Music of The Night

O fim é só o começo de tudo


Pé ante pé, Vivienne se aproximou do músico que, debruçado sobre a mesa, lia atentamente suas partituras. Com um sorriso maroto, deslizou as mãos por suas costas, e então por seus ombros e peito, começando a beijar o pescoço exposto de Adrien. Com um gemido de prazer, ele se reclinou contra o espaldar da cadeira e deslizou os dedos pelos cabelos da jovem, puxando-a então para seu colo.

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– Falei com meus pais – disse ela, sentando-se de lado sobre as pernas de seu amado, admirando-o: era um belo homem de trinta anos, de cabelos louro escuros, olhos castanhos e brilhantes que refletiam puro amor pela moça; a barba curta que emoldurava graciosamente o queixo quadrado e firme lhe dava ar mais sério, uma grande contradição com o espírito leve e bem-humorado do maestro. Ao ouvir as palavras de sua amada, porém, franziu o cenho:

– E eles aceitaram? – a mão grande e bonita pôs uma mecha de cabelos da jovem para trás.

– Mamãe aceitou bem. Meu pai, por outro lado...

– Acho que deve estar fazendo planos para me matar. – riu-se o moço – mas eu posso lidar com o seu pai. Mesmo sendo ele o Fantasma da Ópera.

– Como sabe disso? – perguntou a jovem, travessa.

– Porque, por você, eu sou capaz de qualquer coisa, meu amor. – e assim dizendo, ele beijou Vivienne apaixonadamente. Contudo, uma voz grave veio interromper o casal:

– Que cena bonita. – os amantes se separaram, surpresos, para fitar a figura de Erik, que parecia extremamente zangado – por que não tira suas mãos de minha filha, messieur, e conversamos a sós.

– Nem pensar! – protestou Vivienne, levantando-se e postando-se protetoramente diante de Adrien, que a envolveu, protetor, com os braços – o que quer que tenha a dizer, pode dizer a nós dois!

– Vivienne, se você tem alguma esperança de que eu consinta neste casamento, então você vai para as coxias ensaiar com sua mãe, e esperar que eu a chame. Isso é uma ordem. – O tom do Fantasma não admitia desobediência, o que fez a garota olhar para seu amado, dividida. Ele, sem perder sua calma impassível, beijou-lhe a mão e falou:

– Obedeça seu pai, minha amada. Ele e eu precisamos, mesmo, conversar.

Aflita e agoniada, a jovem fez algo que não lhe era usual: obedeceu. A passos nervosos deixou a sala de música e seguiu para a coxia, onde Christine ensaiava aquela que seria sua última apresentação: A Flauta Mágica, no papel da Rainha da Noite. Vivienne, desta vez, não estaria ao piano, mas representaria Pamina, a filha da Rainha. Juntando-se à mãe, não quis falar nada: música era a língua que compartilhavam melhor do que o francês, e através da qual diziam tudo uma à outra. Pela entonação de voz, sabiam o que a outra sentia e queria falar, e foi assim que a mãe compreendeu os sentimentos da filha, aconchegando-a contra o peito enquanto elevavam suas vozes juntas. E aquele simples ato, para Vivienne, foi extremamente reconfortante.

*

– Soube de seu... Relacionamento com minha filha – começou Erik, em sua melhor pose de Fantasma da Ópera, assustador o bastante para intimidar qualquer um. Qualquer um, mas não o maestro, que se mantinha extremamente calmo, sentado à mesa com ar despreocupado.

– Ela me falou que lhe havia contado, messieur.

– Vou ser bastante direto – havia um ar ameaçador no olhar de Erik, quando se sentou de frente para o músico – muito da consideração que lhe tinha desapareceu quando descobri que ousou deflorar minha Vivienne. Você frequenta nosso lar, Adrien... Como pôde ousar tamanha afronta?!

O maestro baixou os olhos, envergonhado, e reconheceu:

– Sou obrigado a reconhecer que não foi uma atitude correta, messieur. Pela amizade que temos, não poderia cometer tal ato... Porém, peço que acredite em minhas palavras quando digo que amo sua filha de um modo que vai muito além do poder de descrição das palavras. Ela é minha musa, minha fada, o próprio ar que respiro. – ele ergueu os olhos novamente, e Erik viu ali o mesmo amor que ele próprio sentia por sua esposa – Amo Vivienne acima de qualquer outra coisa neste mundo, e pretendo reparar a mácula em seu nome tão logo o senhor me consentir o casamento com ela.

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– Está realmente decidido a se casar com minha filha, Adrien? – havia um tom levemente assassino na voz controlada do artista mais velho.

– Como disse, messieur: eu a amo. Mais do que palavras podem dizer. Mais do que qualquer um pode compreender. Quero passar o resto de minha vida com ela; quero ouvi-la cantar e tocar, exercer suas amadas artes. Quero vê-la pregar peças nos que a rodeiam, dançar mesmo quando não há música, cavalgar como um homem – ele riu a se lembrar de todas as vezes em que tentara convencer Vivienne a usar cilhão, em vez de sela comum, e de como ela sempre jogava sobre ele o que tinha à mão, ante tal idéia – quero acordar ao lado dela todos os dias, e saber que sou o mais afortunado dos homens; desejo cantar-lhe canções e ensaiar suas peças em tardes chuvosas... Vê-la sorrir. Quero viver com ela e por ela.

As palavras do outro músico, somadas à sinceridade que havia no olhar dele – indiscutivelmente o olhar de um homem apaixonado, que Erik sabia reconhecer bem, por ser o olhar que encarava todos os dias, diante do espelho – acalmaram um pouco a fúria do Fantasma. Ainda assim, havia questões pendentes... Aproximando-se de Adrien Beauchamp, falou com voz que não fazia ameaças, mas promessas:

– Se você a magoar, por qualquer motivo que seja... Se ela derramar uma lágrima de tristeza ou dor por sua causa, Adrien, acredite: você vai chorar muito mais, e implorar para que eu o mate, muito antes de eu ter terminado com você. Fui claro? – Adrien estava um pouco assustado: Erik nunca voltara aquele seu lado assassino para o artista mais jovem, e era impossível não temer o pior lado do Fantasma da Ópera!

– Como cristal, messieur. – Respondeu o maestro, tentando não mostrar a surpresa e o receio dentro de si. Já ouvira histórias sobre a crueldade de que seu amigo e futuro sogro era capaz...

– Então ouça bem: não aprovo este casamento. Vivienne é pouco mais que uma criança, e deveria experimentar mais da vida antes de se prender a alguém. Contudo, minha filha também é teimosa e obstinada, e sei que um “não” será o mesmo que nada, para ela. Assim, consinto nesta união. – ele se aproximou ainda mais do outro músico, seus olhos soltando labaredas perigosas – estou confiando a você, rapaz, o meu maior tesouro. É melhor fazer por merecê-lo, ou não haverá inferno fundo o bastante para se esconder de mim. E entenda: é a fim de ver minha filha feliz, e não por apreço a você, que dou minha permissão. Faça-a infeliz, e sua morte será lenta e dolorosa.

Sabendo que as palavras do sogro não eram ameaças vãs, mas promessas frias e bastante verdadeiras – o Fantasma jamais blefava – Adrien se levantou da cadeira e, igualmente frio, respondeu:

– Compreendo perfeitamente, Fantasma. Mas não precisará derramar meu sangue: eu mesmo me atiraria no inferno, se causasse qualquer dor ou desgosto a minha amada. Ela é, para mim, o Sol e o vento, a música e a musa que a inspira.

– E que continue a sê-lo, para seu próprio bem – respondeu Erik, levantando-se e deixando o recinto pelo mesmo lugar que entrara: uma passagem na parede que, ao se fechar, não deixava o menor vestígio de sua existência.

Deixando-se cair em sua cadeira, Adrien não sabia se ria ou chorava: conseguira a tão desejada permissão para casar-se com sua amada... Mas a visita de seu sogro – ele nunca admitiria isso para Vivienne, é claro – testara sua coragem até o limite. Nunca havia visto o pior lado de Erik e, por Deus, era realmente assustador! Mas valera a pena; enfrentaria mil vezes aquilo, se fosse o preço para estar ao lado de sua Vivienne, sua jóia preciosa, o anjo luminoso de sua vida. Com um sorriso, levantou-se e foi à procura da garota, que certamente estaria ensaiando nas coxias.

*

Apesar de todos os protestos de Erik, o casamento de Vivienne e Adrien se realizou numa fria manhã de primavera, alguns meses depois de a moça completar dezessete anos. Os meses entre o noivado e o casamento haviam sido de muita alegria para a jovem cantora e sua família; neste meio-tempo, a adolescente brilhara como uma estrela ao fazer os testes e, mesmo competindo contra outras onze excelentes cantoras, conquistar o posto de Prima Donna da Ópera Populaire. Michel ocupara seu tempo dividindo-se entre os estudos – o pequeno era um verdadeiro gênio da arte escrita! - e as armadilhas preparadas ao futuro cunhado, que já não abria uma porta sem se certificar de haver um balde de água acima desta, ou tábua solta no chão. Pouco ou nada adiantavam as broncas dos pais – especialmente quando o próprio Fantasma ria-se abertamente das artes do garoto. Mas afinal, até mesmo Michel aceitou a idéia de que teria de dividir sua irmã com Adrien, e uma trégua instável foi firmada entre os dois. Verdade era que se gostavam muito, e o homem via o cunhado como um irmãozinho caçula travesso e divertido, ao qual costumava subornar com doces e presentes para poder ter momentos a sós com sua noiva.

O dia marcado, contudo, chegou enfim: e mesmo com todo o ciúme que lhe roía o coração, o Fantasma não pôde deixar de estar radiante quando, diante de todos os amigos que haviam conquistado ao longo dos anos, entregou sua amada filha ao futuro esposo; apenas Christine percebeu a lágrima discreta que escorreu por sob a máscara de seu amado, naquele momento. A soprano, por sua vez, não tinha qualquer problema em deixar-se chorar visivelmente, emocionada, orgulhosa, feliz e saudosa a um só tempo. Mas não havia felicidade maior do que a do jovem casal diante do altar, que lembrava aos convidados mais velhos de outro casal igualmente apaixonado e radiante em suas núpcias, quase vinte anos atrás. O mesmo casal que, agora, vinha entregar sua primogênita ao homem com quem esta escolhera viver.

O lar pareceu se tornar maior e mais vazio, quando a jovem artista passou a viver com seu marido, numa casa próxima à Ópera. Mesmo vendo-a durante quase todo o dia, praticamente todos os dias do ano, Erik e Christine sentiam falta de sua filha, de sua garotinha, dos tempos em que ela era só a criança genial e travessa da qual se orgulhavam. O fato de Michel estar crescendo rápido, a meio caminho de se tornar um homem - cada vez mais brilhante e decidido a se tornar compositor e escritor profissional – não aliviava a sensação de ninho vazio, pois grandes eram os sonhos do menino, que logo iria abrir as próprias asas e alçar seus voos.

A tristeza pelas saudades do passado, porém, afastava-se com as alegrias do presente: Christine se tornara a gentil e amada professora de canto do teatro, e a ela eram destinadas apenas as vozes mais promissoras. Erik ainda era o diretor e senhor incontestável daqueles palcos, e perdia-se criando não apenas arte, mas mergulhando fundo nas novas descobertas que surgiam no mundo, adaptando-as ao contexto do teatro e da música – estudos nos quais sua amada companheira o acompanhava com entusiasmo. E quando não estava trabalhando – fosse em conjunto ou separado – o casal encontrava a pura felicidade em seu amor: aquele amor que nunca esmorecera, que jamais arrefecera. Eram felizes, pois eram completos, e eram completos porque tinham um ao outro! Sempre fora assim, e sempre seria assim!

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O tempo passou; houve perdas dolorosas, como a morte de Madame Giry, mas também enormes alegrias, como o nascimento de Erik Beauchamp, o primeiro filho de Vivienne, e o posterior casamento de Michel com Anna Karlson – agora Anna de Guise - a filha mais moça de Emma e Viktor – sempre grandes amigos do casal. Logo, a Casa do Lago já não era mais tranquila como ficara após a partida dos filhos, pois os netos se ocupavam de “atrapalhar” e “perturbar” seus avós tanto quanto era possível. E embora fingisse ralhar e estar aborrecido com tanto barulho, que não lhe permitia se concentrar no trabalho, o Fantasma se sentava por longas horas na companhia dos netos e da esposa, ensinando coisas e contando histórias aos pequenos, a pura expressão da alegria estampada no rosto. Pois se a vida fora injusta para com o músico, a princípio, passara a compensá-lo por todo o sofrimento desde que Christine, a bela e abençoada Christine, entrara em seu caminho!

Os anos continuaram a passar; anos cheios de realizações, de alegria e, acima de tudo, de música e amor – pois para Erik e Christine, essas eram coisas indissociáveis. Juntos eles viajaram, compuseram, cantaram e dançaram; deitaram-se sob as estrelas e navegaram em viagem ao Novo Mundo, para retornar a sua amada Paris com ainda mais alegria. Viram a felicidade e os feitos de seus filhos, e se orgulharam do legado que haviam deixado para o mundo.

Na noite posterior às suas bodas de quarenta e cinco anos, o casal retornou sozinho à Casa do Lago, sentando-se junto ao piano. Suas mãos se moveram em harmonia pelas teclas por longas horas, antes que Christine, agora com sessenta e dois anos, puxasse Erik consigo para o quarto. Com oitenta e três anos, ele já não era o homem jovem e vigoroso que a soprano conhecera ainda criança, mas a ela parecia tão belo e encantador quanto o fizera naquela noite longínqua, em que a menininha de sete anos se consolara no abraço do misterioso Anjo da Música. Ela também não era mais uma jovem, mas seu esposo ainda a via como a mais bela das mulheres: a única que sempre tivera seu coração, como sempre teria.

Deitaram-se juntos, um de frente para o outro, e o olhar que trocaram já dizia tudo. Ainda assim, a mulher quis quebrar o silêncio cúmplice que se instalara:

– Deixamos nosso legado para o mundo, meu amor. Cumprimos o que viemos fazer aqui... Vivemos, amamos... Agora é a vez de nossos herdeiros.

Com um sorriso, o músico beijou os lábios de sua amada, acariciando ternamente o rosto dela.

– Sim, minha querida. Vivemos tudo o que podíamos; obrigado por ter sido meu Anjo, por ter entrado em minha vida. Só se tornou uma vida, realmente, depois que conheci você.

Ela sorriu de volta, contemplando aqueles olhos verdes que, desde que se lembrava, haviam sido os mesmos. Aninhando-se contra o corpo de seu esposo, murmurou:

– Venha, meu amor. Vamos fazer juntos nossa última viagem.

Eles se envolveram nos braços um do outro, felizes e serenos; embalados pelo mesmo amor que sempre os unira, fecharam seus olhos juntos, e exalaram em uníssono seu último suspiro, encerrando o dueto que haviam entoado por toda uma vida.

*

Uma grande claridade envolvia Erik e Christine. Surpresos, contemplaram um ao outro: eram novamente o jovem casal de suas núpcias!

– Christine?! – Erik tocou o rosto de sua esposa, surpreso; ela nunca deixara de ser bonita, mas agora tinha outra vez a beleza cheia de frescor e vida da adolescência! Como estava linda!

– Erik... – a moça acariciou o rosto de seu Anjo, maravilhada – seu rosto... - O músico estava sem sua máscara, e tocando o próprio rosto, descobriu que este não guardava qualquer vestígio da deformidade que o acompanhara desde o nascimento. Mas o que estava acontecendo?!

Ainda confusos, divisaram em meio à claridade duas formas que se foram definindo aos poucos: uma delas era Madame Giry! A mesma Madame Giry da qual se lembravam, com seu sóbrio vestido preto, a postura impecável de ex-bailarina, e um lindo sorriso no rosto. A segunda figura, para Erik, era desconhecida: um homem de cabelos castanhos e cacheados, de rosto bondoso e sereno; quando ele se aproximou, Christine mal pôde conter sua exclamação de espanto e alegria:

– Papai! – com a mesma espontaneidade e entrega que sempre mostrara em seus atos, a moça se jogou nos braços do pai, que trazia um sorriso cheio de saudades ao envolve-la num abraço. A semelhança entre ambos era notável!

– Minha filha. – sussurrou o homem – minha Pequena Lotte! – ele tomou o rosto da filha nas mãos, enquanto Madame Giry se aproximava de Erik, ela mesma envolvendo num abraço aquele que sempre fora, para ela, um irmão.

– Você me enviou o Anjo da Música, papai. – sorriu a soprano, em meio a lágrimas de alegria.

– Cumpri minha promessa, não cumpri? – respondeu o Sr. Daae, puxando a filha pela mão para perto de Erik e Madame Giry, que abraçou a filha adotiva com todo o seu amor, enquanto o homem mais velho cumprimentava seu genro. – Obrigado por ter sido o Anjo de minha filha, messieur De Guise.

– Acredite, Sr. Daae: ela também foi o meu. – e ante o sorriso compreensivo do outro, abraçou sua amada, que se aconchegou a ele com enorme satisfação - Onde estamos? - o lugar que os circundava era um belo jardim de rosas, ao fim do qual se encontrava um arco de luz branca. Havia uma música suave a tocar, mas não se via quem ou o que a criava.

– Boa pergunta. – respondeu Madame Giry – Onde lhe parece que estamos?

– Num jardim, é claro! – respondeu Christine. Sabia que estavam mortos, mas nunca havia se sentido tão viva!

– Então, acho que pode ser o jardim de qualquer lugar. – Falou o Sr. Daae.

– E para onde leva aquele caminho? – indagou a soprano, curiosa, outra vez a garota travessa e inquieta que um dia fora.

– Isso, terão de descobrir por conta própria. – o casal mais velho começou a caminhar em direção ao arco de luz, no que foi seguido por Christine e Erik. Ao verem Antoinette e o Sr Daae atravessarem o portal de luz, do qual parecia emanar a maravilhosa melodia que ouviam, os apaixonados se entreolharam.

– Pronta para descobrir o que acontece agora, minha doce Christine?

– Pronta para qualquer coisa, meu querido Anjo, desde seja ao seu lado. – e assim dizendo, ela lhe tomou a mão na sua. Juntos deram aquele último passo, sentindo a luz e a música os envolverem e preencherem suas almas.

Paris, dias atuais

Com olhos grandes e curiosos, Amelie entrou no conservatório conduzida pelas mãos carinhosas e ternas de sua mãe, Camile, a Primeira Dama da Ópera de Paris. Com sete anos, a menininha de cabelos e olhos castanhos olhava para tudo com ar de encanto e maravilha, a um só tempo curiosa e receosa, fascinada pelos sons maravilhosos que ali já ouvira. Música sempre permeara o ambiente em que crescera, mas ir pela primeira vez ao conservatório, para ali se inscrever como aluna, fazia o coração da menina parecer que ia pular do peito, tamanha sua alegria!

Uma professora de canto avaliou a menina, apresentando-lhe testes que definiriam não apenas seu tom de voz, mas como este deveria ser apurado, em que estágio de treinamento ela se encontrava, e outras coisas afins. Uma vez dispensada do teste, enquanto sua mãe se encarregava da matrícula, a pequena começou a andar pelos corredores brancos e dourados que lhe pareciam tão familiares.

Perdida em sonhos e fantasias, levou um enorme susto ao, de repente, chocar-se contra um jovem rapaz que vinha andando, carregado de partituras. Ele as deixou cair, praguejando, mas quando viu em quem se chocara – Amelie também caíra no chão – deixou as folhas de lado e veio para junto da criança.

Aceitando a mão que o garoto lhe estendia, a pequena o encarou com fascínio: era um menino não muito mais velho que ela – devia ter uns onze ou doze anos – Com cabelos negros e olhos verdes como grama. O rosto era sério, magro, mas muito bonito! Ao contrário de outros garotos, que corriam pelas salas em bermudas e camisetas, ele usava calça social e camisa, perfeitamente vestido. Como um perfeito cavalheiro, ajudou a pequena a se levantar enquanto se desculpava, encantado com a menina diante de si:

– Ah, me desculpe! Não vi você no caminho! – que estranho! Parecia que já a conhecia de algum lugar!

– Não, tudo bem... – Amelie sentia como se já houvesse conhecido o garoto – eu não olhei por onde ia.

Os dois se ajudaram a pegar as partituras no chão e organizá-las; sem tirar os olhos da criança, o menino se apresentou:

– Eu sou August. August De Guise. Estudo canto e piano, aqui no conservatório da Ópera. Meu pai é o maestro, aqui.

– Eu sou Amelie. Amelie Beauchamp – respondeu a pequena – minha mãe é Camile Beauchamp, a soprano-ligeiro da Ópera. – e com um estalo – espere! Se você é um De Guise, acho que devemos ser parentes, em algum grau distante!

– É bem provável! – disse o moço, pegando todos os papéis - E o que você está fazendo aqui, Amelie? Veio visitar o lugar onde sua mãe estudou?

– Vou começar a ter aulas de canto. –respondeu a criança, cheia de si, gostando cada vez mais do adolescente magro e bem educado, que sorriu ao ouvir suas palavras.

– Bem... Então, acho que vamos nos ver muitas vezes. Sorte a minha. – disse o rapaz. – Tenho que levar essas partituras para meu pai... Por que não vem comigo? Posso lhe mostrar melhor o conservatório.

Sorrindo, a menina o acompanhou bem de perto, ao pulinhos de alegria. Por algum motivo, sentia como se algo maravilhoso – muito mais do que ela mesma podia imaginar – estivesse começando a acontecer. E tinha toda a razão. Pois aquele era apenas mais um começo para as duas almas que tornavam a se encontrar.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.