A música

A música


Duas semanas admirando ela e nunca tive coragem de me sentar ao seu lado.
Em clima de festa, olheiras, eu entrei pela primeira vez no ônibus que me levaria à faculdade. Jamais iria esquecer as lágrimas correndo os olhos de minha "bisabuela" ao verificar minha nota no vestibular. Primeiro lugar para arquitetura e urbanismo. Sentei em um dos primeiros assentos e tirei os fones do bolso. Liguei a música, que tinha um ritmo intenso e alegre. Exatamente como eu me sentia naquele instante. Meus dedos tamborilavam na janela e meu pé direito batia sequencialmente no chão. Era automático. Colocar os fones e os movimentos vinham como em um baile.

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Ao olhar para trás, me surpreendi com uma mulher. Ela era totalmente diferente de mim. Os cabelos acobreados desciam como uma cascata pelos ombros, totalmente o oposto aos meus cabelos pretos, justos e aparados. Os olhos amarelados estavam voltados para algum ponto no horizonte, mais uma vez adverso às minhas íris castanhas. A pele pálida chegava a brilhar sob a luz, enquanto minha pele bronzeada, herdada de meu pai que era de origem colombiana, parecia expulsar o sol. Tudo diferente, nunca daria certo.

Mas o que me chamou a atenção, foram os movimentos dela. Os dedos tamborilavam exatamente no mesmo ritmo que o meu. O sapato, ainda que desajeitadamente fora da sequência, batia alegre no chão.

Tive vontade de me sentar ao lado dela, mas não sabia o que fazer. Ela aparentava os seus trinta anos, e eu nos meus vinte e dois não tinha experiência o bastante. Foram assim por duas semanas. Imagino que ela tem medo de mim, já que eu a olho constantemente durante nossas viagens matutinas. Eu estava cansado de não ter atitude e então comecei a me levantar, porém sentei novamente olhando para ela. Haviam olheiras abaixo de seus olhos e o batom vermelho intenso não residia em seu lábio. Ela olhou na minha direção e lançou um aceno. Ótimo! Agora estarei mais acanhado ainda ao falar com ela!

Fiquei de pé e caminhei até o assento ao lado dela. A música estava incrivelmente alta e identifiquei de vez a cantora: Pitty. Eu a adorava, mas mesmo assim estava me incomodando e a algumas pessoas ao redor também.

– Você poderia, por favor, baixar o volume? - cutuquei o ombro dela.

Ela tirou o fone e me olhou - Você poderia, por favor, voltar ao seu lugar? - ela zombou.

Sustentei o seu olhar e após um tempo ela bufou e colocou os fones novamente, dessa vez mais baixos. Agora que ela não vai falar mesmo comigo. Virei o rosto para o outro lado e senti um peso pousar em meu ombro. A mulher havia adormecido. Mexi o ombro discretamente e ela se levantou num sobressalto. Os fones caíram sobre seu colo e ela me olhou, com as bochechas rubras.

– Desculpa! - ela falou, aparentemente assustada e envergonhada - Estou realmente cansada.

Ela abaixou a cabeça, evitando os meus olhos e pediu desculpas mais uma vez.

– Tudo bem - eu apenas sorri colocando novamente o fone. Voltei a bater o pé no chão até que ela me chamou.

– É Pitty? - ela apontou para os fones - Adoro ela! As letras, melodia, ritmo! Tudo!

– É sim - eu me sentei sobre as pernas, fazendo meu corpo se virar para ela - Eu também a adoro!

– Laura, prazer - ela estendeu a mão e eu a apertei.

– Leo.

Depois disso, ela se virou novamente para a janela, porém, agora com um pequeno sorriso no rosto. Eu continuava em uma péssima situação. Minha mente não conseguia pensar em nenhum assunto, então eu apenas continuei esperando chegar o meu ponto.

Depois de dez minutos, uma chuva torrencial começou a cair. Cada gota que batia no teto do ônibus, parecia uma bomba explodindo à distância. "Que droga! Vou me molhar todo."

O ônibus parou e eu me levantei. Antes de descer, observei atentamente o ponto de ônibus, procurando alguma varanda que poderia me oferecer proteção. A calçada era pavimentada e tinha uma cor que se aproximava do bege. A cada alguns metros, haviam quadrados onde eram plantadas algumas árvores e moitas de pequeno porte. Os prédios, com suas fachadas coloridas estavam movimentados pelo entra e sai da correria, mesmo com a chuva torrencial. Somente o ponto de ônibus poderia me oferecer abrigo contra a chuva.

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Suspirei mais uma vez e, antes de descer, coloquei a mochila por sobre a cabeça. Corri até o ponto e respirei fundo. Quando fui correr para chegar à faculdade, uma mão segurou meu ombro.

– Quer ajuda? - ao olhar para o lado, vi a mulher que conheci no ônibus. Ela estava com a pasta embaixo do braço e com a mão segurava um guarda-chuva - Leo, não é? Estou indo para a faculdade, estou atrasada pra minha aula. Os alunos devem estar esperando - ela lançou um pequeno sorriso.

– Que sorte. Eu estudo lá - tomei a liberdade de dividir o guarda-chuva com ela e continuamos andando.

Conversei com ela e percebi, durante o diálogo, que um daqueles romances casuais estava pra nascer. Uma pequena coincidência. Duas, na verdade. Quem sabe onde isso vai parar? Afinal, estou aqui ao lado dela.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.