Music of The Night

O Visconde de Chagny


Eu despertei com os raios de Sol entrando pela janela de meu quarto; ao meu lado, na cama, meu amado Anjo ainda dormia profundamente. Mas que milagre! Geralmente, nas raras vezes em que passávamos a noite juntos em meu quarto, ele acordava de madrugada e descia para a Casa do Lago antes que alguém viesse me procurar e o encontrasse ali.

Já se passara mais de um mês desde que ele se revelara a mim, e nesse tempo eu não tivera mais chance de acompanhá-lo até seu lar, nos subterrâneos da Ópera; meus dias eram ocupados com os ensaios – especialmente agora, quando nos preparávamos para uma nova estréia – que só terminavam tarde da noite e, três vezes por semana, havia as apresentações das peças. Embora fosse um trabalho difícil, não podia chamá-lo de cansativo, simplesmente pelo fato de que adorava cada segundo! E, acima de tudo, havia a presença constante de Erik: como uma sombra, oculto dos olhares indiscretos, ele sempre estava lá, perto de mim, sua voz a me orientar e ensinar como sempre fizera.

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Saindo de meus devaneios, voltei-me de frente para Erik e deixei meus olhos se deleitarem na visão que era seu rosto; intrigava-me a máscara sobre o lado direito de sua face – por que ele nunca a tirava? Uma possível resposta para essa pergunta talvez fossem as cicatrizes que meu Anjo portava: algumas pequenas nos braços e peito, o tipo de cicatriz que um espadachim teria, enquanto suas costas eram recobertas por inconfundíveis marcas de açoite. Em algum momento do passado ele fora impiedosamente chicoteado, e eu apostaria que por mais de uma vez. Talvez – apenas talvez – houvesse cicatrizes similares no lado direito de seu rosto, e máscara servisse para encobri-las. Mas era apenas uma teoria, pois ele nunca removera aquela peça diante de mim. E a verdade era que eu não me importava nem um pouco com o que ele ocultaria; amava-o intensamente, não por sua aparência, mas por quem ele era.

Em dúvida quanto a se deveria acordá-lo ou não, saí com cuidado de sob as cobertas e me levantei silenciosamente, fechando os botões de minha camisola e vestindo meu penhoar por cima. Sem querer acordá-lo – fora a primeira noite em que ele não tivera nenhum pesadelo – comecei a me arrumar. A estréia de Aníbal seria hoje, e o dia prometia ser muito agitado. Já estava vestida, e prendia os cabelos numa trança quando senti Erik me abraçar pelas costas. Como ele conseguia se mover tão silenciosamente?!

Virei-me em seus braços e o beijei, sussurrando:

– Bom dia, meu Anjo. – Ele já vestira a calça e a camisa, que estava parcialmente abotoada – Não o ouvi se levantar.

Ele sorriu – eu amava tanto aquele sorriso! – e, beijando-me novamente, falou:

– Tenho de ir, Christine. Alguém pode... – ele não chegou a concluir a frase, pois uma exclamação de surpresa vinda da porta o interrompeu.

Virando-nos rapidamente para a entrada, deparamo-nos com uma atônita Meg Giry, que cobria a boca com as mãos, surpresa. Tentando impedir que a próxima exclamação de minha amiga alertasse mais alguém da presença de Erik em meu quarto, puxei-a para dentro, empurrando-a contra a parede e tapando-lhe a boca com uma das mãos. Procurando manter a calma, sussurrei-lhe:

– Não grite, Meg. Olhe, eu vou soltá-la, mas tem de me prometer que não vai gritar. – e ante a anuência assustada dela, afastei-me um passo. Completamente surpresa, ela olhava de mim para Erik:

– Mas quem é esse homem, Christine Daae? E o que ele está fazendo no seu quarto?

Ciente de que Meg não sossegaria antes de obter respostas, ocupei-me primeiramente de meu amor:

– É melhor você ir, antes que mais alguém apareça; eu resolvo o problema.

O Anjo da Música assentiu e murmurou ao meu ouvido:

– Estarei lá para vê-la, à noite, minha bela estrela.

– Eu sei. Esperarei por você. – respondi, enquanto o via desaparecer pela passagem do espelho. Agora, precisava lidar com minha amiga, que tinha os braços cruzados e me encarava ameaçadoramente:

– O Fantasma da Ópera estava em seu quarto! – exclamou ela – Era ele o seu Anjo da Música, então?!

– Olhe, Meg... Eu não vou mentir para você, mas tem de jurar em nome de seus pais que não contará a ninguém!

– Eu juro.

Eu suspirei, sem saída, e comecei a explicar:

– Sim, ele é o Fantasma da Ópera. Vive neste teatro há vinte anos, e é o verdadeiro senhor da Ópera Populaire. São dele as composições que recebemos ocasionalmente, e é ele quem se corresponde com o diretor Petrus por meio daquelas cartas, dando-lhe as ordens quanto a como coordenar este lugar. E sim, foi ele quem me ensinou desde a infância.

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– Mas ele... Ele estava no seu quarto! – exclamou Meg, e apontou para a cama desfeita – E raios me partam se vocês não dormiram juntos nesta cama! – acho que minha expressão foi toda a confirmação de que ela precisava – Christine! Isso é totalmente...

– Eu o amo, Meg. – eu respondi – Devo a ele tudo o que sou. E nós... Nós pretendemos nos casar, no outono do próximo ano.

– Casar-se com ele?! – havia espanto e horror na voz de minha melhor amiga – Você perdeu a razão? Já se esqueceu de tudo o que ouvimos a respeito do Fantasma da Ópera?! Se o que dizem for verdade, ele é um assassino!

– Se o que dizem fosse verdade, sua pele seria como um pergaminho amarelado, os olhos seriam fendas negras de íris alaranjadas, e as mãos teriam unhas como garras. Eu não sei você, mas eu não vejo qualquer similaridade entre os boatos e sua real aparência.

– Se ele não é um assassino, e tampouco é o monstro que contam, então por que se esconde? Qual é o passado deste homem, minha amiga? Quem é ele?

– Ele é o meu Anjo – respondi, já irritada com o que Meg dizia a respeito de meu amor – A pessoa que me confortou e consolou quando estava triste, que me ensinou tudo o que sei sobre música, que me fez acreditar em mim mesma. E, se isso não for o bastante para você, então entenda que sua mãe sabe de nosso relacionamento, e não se opõe.

– O quê?! – eu nunca vira tanto espanto no rosto de Meg, com certeza.

– Você me ouviu. Vamos, temos de descer! – e antes de sair pela porta, voltei-me uma última vez para ela – Lembre-se: jurou em nome de seus pais que não diria nada a quem quer que fosse!

– Eu vou me arrepender desta promessa, tenho certeza – resmungou ela, antes de descer em meu encalço.

*

Durante o último ensaio geral, ainda pela manhã, ficamos todos sabendo que haviam chegado ao teatro os novos administradores, que substituiriam o Sr. Petrus, que se demitira. Fomos apresentados aos Srs. Firmin e Andrés, dois senhores de certa idade, de aparência simpática e riso fácil. Pediram-me uma demonstração de minhas habilidades vocais, e cantei-lhes um trecho da terceira ária de Aníbal. Por suas expressões, estava evidente que haviam aprovado meu desempenho. Tudo corria muito bem, até que Madame Giry se juntou a nós, trazendo cartas nas mãos:

– Bom dia, meus senhores! Trago-lhes as mensagens de nosso coordenador – e abriu a primeira carta – ele lhes dá as boas vindas ao seu teatro, desejando que sua administração se mostre tão satisfatória quanto a do Sr. Petrus, e informa que a documentação deixada pelo antigo diretor se encontra guardada no cofre, sob a escrivaninha do escritório. Aqui está a chave – Madame Giry lhes entregou uma chave dourada.

– Como assim, o coordenador do teatro? – perguntou um surpreso Sr. Andrés – Nós somos os novos coordenadores!

– Ah, perdoem-me se me fiz entender mal – desculpou-se Madame Giry – Ele cuida da parte artística deste teatro, dirige tudo o que diz respeito às apresentações. – ela abriu a segunda carta – Ah, ele também avisa que o pagamento por sua última composição está atrasado, e pede que o débito seja quitado. – e leu – “Favor enviar o valor de vinte mil francos pelo correio, aos cuidados do Fantasma. Ademais, desejo-lhes boa sorte em seu novo trabalho. Irão precisar. O Fantasma da Ópera.”

Não consegui conter um sorriso, que escondi com a mão: Erik tinha senso de humor, e aquele tipo de situação inusitada era exatamente o que ele consideraria uma brincadeira. Criados fiéis por todos os lados permitiam-lhe confundir e manipular as pessoas sem que estas jamais pudessem encontrá-lo ou conhecê-lo. Era realmente cômico ver a expressão de estupefação dos novos administradores ante as cartas a eles enviadas, e eu quase podia ver o sorrisinho malicioso no rosto de meu amado, que certamente observava a cena de algum lugar escondido.

– E quem viria a ser este... Este Fantasma da Ópera, Madame? – perguntou Monsieur Firmin.

– Ninguém sabe com certeza. Comunica-se conosco por meio de suas cartas, e envia-nos uma composição ou escrito a cada temporada. Não o conhecemos pessoalmente, mas é um verdadeiro gênio das artes. – respondeu a mãe de Meg - Fariam bem em seguir suas orientações. O antigo diretor não se arrependeu de fazê-lo.

– Muito bem – começou Firmin – Discutiremos sobre este assunto mais tarde. Agora, gostaríamos de conhecer o restante do teatro, antes de recebermos o novo Visconde de Chagny, um de nossos patrocinadores.

Ao ouvir aquele nome, tive uma enorme surpresa: De Chagny! Ou muito me enganava, ou estavam falando de uma família que costumava freqüentar a casa de meu pai, quando eu era pequena; o filho da família, Raoul de Chagny, era três anos mais velho do que eu, e éramos grandes amigos. Melhores amigos, para ser sincera. Ele fora o mais próximo de um irmão que eu tivera, antes de vir para o teatro, e, se ele estivesse prestes a visitar o teatro, bem... De repente descobri sentir mais saudades dele do que me lembrava, ainda que só tivesse sete anos na última vez em que nos vimos. E era melhor explicar isso a Erik, antes que ele tivesse um ataque de ciúmes.

Voltei ao ensaio com uma pontada de curiosidade em meu coração: seria mesmo meu amigo de infância? Bem, de um modo ou de outro, não podia me distrair: era minha primeira estréia como Primeira Dama da Opera Populaire, e meu Anjo estaria lá para me ver. A última coisa que eu queria era ser menos do que perfeita.

*

Sim, eu havia sido perfeita. Minha voz se elevara como um puro cristal a ressoar (perdoem-me a falta de modéstia), e sei que minha atuação fora irrepreensível; nem poderia deixar de sê-lo, após tantas e tantas horas de treinamento e preparo!

Como acontecia em toda estréia, a Prima Donna recebia cumprimentos e flores – mas, desta vez, eu era a Prima Donna. E embora tudo aquilo me comovesse e enchesse de orgulho e alegria, estava ansiosa para me desvencilhar da multidão que me congratulava e correr para junto de meu Anjo! Especialmente porque algo acontecera – não pude imaginar o que – e, em vez de permanecer reservado para meu amor, o camarote cinco fora ocupado por um cavalheiro desconhecido. Percebi aquilo ainda durante a apresentação, mas só agora, já desvencilhada das emoções de minha personagem, é que sentia a raiva me perturbar. Como nossos administradores haviam permitido tal afronta?!

Consegui afinal me livrar do assédio dos espectadores, e fugir para meu camarim com a ajuda de Madame Giry – abençoada Madame! – que os impediu de vir atrás de mim. Quando nos vimos sozinhas no aposento, anexo ao meu quarto atual, ela me abraçou com seu habitual ar maternal, e disse:

– Saiu-se maravilhosamente bem, minha querida. – E pegando uma rosa vermelha que fora deixada sobre a mesa – Ele está orgulhoso por você.

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Peguei a rosa com delicadeza e trouxe-a para junto de meu coração: aquela rosa era, para mim, a mais bela dentre todas as flores que adornavam meus aposentos.

– Eu sei disso – suspirei – Madame, sabe me dizer quem era aquele cavalheiro que, de modo tão descortês, ocupou o camarote cinco?

– É nosso patrocinador: o novo Visconde de Chagny, que assumiu o título e a fortuna da família após a morte do velho Visconde, alguns meses atrás. Até onde sei, acabou de concluir os estudos em Lyon, e retornou a Paris para administrar os bens da família.

Então, parecia que o misterioso senhor que eu vira era mesmo meu pequeno amigo Raoul... Quem diria! Eu nunca poderia ter reconhecido o menino que ele fora no homem que se tornara! Eu esperava realmente que seu ato descortês fosse fruto de ignorância quanto às exigências de meu Anjo – nesse caso, creio que Monsieur Andrés e Monsieur Firmin ganhariam a inimizade declarada de Erik – e não derivado da arrogância comum aos nobres.

– Obrigada, Madame. Por tudo.

– Não há pelo que me agradecer, criança – respondeu a única mãe que conheci, acariciando-me o rosto, orgulhosa, antes de se afastar e deixar o local. Sentei-me à penteadeira e comecei a folhear um livro: meu amado chegaria a qualquer momento, e queria que ele me visse naquele belo traje.

Não tardou para que eu ouvisse a porta abrir atrás de mim, e de imediato soube que não era meu amor. Ele nunca usava a porta principal, mas sim a passagem do espelho. Com um suspiro, virei-me para encontrar a figura de Raoul, que tinha um sorriso radiante e trazia um buquê de flores coloridas. Sua voz não parecia a do menino que eu conhecera quando falou:

– A Pequena Lotte deixou sua mente vagar: gosto mais de bonecas, duendes ou sapatos?

– Raoul – sussurrei seu nome, mal acreditando que nos reencontrávamos depois de tanto tempo. Levantei-me e corri para ele, abraçando-o: era, afinal, meu amigo querido, meu irmão, que eu não via há quase dez anos!

– De enigmas ou vestidos?

Eu ri, pois ele ainda se lembrava de nossas brincadeiras de crianças:

– Nossos piqueniques escondidos no sótão...

– Ou chocolates? – ele continuou.

– Papai tocava o violino...

– Enquanto contávamos um para o outro histórias sombrias do Norte. – ele sorriu e me entregou o buquê, que aceitei com ambas as mãos.

– Não, concluiu a pequena Lotte – ele prosseguiu – o que eu mais gosto é quando estou deitada em meu leito, e o Anjo da Música canta para mim.

– O Anjo da Música canta para mim – sussurrei de volta, sem saber se dizia aquilo para mim mesma, para Raoul ou para Erik, imaginando onde ele estaria.

Meu amigo me abraçou mais uma vez, elogiando-me:

– Cantou como um anjo, Christine! Como aprendeu a cantar desse modo?

Eu sorri, desviando meu olhos para a linda rosa vermelha sobre minha penteadeira:

– Meu pai me disse que enviaria para mim o Anjo da Música... E o Anjo veio, de fato, visitando-me todas as noites, ensinando-me seus segredos.

– Não tenho dúvidas disso, Pequena Lotte – ele disse, mas estava claro que não acreditara em mim – Agora, venha jantar comigo!

– Não Raoul! – exclamei – O Anjo não aprovaria... Ele é... Bastante rígido.

– Bem, eu não a trarei tarde – ele respondeu, quase zombando de mim, o que me fez ter vontade de socá-lo.

– Não, Raoul!

– Ande! Você precisa se trocar! – disse ele, encerrando o assunto e saindo de meus aposentos. Sua atitude condescendente e arrogante encheu-me de raiva, e bati a porta atrás dele, irritada: moleque arrogante e insolente! Como ele ousava pensar que poderia me dar ordens?! Entrava em meu quarto sem qualquer acompanhante (eu nem queria imaginar os boatos que surgiriam devido àquilo), intimava-me a acompanhá-lo a um jantar, escarnecia de minhas palavras! Nobrezinho mimado e atrevido!

Irritada, deixei o camarim e fui para meu quarto pela porta que os interligava, deixando-me cair na cama e voltando a minha leitura, a única coisa que poderia me acalmar até que Erik viesse. Eu apenas rezava para que ele não me houvesse visto com o Visconde e entendido errado o que vira.