ApocalipZe

Amanda - Enquanto o Mundo Morre 1


Acordou com a vibração do celular reverberando na madeira de seu criado-mudo. Antes mesmo de poder despertar direito, a claridade iluminou sua visão.

Tateando o criado-mudo, ela o achou:

07:58 1 Ligação Perdida

08:01 Como Vai? – Você tem 1 Mensagem Não Lida.

Sem se virar, acessou os registros de chamadas perdidas e viu que era sua sobrinha. Depois, foi no aplicativo de mensagens instantâneas:

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08:01

Bianca Linda Gata e Cheirosa Sua Sobrinha Favorita (online há 2 horas)

Só pra avisar que já cheguei. Te Love

Bjo

Ela gargalhou baixinho quando leu o nome do contato. Não se lembrava de vê-la mudando. Respondeu rapidamente:

10:40

Amanda Lanizze

O.k., Sobrinha Favorita. Assim que sair, liga. Te ♥ Too

Ao soltar o celular sobre a cama, as recordações da noite anterior lhe vieram à cabeça. Ela sorriu, enfim virando-se para cumprimentar Eduardo.

Seu sorriso se desfez rapidamente. O outro lado da cama estava vazio.

Porém, antes que ela pudesse ter qualquer reação ou pensamento negativo, seu olhar vasculhou o quarto e cravou-se no papelzinho branco sobre o criado-mudo. Ao lado de onde o celular estivera.

Tenha toda certeza de que odiei ter de deixá-la assim.

Mas você estava em um sono tão bom que seria um pecado acordá-la apenas para me despedir.

Além do mais, hoje é que é sexta... Te vejo no escritório.

P.S.: Fico feliz ao pensar que só estamos começando!

Beijos

Amanda sorriu ao ler o bilhete, apesar de entristecer-se pela primeira vez ao tirar um dia de folga.

Olhou no relógio e contentou-se ao ver que ainda tinha um tempinho para sonhar. Pelo menos, sonharia com ele. E ainda, se fosse o caso, poderia até telefonar mais tarde...

Infelizmente, ela não havia percebido: não o avisara sobre a folga.

Então ela enviou uma mensagem.

10:43

Eduzinho (online há 3 horas)

Bom dia! Acabei de ver o seu bilhete e concordo plenamente com a última frase... Porém acho que esqueci de te contar uma coisa: consegui tirar uma folga pra hoje. Mas podemos nos encontrar depois do turno, se você quiser.

Até logo! Beijos

Depois de tomar um banho, Amanda preparou o almoço (desta vez em menor quantidade, já que estava sozinha em casa) e decidiu então fazer uma vistoria na despensa.

Como algumas coisas faltavam, ela fez uma lista, trocou seus chinelos por uma sapatilha que combinasse com sua blusa estampada e seus shorts jeans e foi ao mercado mais próximo de casa.

Ao chegar ao estacionamento, lembrou-se da noite passada e refez mentalmente os acontecimentos desde que saíra do carro dele até ele a olhar de forma tão intensa em seu quarto e depois disso. Tinha sido realmente uma noite maravilhosa...

Uma senhora que surgira de repente cumprimentou-a sorrindo e Amanda percebeu que devia estar com um sorriso bem grande no rosto. Então cumprimentou de volta e tratou de ir em direção ao carro.

Ela geralmente não o usava para ir ao trabalho, que ocupava suas manhãs e partes da tarde diárias; também não ia a lugares muito distantes quando saía sozinha, então ele tendia a acumular uma leve camada de poeira vinda dos outros carros do prédio. Ao constatar isso e ver que o nível de combustível estava relativamente baixo, ela optou por passar em um posto de gasolina para abastecer e dar uma lavada no veículo.

Feito isso, fez as compras e retornou direto para casa a fim de almoçar logo, pois pretendia dar uma passada no shopping e ver novamente aquela bota maravilhosa que tinha namorado umas duas semanas atrás; só que desta vez iria monetizada e devidamente preparada. Quem sabe até rolava uma troca em seu arsenal de batons, blushs e sombras...

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Às 14h34 Amanda desceu do carro que estacionara na garagem interna do shopping e dirigiu-se ao elevador.

Às 14h58 o alerta da caixa postal finalmente chegou:

“Você tem uma mensagem. Para ouvir agora, aperte 2.” – disse a secretária eletrônica do celular.

2.

Um segundo depois, e a voz de Eduardo soou como música em seus ouvidos, embora parecesse meio distraída:

“Oi linda! Acabei de ler sua mensagem. Desculpe não responder antes, estava em reunião. É... Bem, senti falta do seu sorriso hoje. Dos seus olhos e do seu rosto também. E aceito, sim, o seu convite. Que horas? Aí mesmo? Um beijão e, antes que eu me esqueça: meu dia foi muito mais leve e melhor hoje, depois de uma noite como a que tivemos ontem – Amanda pôde ouvir uma breve e discreta risadinha maliciosa antes de ele terminar – É isso. Responde assim que ouvir, um beijo... de novo!”

“Enviada por Eduzinho.” – repetiu a voz meio robótica, de forma que o nome do remetente ficou engraçado na forma como foi pronunciada.

Ao escutar a mensagem, seu coração se aqueceu e ela não pôde conter o enorme sorriso que lhe surgiu.

Antes, quando o via por acaso no trabalho, nunca imaginaria que ele pudesse ser tão carinhoso.

Não parecia seu tipo. Talvez o formato de seu maxilar ou a forma como seus bíceps marcavam o paletó lhe conferissem um ar mais “sério demais para muito romantismo”. Mas ela ficou feliz em saber que ele não era bem assim.

E Amanda ia responder no mesmo instante, se seus olhos não tivessem simplesmente fixado em um ponto à sua frente, distraindo-a, como que atraídos pela visão maravilhosa da tal bota toda iluminada e em um local de destaque na vitrine da loja cara. E o melhor: bem ao lado, uma etiqueta vermelha grande o suficiente para, de onde estava, Amanda ler com total clareza: “Só hoje: 50% off!”.

18h30

Amanda tomava um sorvete de frutas vermelhas da Ásia na praça de alimentação. Nas outras três cadeiras da mesa onde estava, sacolas de compras personalizadas foram cuidadosamente colocadas e equilibradas de forma que não iriam cair nem se tivesse vida própria e o desejassem.

Então, bem na hora que ela pretendia retornar Eduardo (embora tivessem se passado pouco mais de três horas desde que ouvira a mensagem) seu celular começou a tocar.

Tocou uma vez.

Tocou duas vezes.

Tocou três vezes.

Na quinta vez, ela finalmente o encontrara dentro da bolsa e atendeu sem ver o nome, com receio de perder a ligação:

– Alô?

– Amanda? – Era Eduardo. Porém soava confuso.

Ao ouvir a voz dele, ela animou-se de súbito:

– Eduardo? Oi! Estava mesmo querendo falar com você...

– Oi! Sim, é claro. Escute, sinto muito por hoje mais cedo... – agora sua voz soava um tanto quanto receosa.

– Está tudo bem! Li seu bilhetinho. Achei superfofo! Inclusive, respondi por mensagem...

Ela pôde ouvir um breve suspiro de alívio:

– Não tive tempo de olhar o celular hoje. Desculpe querida...

Um som terrível veio da parte dianteira do ônibus. Algo parecido com um grito grave e bastante ruidoso.

– Não tem problema... Isso foi um grito? – perguntou Amanda, um tanto preocupada repentinamente.

Uma sensação estranha começou a crescer dentro de si. Parecia que algo realmente ruim estava prestes a acontecer.

– Ah, nã... – ele começou a falar, mas foi interrompido por um som de agito.

O som cresceu instantaneamente, como se um alvoroço tivesse se formado do outro lado da linha, e cresceu até alguém gritar de forma aguda e apavorada. Em seguida, mais vozes e gritos.

– Eduardo? O que está havendo? Que barulho horrível é esse? – Amanda agora estava preocupada.

E estava tanto que sua voz ficou por um instante mais aguda.

– Escuta, tentei te ligar hoje mais cedo... – ele parecia querer desconversar.

– Ah... Desculpe, eu acabei acordando tarde hoje... Mas me diga, por favor, onde você está? O que está acontecendo?

As pessoas ao redor começaram a observá-la com atenção. Sinal de que ela havia aumentado seu tom de voz.

– Estou no ônibus indo para aí para conversarmos melhor. Quero dizer, se não tiver problema...

Com esta frase, Amanda conseguiu ficar um pouco mais calma.

– O quê? Não! Claro que não... Que ótimo! Mas espera... Ônibus? Aconteceu algo com o carro?

– É uma longa história... – ele soou apressado - Em dez minutos chego aí e conversamos melho...

Houve outro grito ao fundo. Desta vez, deu para perceber que era de um homem.

– Edu? – chamou.

Não houve resposta. Mais gritos e agitação. A preocupação retornou.

– Eduardo?!...

Desta vez, ele respondeu, mas agora era sua voz que estava distante.

– Amanda... – ele tentou falar, mas foi novamente interrompido por mais gritos.

Então, um enorme estouro abafado e sonoro foi ouvido. Aquilo pegou Amanda de surpresa e ela imediatamente afastou o celular do rosto.

Ainda assim, era possível ouvir o som de vidro quebrado, um rangido horrível de algo metálico raspando contra alguma coisa bastante rígida e longa. O som estava bastante alto, e a cabeça de Amanda começou a doer com toda aquela barulheira.

– Eduardo? O que aconteceu? Você está bem? – a preocupação deu lugar à aflição.

Outro som de algo batendo seguido de algo rachando e mais uma batida, um pouco mais forte. Em seguida, silêncio. Terrível e perturbador.

Amanda não sabia o que pensar. Milhares de coisas lhe passavam pela cabeça enquanto ela tentava afastar os piores pensamentos.

Quase não percebeu quando um homem se aproximou e perguntou se estava tudo bem.

Ela deve ter respondido que sim, pois apesar do olhar de desconfiança, ele assentiu com a cabeça e se afastou.

– Eduardo...? – ela chamou mais uma vez, totalmente temerosa.

Instantes depois, a voz dele pode ser ouvida novamente. Estava surrealmente mais calmo:

– Amanda...

– Eduardo! Ai meu Deus, o que houve? Você está machucado? Ouvi um barulhão vindo daí, onde você está?

– Amanda, escute, por favor... – ele pareceu escolher as palavras:

– Não houve nada, está tudo bem... Quero dizer, aconteceu um pequeno... acidente, com o ônibus. Mas nada com que se preocupar. – fez uma pausa rápida antes de acrescentar – Não estou muito longe de sua casa, já estarei aí. Te amo.

Te amo.

Foi como um baque para ela. Por um momento, esqueceu-se da preocupação, dos gritos, barulhos, e etecetera.

Te. Amo.

Mesmo com tão pouco tempo... Era apenas o quê? A segunda semana que saíam juntos? Muito recente.

Mas muito sincero. Ela não percebera vacilo ou receio em sua voz, muito menos um tom trivial.

Seria possível? Amor à 126ª vista?! Mas e quanto à ela? Poderia dizer o mesmo?

Seus olhos começaram a arder, era emoção demais para míseros quinze minutos.

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E ele estava chegando em sua casa. E também, dados os sons terríveis que escutara algo sério havia acontecido.

Estava na hora de ir.

Com o coração nas mãos, Amanda rapidamente pegou sua bolsa, juntou as sacolas e deu a última colherada no sorvete.

Em seguida, saiu apressada em direção às escadas rolantes.