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Heavy Rain


Preto.

A grossa chuva caia sobre Miami como nunca havia visto. Meu reflexo no espelho assustava a mim mesmo. Grossas olheiras, olhos cinzentos, como se a vida tivesse me abandonado. Mas não foi? Cabelos mais rebeldes do que o costume e um sorriso morto.

Respiro fundo e um soluço surge. É difícil ser forte assim. Lágrimas já embaçavam minhas vistas quando tentava ajeitar insistentemente minha gravata.

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Pego meu casaco e vou a sala pegar a chave de meu carro. Meus pais, de cabeça baixa, me esperavam.

O olhar compreensivo de minha mãe me atinge, mas nenhuma fala seria correta nesse momento. Meu pai me abraça firmemente tentando, em vão, me reconfortar.

Saio de casa sem saber o sentido das peças que a vida prega.

...

Ao longe posso ver a grande caixa de carvalho. Estendida na grama, sendo coberta com uma tenda branca. Caminho até lá sem me importar com a chuva e a dor interna de um coração aos pedaços.

Cumprimento os pais da garota, que me agarram dizendo o mesmo que eu.

“Sinto muito, querido.”

“Ela te amava tanto.”

“Você era tudo para ela.”

Não é justo.

Ela simplesmente...

Se foi.

Puxo o ar frio para dentro de mim. Eu tinha que olhar.

Encaro a grande caixa e caio sobre meus joelhos.

A morte parecia tão bonita assim.

Flores brancas tampavam seu corpo pela metade. Cartas de parentes e terços ficavam nas laterais, intrusos em seu futuro novo lar. Mas... Um detalhe me chamou a atenção.

A sua aliança. A nossa a aliança. Ainda estava em sua mão. A única coisa que ainda tinha um brilho em meio toda aquela escuridão. Toquei a prata e um sentimento nostálgico daquela noite me atingiu.

Quando as estrelas ainda brilhavam, quando o meu medo desapareceu e eu finalmente perguntei se daquele momento em diante ela aceitaria ser minha. Minha namorada... Aceitaria que eu dissesse que a amava na frente de todos. Aceitaria que eu estava apaixonado por ela.

E adivinhem?

Ela aceitou.

E agora, aqui estou. Olhando para seu corpo frio e gelado.

...

Não sei quanto se passou, mas a hora tinha chegado. O último adeus deveria ser dito.

Aproximo sobre seu corpo e mexo em seu cabelo lentamente. Aproximo-me mais ainda, mas não sinto sua respiração ofegante. Beijo seus lábios, já pálidos, lentamente. Mas não houve uma resposta. Ela não correspondeu. Ela não sorriu entre o beijo. Ela não apertou meu pescoço.

Nossas tradições, até então imperceptíveis, foram percebidas.

Quando elas acabaram. Quando já não posso comentar com ela. Quando não passam de memórias de um passado feliz.

Novamente, o choro me atinge. E certa lágrima escorre pelo seu pontudo nariz.

“Eu te amo, minha morena.”

Foi tudo que consegui sussurrar.

Afasto-me e a grande caixa é fechada lentamente. Tranca por tranca.

Esse era o meu novo mundo?

Sem você?

Sem nós?

Mas o que sou eu sem você?