Selvagem

Dó - Foco


Um chute.

Posição de ataque, mãos em punhos.

Respiração ofegante, batimentos acelerados, olhos compenetrados.

Corpo concentrado, movimentos rápidos, estratégia perfeita.

Um soco, um pontapé, outro soco, um chute dado com força.

O som de correntes ao se chocar e o saco de areia a balançar.

Tudo isso é ridiculamente familiar. Mitra espanca o saco como se sua vida dependesse disso, como se tudo o que perdeu pudesse ressurgir das cinzas a cada novo golpe. O cabelo castanho curto, malcuidado e despenteado molha de suor e ela não se importa nem um pouco, já que dessa vez havia tomado o cuidado de prendê-lo. Os olhos de um mel tão claro que pode ser descrito como dourado, ou amarelo, brilham com selvageria e determinção. Suas bochechas estão coradas e os músculos de vez em quando reclamam. Entretanto, ela não queria sair dali tão cedo. É o que faz de melhor. A coisa que mais gosta de fazer.

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A arte dos oito membros, para ela, havia se transformado um. Uma parte de si.

Ela ergue os punhos uma última vez, antes de socar o saco de areia com toda a sua força e sair da sala. O suor deixara suas roupas molhadas e ela as sente pesadas sobre o corpo. Solta seu cabelo e olha-se no espelho, suspirando. Depois de tirar as luvas e ficar alguns instantes agindo calmamente, o cansaço parece atacá-la como um leão selvagem. O reflexo no espelho constata todo o seu cansaço, como se tudo o que sente aparecesse em seu rosto. Como um reflexo não só de seu exterior, mas seu interior. Transparente.

Ela se despe e entra no boxe do chuveiro, ligando-o e esperando a água gelada cair, fazendo-a sentir o choque térmico que tanto ama. Pega o sabonete, lava os cabelos com cuidado, e logo está em seu quarto.
Se senta na cama de madeira antiga, que range. Vira-se e liga o rádio centenário que nunca está fora da cômoda a não ser quando resolve treinar ao som de uma boa música, sempre na mesma estação.

Observa o teto e as paredes, de tinta escassa e velha, que descasca.

E é pensando em comprar tinta nova que ela adormece, tentando espantar os velhos pensamentos, fantasmas do passado.