O Peregrino

Capítulo IV


O Peregrino

Capítulo IV

Yu no Kuni (País das Fontes Termais), dias atuais.

Quando um homem conhece o amor, consequentemente ele está fadado a conhecer o ódio.

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Não há verdade mais irrefragável do que esta, afinal a minha mera existência comprova esse conceito fidedigno.

O meu clã sempre esteve dualizado pelo amor e pelo ódio, foi segregado e incompreendido durante tanto tempo. Fomos temidos por nossa paixão e por nossa ira, destrutivas em proporções iguais.

Nenhum clã valorizou o amor como os Uchihas, disseram-me uma vez.

O peso dessas palavras sufoca-me até hoje. Amei minha família, amei meu clã e meus amigos. Amei minha vila natal na mesma proporção que a desprezei, amaldiçoando-a por minha condição deplorável.

Mas a perda do amor afeta um Uchiha de uma forma inimaginável. Eu estive a apenas um passo da insanidade tantas e tantas vezes por conta dessa dor, deste espaço oco em meu peito que até hoje custo a amenizar.

E agora, a sensação de perda me avassala mais uma vez, me põe de joelhos e regurgita tudo dentro de mim. Sou incapaz de assimilar a verdade — na verdade, não desejo fazê-lo. Tanto que ergo as velhas paredes que uma vez me mantiveram a salvo, cerco-me com elas porque sei que estarei protegido, uma vez dentro delas.

Há um zumbido forte em meu ouvido onde o sangue pulsa com força. Um acesso de tosse inesperado curva meu corpo e os dedos de minha mão remanescente enterram-se na neve fria. O gosto de bile ainda permanece em minha boca e minha visão, aos poucos, está retornando.

Infelizmente, atraí atenção demais:

— Quem está aí?! — inquire um dos Shinobis da Folha, as mãos rapidamente alcançando sua bolsa de kunais, as lâminas brilham frias contra a noite invernal quando ele as empunha. — Revele-se ou atacaremos! — ele demanda com a voz falhada devido ao nervosismo.

— Sageki, não abaixe a guarda! — ele ainda vocifera ao companheiro antes de assumir uma posição ofensiva e correr na minha direção, rasgando o ar gelado da noite com sua fúria desmedida.

Minha audição ainda está limitada, mas meu Sharingan continua lendo perfeitamente todos os movimentos dos dois Shinobis no beco escuro. Seus chakras estão inflamando por conta da perspectiva certeira de uma batalha.

Cambaleando, eu me levanto, escorando meu corpo no muro à minha direita.

Por reflexo, fechei o meu olho esquerdo — o olho do meu Rinnegan — e foquei o meu Sharingan no ninja que avançava na minha direção. A adrenalina também passou a aquecer o meu sangue naquela noite fria.

Meu adversário demonstrou uma ligeira preocupação ao reconhecer o brilho carmesim de meu Sharingan na escuridão densa do beco, mas mesmo assim cerrou os dentes e aumentou sua velocidade a fim de me alcançar. Ao mesmo tempo, minha mão direita alcançou sob o meu manto a bainha de minha Kusanagi, atrelada ao meu cinto.

Puxei-a para o meu rosto, desenhando um arco perfeito no ar cortante até encaixá-la entre os meus dentes. Minha mão direita puxou-a novamente e desta vez a lâmina desprendeu-se da bainha, resvalando com um silvo metálico. Concentre-se na batalha, minha mente ordenou-me com rasa serenidade. Foque-se no inimigo, eram os comandos dados a mim e eu os acatava como um cão obediente. Por baixo desta falsa bonança, contudo, o meu cerne ainda sublevava.

Mantive a bainha presa entre meus dentes e meu olho direito ainda lia com perfeição os movimentos de meu adversário, enviando-os ao meu cérebro instantaneamente, permitindo-se traçar uma estratégia para evadir e rebater seus ataques sem dificuldade.

O ninja conclamou alto a fim de transferir a sua ira para os seus ataques e a sua primeira investida foi rechaçada pela lâmina de minha espada. Faíscas iluminaram a noite ao primeiro entrechocar do aço e um tinido metálico ecoou agudo. Eu recuei um passo e me defendi de outro golpe, minha Kusanagi vibrava a cada vez que meu oponente era rebatido e forçado a avançar outro passo, a compleição mais e mais contrariada a cada vez que seu ataque falhava.

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Sageki, o único outro Shinobi no beco, decidiu agir nesse instante. Meu Sharingan reconheceu os selos de um Shunshin no Jutsu assim como o fluxo de chakra necessário para ele ser realizado ser liberado no mesmo microssegundo que ele reapareceu, às minhas costas, sua kunai empunhada mirava meu flanco esquerdo.

Eu lancei o meu corpo para a esquerda, esquivando-me e evitando o ataque sem problemas, ao passo que minha Kusanagi havia acabado de rechaçar outro golpe do oponente à minha frente. Eu enviei uma pequena quantidade de chakra para ambos os meus pés e saltei por cima de ambos, pousando a cerca de cinco metros e meio de suas posições.

Ambos pareciam mais irritados, agora que haviam visto um pouco do meu estilo de luta e, é claro, a visão do meu Sharingan os incomodava, eu percebi isso por suas expressões abespinhadas.

— Quem diabo é você e por que possui um Sharingan?! — Um deles, mais exaltado do que o companheiro, perguntou-me ao cuspir palavra por palavra. — Você possui ligações com Konoha? Por que estava nos espionando?

Como meu silêncio foi tudo o que obtiveram, Sageki deu um passo à frente e fez novos selos de mão, desta vez eram selos que liberavam o elemento Água. A combinação de Tigre, Boi e Tigre e Rato não mentiam. Meu Sharingan captou o fluxo de chakra que Sageki concentrou em seu estômago e logo suas bochechas inflaram.

— Suiton: Suidan no Jutsu! — conclamou ele antes que sua boca expelisse um jato imenso de água.

Rapidamente embainhei minha Kusanagi e a deixei de lado, e com minha única mão preparei os selos necessários para a liberação daquela técnica. Eu havia treinado o bastante daquela técnica nos últimos anos, reaprendendo-a e adaptando-a a minha nova condição. Meus dedos recriaram os símbolos do Cavalo e do Tigre enquanto eu concentrava chakra superaquecido suficiente no meu estômago.

— Katon: Gōkakyū no Jutsu!

Minha boca tornou-se um lança-chamas portentoso e o fogo explodiu vivo e selvagem bem diante do meu rosto, inutilizando o jato de água de Sageki enquanto uma bruma densa tomava todo o beco, fruto da vaporização de toda aquela água. Conforme a névoa dispersava, notei o espanto cravado nas feições de ambos.

— Um usuário de Katon e do Sharingan... Sem dúvidas... — balbuciou Sageki enquanto o outro fechou ainda mais a expressão.

— Você é Uchiha Sasuke, forasteiro? Não minta para nós, caso contrário sofrerá as consequências!

Meu pé moveu-se um passo adiante, um gesto involuntário, e meus adversários recuaram outro em resposta. É claro que agora que eles sabiam quem eu era, me temeriam — e com razão.

— Não é necessário que ele confirme, Ryū. Você não notou o olho esquerdo dele? Está cerrado, o que só pode indicar que ele também possui o dōjutsu do Rinnegan. Esse cara... — Sageki engoliu em seco e recuou mais um passo. — Esse cara é realmente o último Uchiha!

— Haruno... Sakura — eu sibilei o nome entre meus dentes trincados, meu maxilar estava duro devido à tensão e eu avançava em direção a eles incônscio, quase em transe.

Aos poucos, a frieza necessária à batalha se dissipava e um horror embatucado assomava dentro de mim, vedando meus olhos com uma fúria desmanteladora, inflamada.

Há muito tempo, eu usei a minha fúria para bloquear todos os meus outros sentimentos, há muito tempo eu afoguei toda a minha culpa e todo o meu remorso nessa mesma fúria autodestrutiva.

O Shinobi que descobri chamar-se Ryū guardou suas kunais e suas mãos mais que depressa reproduziram em sequência os selos do Tigre, Lebre, Javali e Cão. Um usuário do elemento Terra, meu Sharingan me informou.

— Sageki, prepare-se! — ele ordenou ao outro no exato momento em que espalmou suas mãos contra a neve, seu chakra propagou-se por todo o beco: — Doton: Doryūheki!

Uma imensa parede de lama ergueu-se bem no centro do beco e bloqueou meu campo de visão, ocultando os dois Shinobis. Trinquei os dentes e senti meu braço direito formigar com chakra, em seguida meu punho cerrado, envolto por meu Chidori, iluminou a estreita reentrância, afastando as poças de escuridão vertente da noite. Impulsionei meu corpo para frente, minha velocidade semelhante à de um relâmpago e estendi meu braço adiante, deixando que meu punho penetrasse o muro de lama e o explodisse como se não fosse nada.

Notei suas expressões de espanto e assombro assim que a parede de Doton esmigalhou-se sob o meu punho ocluso, ainda iluminado pelos resquícios de meu jutsu. Há um ano, eu esmagara um meteorito com essa mesma técnica; dizer que eu a havia aprimorado desde a minha última batalha contra Naruto seria um eufemismo barato.

— I-Impossível! — balbuciou o tal Sageki assim que pousei desapaixonado em meio à neve fria.

Não mentirei e direi que não os intimidei mais do que certamente deveria, de fato eu assomei sobre eles como um predador implacável, não lhes concedendo nem mesmo direito à defesa. Mas eu queria respostas e as obteria a qualquer preço, a qualquer custo.

— Haruno Sakura — repeti o nome e um rosto que me assombrou em muitas noites insones veio-me à mente: — O que vocês estavam discutindo sobre Haruno Sakura...

— Isso não te diz respeito! — Ryū me contrariou de olhos esbugalhados e face pálida. — São informações confidenciais de Konoha e só dizem respeito ao Hokage-sama, não a um ex Nukenin como você que se aliou ao inimig...

Eu o calei da melhor forma que encontrei no momento, confesso. O timbre de sua voz ressoava dentro de minha cabeça como mil shurikens ricocheteadas, enervava-me. Então, eu avancei sobre ele e minha mão se encerrou em torno da garganta dele. Ele bateu as costas contra a parede e arfou devido ao impacto.

Meu olhar caiu sobre o Shinobi remanescente, Sageki, e ele se sobressaltou quando notou que tinha a minha total atenção. Piscando, assimilou a situação e como eu a comandava plenamente.

Ele caiu de joelhos quando se viu sem saída que não fosse responder minhas perguntas. Com as costas pressionadas contra o muro, por outro lado, Ryū ainda lutava contra o meu agarre, debatendo-se tão pateticamente quanto um peixe em uma rede.

— Há alguns meses — Sageki engoliu a seco e fechou os olhos com força —, recebemos o relato de um espião infiltrado em Taki de que seu atual Lorde Feudal estava mantendo relações estreitas com uma nova organização criminosa.

— Continue — eu o instiguei, fitando-o e intimidando-o ainda mais com meu Sharingan; Sageki suspirou em resignação.

— Como não tínhamos como comprovar essa informação sem despertar suspeitas desnecessárias, o Hokage-sama enviou uma Kunoichi e Iryō-nin para o País da Cachoeira a fim de tratar de uma epidemia misteriosa em uma vila pobre e pequena, no oeste do território de Taki.

— Sakura — eu suspirei seu nome e Sageki anuiu.

— Mas a verdadeira missão dela consistia em reunir informações sobre o novo Lorde Feudal e confirmar sua ligação com a organização criminosa ou não. O embuste era perfeito... Ela é conhecida em todo o mundo Shinobi por ser discípula da Lendária Sannin e Godaime Hokage, Tsunade-sama. Ninguém suspeitaria de uma heroína de guerra como Haruno Sakura, ou ao menos era disso que estávamos convencidos.

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— O que deu errado? — eu o questionei, sem emoção, sem vida. De alguma forma, continuava a bloquear minhas emoções mais poderosas, meus sentimentos mais tempestuosos.

— Não sabemos — admitiu Sageki com derrotismo, os dedos enterrando-se na neve pura. — Há algumas semanas, perdemos contato com ela e ninguém mais parecia saber seu paradeiro. Até...

Eu enrijeci, antevendo a próxima resposta. Eu realmente estava preparado para ouvir?

— Até que chegamos a outro vilarejo, a cerca de quinze quilômetros de onde ela foi vista pela última vez. Poucos aldeões quiseram cooperar, eles estavam amedrontados — Sageki mordeu o lábio, indeciso. — Alguns poucos colaboraram com nossas investigações e foi então que soubemos que o embuste de Sakura havia sido descoberto e que ela foi emboscada por membros da Higanbana Sangrenta.

— Higanbana... Sangrenta? — repeti o nome, aturdido, e Sageki apressou-se em me explicar.

— A organização criminosa que a Aliança andou vigiando nos últimos anos. Assim como a Akatsuki, seus membros são Nukenins de vilas variadas, especialmente dos países menores e mais pobres que se sentiram ameaçados pelas Cinco Grandes Nações depois do término da guerra.

— O que houve depois? — eu o incitei e esperancei poder disfarçar os tremores em minha mão, a compleição maníaca que se apoderava de mim.

— Ela lutou, foi o que nos contaram, e depois tentou enviar uma última mensagem para o Hokage através de sua invocação. Foi através da lesma, Katsuyu, que soubemos que Sakura estava em perigo em primeiro lugar. Infelizmente, os reforços chegaram tarde demais. Tudo o que os aldeões nos disseram é que ela foi cercada e derrotada, nem mesmo seu corpo conseguimos recuperar porque ela caiu de um penhasco e desapareceu no rio.

Apertei meus dedos incônscio em torno da garganta de Ryū e ele gemeu em protesto.

— Eu juro que tentamos encontrá-la! Nós percorremos o rio de cima a baixo durante dias, mas nossa presença passou a incomodar os ninjas de Taki e, para evitar atritos desnecessários, o Hokage-sama ordenou que suspendêssemos as buscas pelo corpo.

Ao término de seu relato, eu soltei Ryū, que desabou no chão, apertando a garganta com ambas a mãos e arquejando sem cessar. Ele me olhou ofendido, ultrajado, como se eu passasse de um insensato — e eu o era, bem ali, agora.

— Ela não está morta — sussurrei e eles me encararam atônitos, suas bocas apartadas.

Suspirei e fechei os meus olhos. O chakra fluiu por trás dos meus globos oculares, uma sensação que eu já conhecia, já antevia. Quando os reabri, ambos os homens me olharam assustados só por um instante, as pupilas dilatando-se conforme meu genjutsu avançava sobre suas mentes desprotegidas, estraçalhando suas consciências e engolfando-as dentro de um vazio abissal.

Quando seus corpos tombaram sobre a neve, o horror refletido em suas expressões, eu murmurei só para mim mesmo e fitei o céu invernal, a lua oblonga de cima do seu pedestal altivo, embrulhada no véu de veludo da noite.

— Ela não morreu.

Ho no Kuni (País do Fogo), três anos antes.

— Está pronto, Sasuke-kun? — Sakura perguntou enquanto batia de leve na porta com os nós dos dedos.

Ajustei a blusa preta de mangas compridas e suspirei exasperado. A sobra de tecido em meu braço esquerdo era um incômodo ainda para mim. Desisti de tentar arrumar-me mais decentemente, era inútil de qualquer modo.

— Estou pronto — respondi e ela entrou no quarto, entrajada em negro também e com um sorriso delicado como único ornamento. — Tem certeza de que minha presença é necessária?

Sakura bufou, já havíamos discutido isso antes — por horas devo frisar.

— Não seja bobo, Sasuke-kun. A cerimônia fúnebre é para homenagear os Shinobis da Folha que morreram na guerra, seria um insulto se você não comparecesse.

— Alguns podem encarar isso como uma provocação — eu acrescentei e ela revirou os olhos.

— Vamos logo, Sasuke-kun.

Expirei todo o ar de meus pulmões e me apressei em segui-la pelos corredores do hospital. Meus ferimentos ainda não estavam totalmente curados, mas eu já me sentia um pouco melhor.

— Naruto não irá conosco? — perguntei distraído e Sakura meneou a cabeça.

— Não, ele irá com a Hinata. Deixemo-lo a sós um pouco.

Suas palavras causaram-me estranhamento. Alcancei-a, igualando o ritmo de nossas passadas. Espiei seu rosto e sua expressão atipicamente vazia.

— Neji-san se sacrificou para salvar ambos — informou-me e eu assenti, escondendo meu único punho no bolso da calça preta.

A sobra de tecido da manga esquerda de minha blusa ondulava como uma bandeirola desfraldada a cada passada e isso me incomodava mais do que eu imaginei que incomodaria.

Quando passamos pela entrada principal do Hospital, Sakura me conduziu pelas ruas de terra batida, em silêncio. Sua postura inesperadamente reclusa e introvertida me aborrecia, mas eu respeitei seus sentimentos.

Sei que ela testemunhou mortes suficientes na guerra para dividir com os entes queridos e amigos mais próximos aquele sentimento pesado de luto. Mas eu já não era mais capaz de sentir isso: empatia, compaixão pelo próximo.

Na verdade, custava-me até mesmo manter acesa em meu peito aquela pequena flâmula de esperança que acendeu durante minha luta no Vale do Fim. Talvez o tempo me remediasse, no fim de tudo, e eu só precisasse ser paciente comigo mesmo.

Ou talvez eu necessitasse de mais do que tempo para reencontrar o meu lugar no mundo.