Parece que acabei de fechar os olhos quando escuto uma batida na porta. Me levanto sonolento, e vejo no relógio que são oito horas da manhã. Da última vez que olhei a hora eram seis e meia. De fato, eu tinha acabado de fechar os olhos, mesmo. Quando abro a porta encontro Haymitch, bem acordado, para o meu espanto.

– Pra quem estava tão empenhado até ontem, você parece bem acabado – ele resmunga, parecendo decepcionado comigo. Dou de ombros.

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– Dormi pouco – respondo.

– Trate de se recompor e descer em dez minutos, temos muito o que conversar – ele diz, determinado, mas nervoso ao mesmo tempo.

Assinto, fecho a porta, e vou tomar banho. A visita de Haymitch me deixou muito ansioso, então em exatos quinze minutos, estou na sala tomando meu café, enquanto Haymitch olha de um lado para o outro, como se estivesse sendo espionado.

– Então.... – começo, cauteloso – Alguma tática, algum conselho para o treinamento de hoje?

– Bom. Não precisa esconder seus trunfos embaixo da manga, pois eles já sabem do que todos são capazes. Apenas, mostre o seu melhor para intimidá-los. E...

–E... ? – o encorajo, quando ele subitamente para de falar.

– Tente fazer aliados – ele diz com um suspiro.

Engasgo com meu suco de laranja, e quando consigo recuperar meu fôlego, olho para ele sem entender nada.

– Sim, eu sei, parece loucura, mas você tem que confiar em mim – ele diz, me olhando nos olhos.

– Eu confio em você – respondo, depois de ver que ele está sendo sincero. – O problema, você sabe, que é Katniss.

– Ela não irá querer isso. Mas aí é que você entra na história. Convença ela – ele diz, levantando a taça em sua mão, como num brinde.

– Isso será bem difícil. Da última vez que Katniss teve uma aliada – deixo a frase no ar, pois nós dois sabemos o destino que Rue teve. E meu coração dói só de relembrar o estado em que Katniss ficou.

– Falando nela, por que diabos ela ainda não está aqui? – Haymitch pergunta, indignado. – Depois ela não pode reclamar que eu passo as coisas apenas para você.

– Deixe-a descansar. A noite não deve ter sido muito fácil.

– Você ainda tem pesadelos? – ele me pergunta, sombrio.

– Sim, e você?

– Sempre. São uma parte de mim. E eles nunca irão embora.

– Isso não foi muito encorajador de sua parte, Haymitch – suspiro.

Ele dá um gole em sua taça, faz uma careta, e coça a cabeça.

– Não era pra ser – responde.

Terminamos de tomar o café em silêncio. São nove horas, e Katniss ainda não apareceu. Começo a ficar preocupado. Haymitch parece ainda mais inquieto, e olha para os lados com uma frequência assustadora.

– Vamos para a sala – ele anuncia alto demais – preciso te mostrar alguns vídeos, dos carreiristas deste ano.

Me pergunto por que ele está quase gritando, mas não o interrogo. Quando estamos nos dirigindo para a sala, ele chega tão perto de mim que o seu cheiro de álcool chega a me desnortear. Estou prestes a me afastar, quando imperceptivelmente ele segura meu braço e sussurra.

– Confie em quem se aproximar, até nas pessoas mais improváveis. Este massacre será diferente.

E dizendo isto, ele se afasta como se estas palavras nunca tivessem sido proferidas pela boca dele. Agora entendo o motivo de sua inquietação, e me sinto frustrado, por não poder perguntar nada sobre isso. Alguém sempre pode ouvir, e tenho quase certeza que cada canto deste lugar está sendo monitorado. E se ele disse isto apenas para mim, acho que não quer que Katniss saiba. Talvez já tenho dito isto a ela, mas não terei como saber. Quando chegamos a sala, Haymitch começa a tagarelar sobre alguns vencedores, até ligou a televisão para concretizar o que havia dito, sobre me mostrar alguns vídeos, mas eu não consigo focar em nada, pois as palavras dele, ecoam em minha mente. Quem, de tão improvável poderia querer se aproximar de nós? Se for Brutus, sinto muito, mas eu quero distancia dele. E o que este massacre pode ter de tão diferente? Ou o que irá acontecer? Haymitch sabe de muito mais que isso. Mas, me sinto grato por ele ter me revelado algo, pois assim, estarei mais preparado para as surpresas que eu possa ter.

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– O que? – pergunto num sobressalto, quando percebo que Haymitch está me olhando.

– Eu disse que vou chamar Katniss, está quase na hora de vocês descerem. Ou será que ela pensa em ficar no quarto como uma donzela? Que diabos.

Ele sai resmungando, e eu me sinto cada vez mais atormentado por suas palavras. Esse massacre será diferente. Quando Katniss aparece, Haymitch está quase espumando de raiva e torce sem parar uma pulseira dourada que só agora percebi que ele está usando. Percebi, pois Katniss está com os olhos fixos nela.

— Você está atrasada — ele rosna para ela.

— Desculpe. Só dormi depois que os pesadelos da língua mutilada me mantiveram acordada até a metade da noite.

Sua voz falha no final da frase, e eu sinto uma vontade enorme de abraça-la, mas me contenho.

A expressão de Haymitch passa de raiva, para piedade, pois ele sabe como ninguém, o quanto pode ser terrível ter pesadelos como os nossos.

— Tudo bem, não importa. Hoje, no treinamento, vocês têm duas tarefas. Uma delas, estar apaixonados.

— Obviamente — ela concorda, com sarcasmo.

— E dois, fazer alguns amigos — diz Haymitch.

— Não — ela protesta. — Eu não confio em nenhum deles, não suporto a maioria deles, e eu prefiro agir com apenas dois de nós.

— Isso foi o que eu disse no início, mas... — começo.

— Mas não será suficiente — Haymitch insiste. — Você vai precisar de mais aliados desta vez.

— Por quê? — ela pergunta descrente.

— Porque você está em clara desvantagem. Seus concorrentes já se conhecem há anos. Então, quem você acha que eles vão mirar primeiro?

— Nós. E nada do que vamos fazer irá substituir qualquer velha amizade. Então, por que se preocupar? – ela rebate, determinada, enquanto eu assisto a discussão, pensando em como convencer a teimosia em pessoa, a fazer aliados.

— Porque você pode lutar. Você é popular com a multidão. Isso ainda pode fazer de vocês aliados desejáveis. Mas só se você deixar que os outros saibam que você está disposta a se juntar a eles — Haymitch responde.

— Quer dizer que você quer a gente no grupo dos Carreiristas neste ano? — ela pergunta, com quase nojo.

— Essa tem sido nossa estratégia, não é? Treinar como Carreiristas? — reage Haymitch. — E quem faz parte do grupo de Carreiristas é geralmente escolhido antes do início dos Jogos. Peeta mal entrou com eles no ano passado.

— Então, nós estamos tentando entrar com Finnick e Brutus, é isso que você está dizendo?

— Não necessariamente. Todo mundo é um vencedor. Faça o seu próprio grupo, se você preferir. Escolha quem você gosta. Eu sugiro Chaff e Seeder. Embora Finnick não deva ser ignorado — Haymitch continua. — Encontre alguém para juntar-se que possa ser de alguma utilidade para vocês. Lembre-se, você não está mais em uma arena cheia de crianças assustadas. Essas pessoas são todas assassinas experientes, não importa a forma em que eles parecem estar.

– Está certo. Eu vou tentar – ela responde num murmuro, e pela sua expressão, eu sei que ela está mentindo.

Quando chegamos ao centro de treinamentos, depois de Effie ter nos levado apenas até o elevador, protestando pois Haymitch não a deixou nos levar até o ginásio, já que não somos bebês, fico surpreso ao ver que apenas Brutus e Enobaria estão presentes. Ela sorri para nós, e eu tenho vontade de sair correndo, ao ver tão de perto, seus dentes. Depois de ela ter matado há anos atrás, um tributo rasgando sua garganta com os dentes, a capital fez questão de alterá-la. Assim, seus dentes terminam em afiadas pontas, encrustadas com ouro. Nem se Haymitch me implorasse, eu não me juntaria a estes dois. Sorte que eles não parecem estar dispostos a isso. Ás dez horas, nem metade dos vencedores chegaram, e acho que nem virão. A mulher que comanda os treinamentos, não se importa e começa seu discurso. Percebo que apenas eu e Katniss prestamos atenção. Minha mão, está grudada com a dela, e parece que mágoa da noite passada, se foi. Katniss sugere que nos separemos para tentar falar com todos os tributos. Concordo com sua decisão e ando decidido até a pessoa que me põe mais medo. Quando chego a estação de lanças, Brutus e Chaff estão numa conversa muito animada. Me sinto um intruso, mas Chaff, não sei se por sua amizade com Haymitch, me acolhe bem, ao contrário do olhar ameaçador de Brutus.

– Sinto muito pelo casamento – Chaff comenta.

– Não mais que eu – respondo e ele cai na gargalhada.

Brutus não tira os olhos de cima de mim, e apesar de eu ser particularmente bom em jogar lanças, devido ao meu nervosismo, erro meu alvo. É a vez de Brutus gargalhar. Antes que eu possa perguntar o motivo de tanta graça, ele assume uma expressão dura, pega uma lança, e acerta bem no meio do alvo. Bem no coração.

– Não vejo a hora, de fazer isso com você – ele diz, me penetrando com seu olhar.

Olho para Chaff e ele parece tão assustado quanto eu, e então Brutus cai na gargalhada novamente e me dá um tapinha nas costas, que quase me joga do outro lado do salão. Decido ir para outra estação, e para a minha surpresa Chaff me acompanha.

Ele vê Seeder na estação de arcos, e decide ir até lá. Vou com ele, e passamos um bom tempo, tentando atirar decentemente. Me surpreendo ao ver como é difícil e admiro Katniss ainda mais. Quando Chaff, me chama para ir em outra estação, sinto um enorme aperto no peito, pois eu realmente me diverti muito com esses dois, e os quero como aliados, mas, como posso querer isso sabendo que cedo ou tarde a aliança acabará, e vamos ter que matar uns aos outros?

Decido antes de ir para estação de facas, sugerida por Seeder ir até Katniss que está a um bom tempo na companhia de Wiress e Beetee, do distrito 3. No caminho, sou interceptado por Johanna, que está nua, mais uma vez.

Mantenho meus olhos fixos nos seus, sentindo meu rosto corar pela proximidade de uma mulher nua. E atraente, devo acrescentar.

– Você gosta de ficar sempre nua, ou só aqui na capital? – pergunto, pois ela não dá sinais de que vai falar algo.

– Só perto de você - ela responde, sorrindo maliciosa.

Começo a suar, e olho para Katniss que está muito concentrada fazendo uma fogueira. Pigarreio.

– Se me dá licença, preciso falar com a minha noiva – digo, e quando dou um passo à frente, Johanna chega mais perto de mim, com seus seios nus, quase encostando em meu peito. Nem ouso respirar com medo que ela me toque.

– Sua noiva gostou mesmo da companhia da porca e do parafuso – ela sussurra. – Diga a ela, que existem aliados melhores por aí. Olhe para mim por exemplo.

Continuo com meus olhos cravados nos seus, e apesar de ela ser intimidante, e estar quase sempre nua, devo confessar que eu até gosto dela.

– Irei dizer. Agora, eu preciso...

– Claro, vai lá com a sua noiva em chamas, e não precisa ter tanto medo, tudo o que eu tenho aqui, sua noiva também tem – ela diz dando um passo pra trás, e apontando para seu corpo.

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Suspiro agradecido e quando estou indo até Katniss, Gloss, do distrito 1 me chama para se juntar a ele e sua irmã. As palavras de Haymitch ecoam em minha mente, e derrotado, me junto a eles, para fazer armadilhas.

Surpreso, constato que eles são ótimas companhias. Depois de alguns minutos, tentando fazer sem sucesso, alguma armadilha, Chaff vem me buscar e convida os dois para vir junto. Quando percebo, quase todos os tributos estão na estação de atirar facas. Menos Katniss, Wiress, Beetee, Finnick, e Mags.

Eles contam sobre suas vidas, sobre coisas bizarras que já aconteceram em seus distritos e minha barriga até dói, de tanto que eu dou risada. Eu tinha me esquecido, que eles eram humanos, e não números a serem vencidos. Pensar assim faz eu ficar enjoado, pois para mim, eles têm que continuar sendo apenas números, que eu tenho que riscar. O almoço é anunciado, e eles decidem juntar as mesas para comermos juntos. Gostaria de saber até onde essa animosidade irá. Avisto Katniss e corro para ela.

— Como vão as coisas?

— Boas. Ótimas. Eu gosto dos vencedores do Distrito de Três — ela diz. — Wiress e Beetee.

— Sério? — pergunto, surpreso. — Eles são uma espécie de piada para os outros.

— Por que isso não me surpreende?

— Johanna apelidou-os Porca e Parafuso. Eu acho que ela é a Porca e ele o Parafuso.

— E eu sou estúpida por pensar que eles poderiam ser úteis. Por causa de algo que Johanna Mason disse, enquanto ela estava lubrificando os seios para a luta — Katniss retruca, impaciente.

— Na verdade, eu acho que o apelido já existe há anos. E eu não quis dizer isso como um insulto. Estou apenas compartilhando informações.

— Bem, Wiress e Beetee são inteligentes. Eles inventam coisas. Eles poderiam dizer de vista que um campo de força foi posto entre nós e os idealizadores. E se nós temos que ter aliados, eu os quero.

Ela joga a concha que está se servindo numa panela cheia de cozido, fazendo respingar molho em nós dois.

— Com o que você está tão irritada? — pergunto, limpando molho do peito em minha camisa. — Porque eu provoquei você no elevador? Sinto muito. Eu pensei que você iria apenas rir disso.

— Esqueça isso — ela diz, sacudindo a cabeça. — É um monte de coisas.

— Darius – e quando digo isso, seu rosto assume um semblante de tristeza.

— Darius. Os Jogos. Haymitch nos fazendo associar com os outros — ela completa.

— Pode ser apenas você e eu, você sabe.

— Eu sei. Mas talvez Haymitch esteja certo. Não diga a ele que eu disse isso, mas normalmente ele está, sobre o que tem a ver com os Jogos.

— Bem, você pode ter a palavra final sobre os nossos aliados. Mas nesse momento, eu estou inclinado para Chaff e Seeder — digo, olhando para os dois na mesa. Chaff acaba de dizer algo muito engraçado, e todos caem na gargalhada.

— Eu estou bem com Seeder, não Chaff. Ainda não, em todo caso.

— Venha e coma com ele. Eu prometo, não vou deixar que ele a beije novamente — convido, segurando sua mão.

Ela concorda, e enquanto espera eu me servir, olha com atenção para cada um na grande mesa. Parecem até uma grande família. Qual parte eles ainda não entenderam? A parte que estamos indo para um massacre, ou a parte em que teremos querendo ou não matar uns aos outros? Afinal, quando chegarmos na arena, eu sei que tudo será diferente, e que por exemplo, Gloss que está com a mão nas costas de Cecelia, pode matá-la na arena, apunhalando-a nas costas, no mesmo lugar em que sua mão repousa agora, num sinal de amizade. Enquanto nos encaminhamos para a mesa, penso que eu posso estar cometendo um dos maiores erros de minha vida, forçando Katniss a se juntar e confiar nessas pessoas, podendo mais tarde, perder sua vida por culpa disso. Por culpa minha. Porém, o maior erro de todos, que cometi, foi ter me acovardado e deixado que Katniss levasse adiante a história das amoras. Se eu estivesse morto, garanto que este massacre seria muito diferente, pois Katniss não estaria aqui. Nenhuma dessas pessoas estaria aqui. Rebeliões não estariam acontecendo, pessoas não estariam morrendo. Estaria tudo como era antes. Só agora eu posso entender, que o tema deste ano, foi intencional. E que, por minha culpa, Katniss pode morrer. Apenas por minha culpa, e minha incapacidade de aceitar a morte, quando eu deveria. Mesmo que eu me sacrifique agora, Katniss pode morrer, e mesmo que ela consiga sobreviver, ela nunca mais estará a salvo. Minhas pernas bambeiam ao pensar que nada do que eu faça, vai fazer as coisas serem diferentes, e pela primeira vez, eu penso se não seria melhor Katniss morrer de uma forma bem rápida na arena, do que ser submetida a todo sofrimento que virá, caso a derradeira rebelião de Panem aconteça.