Cinquenta pontos do prazer provocante? — li o título e nem me admirei ao constatar que na capa havia um cara mega gostoso seminu agarrando uma garota pelos cabelos. — Chame isso de literatura mais uma vez e o coitado do Machado de Assis vai se revirar na tumba!

— Olha, Anna, você não pode se achar melhor do que a gente só porque lê esses livros cheios de palavras difíceis — Conchito veio em defesa do grupo. — Me admiro que justo você venha com esse tipo de preconceito! Quanta decepção... E, você não pode falar de algo que não conhece, pois essa é uma linda história de amor, calor e desejo e sedução...

Um suspiro coletivo fez eu coçar a cabeça e pensar que realmente cada um deve fazer e ler o que bem entender. Como sempre meus amigos fizeram eu perceber que estava errada em dizer tais coisas e por isso me resignei, mesmo tendo que ouvir o restante da história que agora estava em uma parte que deixaria uma atriz pornô corada como uma donzela. Como estava super cansada de passar a tarde inteira na rua, deixei o grupo em sua sessão “literária” e subi as escadas pensando na noite terrível que provavelmente me esperava. Mas, como sorte não é o meu forte, Conchito deu um grito tão alto que eu desci os poucos degraus que já havia subido aos tropeços, quase caindo no meio do caminho.

— Paaara tuuuuudo! — ele correu e arrancou as sacolas que eu carregava das minhas mãos. — Isso é o que eu estou imaginando?

— É, é sim — recuperei as sacolas e o fôlego de volta e voltei a subir, lamentando o fato de minha avó ter ido resolver outras coisas e me deixado sozinha com a curiosidade daquelas borboletas. — E não é para o bico sem noção de vocês. Agora que finalmente eu tive a ajuda certa não vou precisar me vestir como uma prostituta de vermelho! — alfinetei, lembrando-os da vez em que me fizeram pagar o mico que fez Davi ver o meu traseiro.

— Ah, Anna, você ainda está remoendo isso? — Jeferson veio ajudar a xeretar e não pude lutar contra dois. — Deixa para lá. Seu bofe bem que gostou do que viu, aquele safadinho — os dois riram como hienas no cio e eu os olhei do mesmo modo que olhei minha professora de química quando ela perguntou o nome do vigésimo quinto elemento da tabela periódica. Mas, como eles nunca estavam nem aí para minha vontade de matá-los, continuaram a revirar minhas sacolas, analisaram o vestido azul e o sapato de salto que minha avó comprara e reclamaram, efusivamente, da falta de fendas e decote. Como eu expliquei pela milésima vez que eu iria a um jantar de família (e que a sogra era uma monstra), eles enfim se conformaram, mas não sem antes me arrastar até as manicures que pareciam estar ansiosas pelas minhas unhas.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

E pela carne em volta delas.

— Se você arrancar mais um bife eu desisto! — reclamei e a “açougueira” me ignorou, arrancando feliz e sorridente mais um pedaço de mim. Conchito e Jeferson mexeram e remexeram no meu cabelo, minha avó chegou pouco depois para terminar de me revirar do avesso e depois me obrigou a tomar um banho com produtos que sequer imaginei que existissem.

— Olhem, meninas, ela não está parecendo uma princesa? — minha avó fez cara de choro junto com Jeferson assim que me viu arrumada e eu fiz um barulho parecido com pfff. Conchito então disse em tom de brincadeira que enfim eu parecia gente e até a Funerária, que desde a sua chegada se mostrou uma enjoada preguiçosa, deu um miado de aprovação.

— Conchito, essa gata é tão bizarra quanto você — reclamei e juro que a bichana entendeu. Sério, acho até que ela apertou os olhos e depois sorriu cinicamente, aquela demônia. — Cruzes, estou pensando seriamente em mandar exorcizá-la!

— Que nada, a bichinha só está te elogiando porque você não está parecendo um aparador de grama, não é, fofinha? — ele pôs a Funerária no colo e eu pude sentir a aura negra que emanava dela.

— Anna, pare de implicar com a coitadinha — vovó veio em defesa e eu me perguntei se essa criatura na verdade não era uma bruxa sugadora de almas disfarçada. — Agora, vamos voltar ao que interessa — ela interveio antes que eu esganasse gata e amigo. — Está pronta?

Se eu estava pronta?

Claro que não, mas eu não ia admitir isso em voz alta. Então, apenas fiquei sorrindo e acenando, rezando para não ter a alma sugada nem pela Funerária nem pela mãe do Davi.

*

— Ok, então. Obrigada por tudo, desejem-me sorte e chispem daqui! — eu ordenei a todos que estavam no carro e eles fizeram aqueles barulhinhos que a gente faz quando se ofende.

— Hum, quanta pressa para se livrar de nós. Já está com vontade de comer um tempero japonês?

— Vó, não começa! — ralhei e ela deu de ombros. — É só que...

— Você quer logo ver o seu boy magia, não é? — Conchito piscou, cúmplice.

— Sim, mas não é só isso — falei. — Tenho que aproveitar que ainda estou com coragem para fazer o que deve ser feito.

— O Davi já contou para a mãe dele que nós somos... diferentes? — Jeferson perguntou e eu mordi os lábios, preocupada.

— Não. Ele bem que quis, mas eu não deixei.

— Como assim? Por quê? — Conchito se exaltou. — Ficou com vergonha de nós, foi?

— Como é que é? — fechei logo a cara. — Escuta aqui, você lembra o que aconteceu quando eu estava na sétima série? —perguntei, minha voz já alta. — Se não lembra então faça o favor de lembrar! — apontei o dedo na cara dele e Conchito desviou o olhar. — Pois é, a próxima vez que você disser que eu tenho vergonha de vocês é bom estar preparado, porque eu vou enfiar o meu salto bem fundo lá naquele lugar!

Olhei para frente, vovó olhou para um lado e Conchito para o outro. Ficamos uns segundos emburrados, em silêncio, e se não fosse por Jeferson, que desatou a perguntar, passaríamos a noite toda ali.

— Gente, alguém me situa que eu tô perdido.

Silêncio...

— Alô, por que é que ninguém fala?

Mais silêncio...

— Pelamor de Madonna, o que diabos foi que aconteceu quando a Anna estava na sétima série!?

— Bom... — vovó pigarreou, dando uma respirada em cada pausa. — A Anna foi parar no ambulatório... com o olho inchado e dois dedos quebrados... por brigar com umas garotas bem mais velhas do que ela.

— E o que tem de novo nisso, gente, essa aí briga com todo mundo mesmo — Jeferson, nada sutil, interrompeu e quase foi fritado pelo olhar supersônico da dona Sarah.

— É que... a Anna brigou com elas por nossa causa — Conchito começou a falar meio tímido, braços cruzados. Só depois de muito tempo ele continuou. — Elas atiraram pedras em nós, me chamaram de “viadinho” e outras coisas horríveis e ficavam repetindo que a Sarah era... uma “puta”— Ele narrou, triste, sem me olhar. — A gente não estava fazendo nada demais, estávamos apenas passando pela praça...

— Sério? — Jeferson continuou, com a mão no coração.

— Hum hum.

— E o que aconteceu?

— A gente até foi até a polícia, mas ninguém pareceu se importar. Então a Anna esperou uma hora em que ninguém estava prestando atenção nela e... eu disse para essa doida deixar para lá, mas ela ficou tão indignada que antes que eu pudesse... — ele ficou calado e baixou a cabeça. No entanto, de repente, do nada ele começou a rir. Uma daquelas risadas altas e malucas mesmo. — Você acredita que ela chegou logo na voadora? — ele enfim conseguiu falar quando acabou de rir, e todo mundo começou a rir também porque não era isso que a gente estava esperando.

— Isso é sério? — Jeferson não pareceu acreditar.

— Pior que é — vovó, que até o momento estava calada, riu junto.

— Ah, não é para tanto, gente, pois essa voadora foi o único golpe que acertei. Conchito, lembra que a minha cara ficou parecendo um tomate quando cai no chão?

— Mas não foi tão ruim, você mordeu o braço de uma delas, lembra? Se eu bem me lembro, quando cheguei para apartar a briga você estava com a cara cheia de sangue.

— Não, não, o sangue era meu mesmo — gargalhei. — Pois é... eu apanhei feio naquele dia... — olhei para todos e percebi que havia algumas lágrimas presas em cada um de nós. — E apanharia tudo de novo se fosse preciso porque vocês são a minha família e ninguém pode magoar vocês. Eu achei que isso já tinha ficado claro faz tempo.

— Ai, Anna. Tá bom, ok, eu já entendi — Conchito limpou os olhos úmidos. — Me desculpa, foi só uma...

— Grande bobagem — interrompi. — É claro que eu não tenho vergonha de vocês e nunca terei. É só que agora eu tenho mais uma pessoa com quem me preocupar. E se o Davi contasse sobre vocês para a mãe dele nem posso imaginar o que ela falaria, como ela o trataria. Mas se ela souber de mim através de mim mesma talvez ela não o maltrate. Isso eu não vou deixar nunca.

— Mas e se ela maltratar você? — vovó perguntou, preocupada.

— Bom, para quem já enfrentou quatro garotas sozinha e saiu viva, enfrentar uma sogra não vai ser nada demais.

— Tem certeza disso?

— Tenho, Jeferson, não chora, por favor — segurei uma revirada de olho ante a sensibilidade exageradíssima do meu amigo. — E vocês dois aí fiquem calmos e sossegados, ok?

— Ai, meu Deeeeeeeus! — Conchito exclamou. — Você é louca?

— Sou — respondi saindo do carro. — E aprendi a ser assim com os melhores — dei um sorrisinho malicioso e pisquei.

Depois de muito insistir – e convencer a minha avó de que eu não precisava de uma arma de choque – eles enfim foram embora e eu me vi sozinha na noite. Lutar era algo que fazia parte das minhas células, então não seria dessa vez que eu iria ficar de braços cruzados.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Atravessei a rua e já comecei a achar tudo esquisito. Geralmente, quando há alguma festa na minha casa ou na casa de algum conhecido é possível escutar o batidão retumbando até na lua. Mas ali na frente da casa de Davi estava tão silêncio que eu conseguia ouvir o meu estômago revirando dentro de mim.

Respira.

Um. Dois. Três.

Ding-dong.

Meio minuto depois Davi abriu a porta e me abraçou tão forte que eu pensei que fosse ser esmagada. Ficamos ali um bom tempo, até nos afastarmos, e eu torci para ele não perceber que eu estava com vontade de sair correndo.

— Você está incrível — Davi disse antes que eu perguntasse algo e só pude sorrir. Ele então ficou me olhando de um jeito estranho, quente, e tive certeza ali de que não importaria o que acontecesse aquele japa era meu e ponto final. Devolvi o olhar dele, e agora que estávamos mais afastados eu pude ver como ele se vestira.

Davi estava usando um...

— Terno? É o seu aniversário ou um coquetel do corpo diplomático da ONU?

— Mais ou menos as duas coisas — ele passou a mão nos cabelos recém cortados. — Pelo menos não tem gravata e a calça é jeans. Mas e aí, como estou?

O desgraçado estava super sexy com aquela roupa e eu comecei a lembrar do livro que os meninos estavam lendo durante a tarde. Davi também estava usando um perfume daqueles bem másculos e eu logo comecei a suar.

— É... você... tá bacana.

— Só bacana? — ele deu uma voltinha e eu conferi todo o “material”.

— Hummm — analisei. — Na verdade você está parecendo um Christian Grey oriental.

E eu adoraria te morder todo.

Mas lógico que essa parte eu não disse.

— Gostei disso — Davi respondeu, safado, e eu corei, me sentindo uma idiota vivendo o seu próprio “crepúsculo” com baixo orçamento. — Bom, é melhor entrarmos logo — ele pegou minha mão e a puxou suavemente, me levando para o Tártaro.

E eu finalmente contemplaria a face de Hades.

— Espera, Davi. O que você acha que devo usar? Armas, espadas, sabre-de-luz ou pedra-papel-tesoura?

— Sabre-de-luz é uma boa pedida — ele fez uma expressão divertida e isso me tranquilizou. — E, Anna, eu só quero te pedir uma coisa — ele ficou frente a mim e vi quando um sorriu surgiu em seus lábios, um daqueles sorrisos que indicam que a gente está a fim de aprontar alguma. — Eu espero que você seja totalmente e simplesmente você mesma aqui, esta noite. Não mude nada. Fale o que tiver que falar.

E se o circo iria pegar fogo a gente com certeza iria se queimar junto.