Meu primeiro intuito é me atirar sobre o corpo de Draven contendo os espasmos violentos e constantes. Gendry está fazendo pressão sobre as pernas que escoiceavam para todos os lados. A mão de Draven vem ao encontro do meu rosto. Faço um esforço enorme para segurá-lo pelo pulso e forçar o braço a baixar contra a bancada novamente. Ignoro a dor ao ver ele engasgando.

– Ele vai engolir a língua! - Gendry grita. Sem hesitar, enfio a mão na boca de Draven pressionando com força sua língua entre meu dedo indicador e o polegar. Deixo escapar um grito de dor e meu olhos lacrimejam quando ele crava os dentes nos meus dedos. - Vire ele de lado! - Juntos, tentamos conter os espasmos e viramos o corpo de Gendry para que ficasse de lado. Por um momento terrível, a convulsão parece não ter fim. Começo a pensar que vamos perder Draven, porém os espasmos começam a ficar menos violentos e desacelerados, até por fim cessar. A pressão dos dentes sobre os meus dedos alivia e liberto minha mão. Tenho várias marcas sangrentas de mordidas onde a pele foi praticamente arrancada dos meus dedos, mas no momento, é o menor dos nossos problemas. Ficamos em silêncio observando Draven enquanto ele recosta a cabeça sobre a bancada e apaga. Sua respiração está ofegante e sua pele reluz sobre o suor.

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– Acho que o pior já passou. - Diz Gendry.

– Espero. - Digo ofegante. Foi quando escutamos o barulho de algo pesado sendo virado contra o chão. O som veio do quarto em que amarramos Leslie à cadeira. Olho para Gendry apreensivo. Ele retribui o olhar antes de dizer:

– Vai dar uma olhada. Vou tentar dar um jeito nesse ferimento.

Sem mais demoras, me dirijo para o quarto. Assim que abro a porta, dou de cara com Leslie, se arrastando pelo chão ainda amarrada à cadeira. De alguma forma, ela conseguiu libertar uma das mãos. Está tentando chegar a uma faca serrilhada que jazia encima da cômoda, agora, virada contra o chão. Ela está quase na faca, corro e junto a mesma antes que ela o faça. Leslie deixa escapar um grito de frustração.

– Chester, o que você acha que está fazendo?! - Ela fala entredentes, a vós carregada de ódio. - Porque confia tanto assim nessas pessoas?

– Porque elas estão contra as pessoas que mataram o eu pai! - Agora eu é que explodo em um excesso de fúria. Leslie fica em silêncio me encarando. O peito bronzeado e reluzente de suor sobe e desce conforme respira pesadamente. Gendry entra no quarto.

– Olha quem acordou. - Ele abre um sorriso debochado. - Se pretendia escapar, devia ter feito isso com menos barulho. Me ajude com ela, Chester. - Ele faz um gesto na direção de Leslie. Juntos, içamos a cadeira de pé novamente e damos mais voltas com a fita prendendo o braço livre de Leslie . A mulher ainda nos encara com um olhar mortal. - Então, minha querida. - Começa Gendry se aproximando dela. - Você vai nos contar tudo. - Antes de começar a falar alguma coisa, Leslie cospe no rosto de Gendry. Ele suspira e me lança um olhar pesaroso, vem até mim e tira a faca da minha mão. - Já que não podemos conversar como pessoas civilizadas... - Ele não termina a frase. Com um movimento rápido ele enfia a faca na coxa de Leslie quase até o cabo. A mulher grita e esperneia de dor. Gendry puxa novamente a faca e faz menção de fincar na outra perna. Até que com uma vós chorosa, Leslie suplica:

– Ok! Eu falo! Por favor!

– Assim é bem melhor. Pode começar. - Diz Gendry limpando a faca na calça.

– Eu não queria machucar ninguém.

– Sem essa! - Explodo. - Draven, seu parceiro está quase morrendo na cozinha por sua causa!

– Eu não tinha escolha! - Ela agora grita e chora ao mesmo tempo. - Eles me matariam. Se souberem que fui descoberta... - Ela não termina a frase em decorrência de uma crise de choro.

– Quem mataria você? - Gendry questiona. Leslie levanta os olhos negros para ele.

– Você sabe quem.

– E porque se envolveu com essa gente? - Ele faz uma pausa. - Dinheiro? - Gendry está caminhando de um lado para o outro no quarto batendo a lâmina da faca na palma da mão. Leslie fica em silêncio confirmando a sentença dele. Ela foi comprada, agora está pagando por isso. Gendy para de andar e lança um olhar para Leslie que nunca vi ele lançar a alguém antes. Um olhar de desprezo, nojo e repugna. - Você é de longe a pior de todos eles. - Leslie se inclina para frente. As lágrimas lhe rolam pelo rosto.

– Pra você é fácil dizer! - Ela grita. - Eu não nasci em um berço de ouro! Meu distrito é escravizado pela capital! - Gendry olha pra ela e balança a cabeça negativamente. Pude ler claramente sua expressão. Ele está desapontado.

– E agora você esfaqueou o homem que ajudou você chegar aqui. E está ajudando as pessoas que te escravizaram. Porque Snow te mandou aqui? - Ela demora um pouco antes de responder.

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– Snow mandou espiões para todos os outros andares. Para acompanhar os distritos. Ele sabia que algum iria acabar se rebelando. Então decidiu se precaver.

– O garoto do distrito 4 foi atacado hoje. Tem algo a ver com isso? - Pergunto. Leslie assente ligeiramente com a cabeça antes de falar.

– Snow viu que saindo do lado dos carreiristas, ele já não tinha utilidade nenhuma.

– Então tentou matá-lo. - Digo fitando o chão. A peças começaram a se encaixar. - Mas eles podem substituí-lo?

– Era exatamente isso o que pretendiam fazer. - Ela diz. Já não está mais chorando. Então um pensamento me atinge como um tiro. Um terror se apossa das minhas entranhas. Minha respiração começa a ofegar enquanto lembro de Leslie conversando com alguém na cozinha madrugada passada. Então tomo coragem para perguntar.

– Leslie. - Ela me levanta os olhos. - Eles já sabem sobre o nosso plano?

Por um momento, Leslie não me responde. Então confirma com a cabeça. Gendry, em um excesso de raiva, atira a faca contra a parede largando um grito de frustração. Ele se volta novamente para Leslie e aponta o dedo para o rosto da mulher.

– Se alguma coisa acontecer conosco. - Ele diz entredentes. - Você está morta. - Com dedo indicador, ele empurra violentamente a testa da mulher para trás, e com isso, sai do quarto. Dou uma última olhada em Leslie que parece estar em um transe, então sigo Gendry.

– Você vai ter que cuidar das coisas por aqui, Chester. - Ele diz pegando um casado de couro do cabideiro.

– Aonde você vai?

– Tenho que encontrar Phillippa. O plano foi por água abaixo. Vamos ter que pensar em alguma coisa.

– Mas isso não faz sentido! - Digo com as mãos na cabeça. - Porque eles ainda não nos mataram se sabem de tudo?

– Eu não sei, Chester. Mas quero saber. - Ele se vira em direção à porta.

– Espera! O que eu faço com Leslie?! - Ele se vira novamente para mim.

– Só não deixe ela fugir. - E com isso, ele vai embora.

_|/_

Abro lentamente a porta do quarto de Lucy e me dirijo para o lado da sua cama. Ela está envolvida nas cobertas, apesar do calor. Fios de cabelos úmidos lhe grudavam na testa, e a respiração estava ofegante. Gentilmente, puxei uma mexa molhada do cabelo pra trás da sua orelha, e por alguns segundos, fiquei ali, apenas assistindo ela a dormir. Saio do quarto com passos furtivos e fecho lentamente a porta. Me dirijo para a cozinha. Draven ainda está inconsciente, mas parece estar tendo bons sonhos. Por um momento até pensei te-lo visto sorrir. Notei que Gendry fez um ótimo trabalho em sua perna que já não sangra mais.

Me deixo cair em uma cadeira e enterro o rosto nas palmas das mão. As lágrimas vieram de surpresa, rolando pelo meu rosto.

– Você está bem? - Ergo os olhos e vejo Draven, com a cabeça inclinada me fitando.

– Se eu estou bem? - Consigo forçar um sorriso. - O cara esfaqueado aqui é você. - Ele também ri, porém de súbito, o sorriso desaparece em uma careta de dor.

– Como ela está? - Ele pergunta se referindo a Leslie. Fico surpreso que ele ainda esteja preocupado com ela, então fico me perguntando como se conheceram.

– Bem. - Levanto-me e me dirijo para o lado da bancada onde ele está deitado. - Ao contrário de você. Como está se sentindo?

– Dói pra caramba. - Ele suspira. - Mas vou viver.

– Espero. - Coloco a mão na sua testa suada. Não há indícios de febre.

– Obrigado, Chester. - Ele diz me olhando nos olhos.

– Não precisa agradecer. Você faria a mesma coisa por mim. Eu acho. - Ele ri novamente.

– Sabe que eu faria. - Apenas concordo com a cabeça. Draven endireita as costas sobre a bancada fazendo caretas de dor. - Cara, se eu não tivesse visto, não acreditaria.

– O que? - Pergunto.

– Leslie parece ter sido treinada. Luta como um demônio. E é esperta também.

– Pra ter te dado uma surra como essa... - Digo debochadamente. Ele ri e continua.

– Cara, eu amava aquele globo de vidro.

– O que? - Pergunto confuso. Mas estão me dou conta. A cabeça ferida de Leslie. Os cacos de vidro pelo chã e no cabelo da mulher. - O que você fez com ela?- Ele parece querer rir relembrando a história.

– A primeira coisa que eu consegui alcançar, arremessei na cara da desgraçada. Mas por azar, era o meu globo de vidro que comprei no distrito um. Aquilo saiu caro. - Montei a cena na minha cabeça, e apesar da situação, antes mesmo de eu perceber, estamos os dois rindo.

Porém a graça foi embora quando senti uma mão me segurando pelos cabelos e me arremessando para o chão.