Certa vez existiu um matemático, muito famoso por sua inteligência e arrogância. Apesar de sua personalidade fria e calculista, ele tinha o espírito de um velho e bom artista. Apreciava o outono, pois podia observar a morte de todas as coisas, o fim de tudo, o ciclo da vida, como dois e dois são quatro, era a certeza de quem um dia tudo se acabaria.

Cético como um médico legista, ou como um grande e renomado cientista, não acreditava em Deus, muito menos na vida. Para ele a primavera era algo abominável, completamente detestável. Não fazia sentido em sua cabeça apreciar algo que em meses ou apenas dias, se extinguiria. Então as flores não passariam de sujeira e porcaria.

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Quando todas as plantas morreram e o frio vento do norte se dissipou, a neve derreteu e a primavera enfim chegou!

O matemático então, em sua doce e vazia exclusão, reuniu seus livros, sua maior fonte de diversão e começou a estudar. Desde Albert Einstein a Santos Dummont, seus melhores amigos, seus grandes companheiros, os maiores gênios e conselheiros que um jovem aprendiz de Dom Casmurro poderia ter. Se aconchegou na faculdade vazia, cheia de poeira e poesia, deixando-se perder no cheiro dos números, passado, presente, futuro e creme para espinhas.

O silêncio docemente apreciado pelo mestre e professor foi bruscamente interrompido pela melodia alta do piano levemente desafinado e um tanto enlouquecedor.

As notas invadiram sua mente e não foi mais capaz de raciocinar nem ao menos pensar. Irado, como um vizinho que teve o sono interrompido por barulhos frenéticos e palavras sem sentido levianamente chamadas de “canção”, se dirigiu com passos fortes até a ala oeste da instituição.

Seus sapatos ecoavam pelo imenso corredor, como se competissem com o som melódico e ensurdecedor. Quanto mais chegava perto, mais se deixava levar pela tentativa de Bach misturada com algo que ele não conseguia identificar. Passou pela porta aberta e viu uma linda jovem, não sabia dizer se era aluna ou professora, cheia de encanto e tocando com maestria e dedicação.

O matemático rabugento impressionado com a beleza e talento, não se deixou fraquejar e pediu que a jovem parasse imediatamente de tocar.

“Não gosta de música?” Perguntou a jovem com muita calma e educação.

“Não tocada dessa maneira, como se não houvesse regras, como uma simples brincadeira. Pare com esse barulho, preciso estudar.” Respondeu ele, sem a menor preocupação.

A garota explicou que as férias eram os únicos momentos em que podia tocar, pela insistência dos pais para uma médica se tornar. Ele mostrou sua enorme paixão e aquelas grandes olhos tristes lhe partiram o coração. Assim como ele, a garota apreciava a solidão, sentia-se livre para pensar, agir e tocar. O matemático então tomou uma decisão:

“Tudo bem, pratique o quanto precisar, mas tome cuidado enquanto aqui estiver para nada estragar.”

Os dois continuaram a se encontrar. Todos os dias após tocar e estudar, passavam horas e horas rindo e se divertindo e assim se tornaram grandes e bons amigos. A garota adorava a personalidade esquisita do professor, se divertia sempre com seu jeito carente e um tanto inconsequente. Ele, por sua vez, amava seus olhos escuros tão densos quanto o mar de ressaca, sentia-se como Bentinho apaixonado pela sua própria cigana dissimulada.

A jovem queria mostrar a beleza das flores a ele que se recusava a acreditar na vida e no amor. Entendia seu ponto de vista, mas queria que ele fosse feliz, que se alegrasse com as coisas mais simples e com as pequenas conquistas.

Certo dia então, querendo amenizar sua raiva pela estação, a garota lembrou de uma música perfeita para a situação. Passou em uma loja qualquer e se dirigiu à faculdade carregando uma pequena surpresa. Seus grandes olhos negros brilhavam de ansiedade, excitação e uma pitada de safadeza.

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Encontrou o matemático com os cabelos bagunçados tentando resolver uma difícil equação, se aproximou devagarinho sem fazer nenhum ruído e um susto nele deu, sentindo o palpitar do seu coração com o sorriso que ele lhe ofereceu. Quando o homem abriu o embrulho, confuso ficou, arqueou as sobrancelhas e com um olhar curioso indagou:

“O que é isso?”

Com uma piscadela, a moça entusiasmada apontou para o girassol que repousava dentro da caixa de papelão e cantarolou um pouco desafinada:

“As flores de plástico não morrem!”