Depois de uma tentativa frustrada de flertar com Anthea, John saiu do carro, e encontrou um homem alto, bem vestido, apoiado em um guarda chuva cinza. Ainda que estivesse apreensivo, não estava com medo.

–- Você sabe, eu tenho um telefone. Quero dizer, muito inteligente e tudo isso.Mas, ah, você poderia apenas me ligar. No meu telefone.

–- Quando se está evitando a atenção de Sherlock Holmes, se aprende a ser discreto. Por isso este lugar. Sua perna deve estar machucando você. Sente-se.

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O nome de Sherlock martelando em sua cabeça novamente.

–- Minha perna... – John olhou para baixo, e se deu conta de que não estava com sua bengala. – Eu não quero me sentar.

–- Você não parece muito medo.

–- Você não parece muito assustador.

–- Sim. A bravura do soldado. Bravura é de longe a palavra mais gentil para a estupidez, não acha? Qual é a sua conexão com Sherlock Holmes?

–- Nenhuma! Eu não o conheço.

–- Conhece dos seus sonhos... – o homem disse, em tom de deboche.

–- Quem é você?

–- Alguém interessado.

–- Interessado em que?

–- "Problemas de confiança", diz aqui. Interessante... – ele disse, ignorando completamente.

John gelou.

–-O que é isso?

–- Eu imagino que as pessoas já avisaram para ficar longe dele, mas eu posso ver a partir de sua mão esquerda, que não vai acontecer.

–- Minha o quê?

–- Mostre-me.

–-Não.

O homem fez uma cara de incredulidade.

–-O que é?

–- A maioria das pessoas errar em torno desta cidade e tudo o que vêem são ruas e lojas e carros. Em seu sonho, quando você anda com Sherlock Holmes, você vê o campo de batalha. Você já viu isso, não é verdade?

–- O que há de errado com a minha mão?

–- Você tem um tremor intermitente em sua mão esquerda. Sua terapeuta acha que é o transtorno de estresse pós-traumático. Ela acha que é assombrado por memórias de sua época de serviço militar.

–- Quem diabos é você? Como você sabe dessas coisas?

–- Demita-a. Ela está indo pelo caminho errado. Você está sob estresse agora e sua mão é perfeitamente estável. Você não está assombrado pela guerra, Dr. Watson. Você sente falta dele. Bem vindo de volta.

John estava sim, assustado. Muito assustado. Estava em Londres há pouquíssimo tempo, e aquele homem que nunca tinha visto em sua vida sabia tudo o que ele falava com a terapeuta, inclusive sobre seus sonhos.

Como era possível? Havia o sigilo médico-paciente. Mas o problema não era esse. De todas as pessoas no mundo para contar uma coisa dessas, aquela incompetente abre a boca justo para um maníaco que, assim como John, estava à procura de Sherlock Holmes, mas obviamente, com outras intenções.

–- Hora de escolher um lado, Dr. Watson. – ele pegou seu guarda-chuva, e saiu andando. Atrás dele, Anthea iria levá-lo de volta.

John ficou por um tempo parado, antes de entrar no carro. Por trás dos vidros com insufilm preto, via a paisagem noturna da cidade de Londres. Só foi tirado de seus pensamentos quando o carro passou direto pelo hotel em que estava hospedado.

–- Oy! Espera, vocês passaram! Endereço errado...

–- O endereço está correto. – Anthea disse, sem desviar o olhar do celular. – Baker Street, 221B.

–- Como é que é? – John arquejou.

–- As ordens são para deixa-lo nesse endereço. – ela disse, com o intuito de por um fim naquela conversa.

Vendo que não haveria discussão, John resolveu apenas aceitar. Encostando-se no banco de couro, lembrou-se que aquele endereço era o que Donovan tinha lhe dito para procurar por Sherlock. A lembrança lhe causou borboletas no estômago.

O carro estacionou na rua, e foi embora assim que John saiu.

O loiro olhou o céu, que estava começando a escurecer. Encarando o número gravado na porta de madeira azul, não teve coragem de bater. Nem sabia se ele estava lá. Toda a atitude que tinha, toda a coragem e confiança que sentia se esvaíram para o ralo antes mesmo de ele conseguir se aproximar. Seu estômago revirava de ansiedade e de fome. John tirou o papelzinho que Donovan lhe dera, e encarou a caligrafia um pouco torta, com o endereço o qual estava parado em frente.

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Seu celular vibrou, e era uma mensagem de Mike. John ficou extremamente aliviado em saber que o amigo tinha se recuperado, e a abriu.

“O endereço que eu queria te falar: Baker Street 221B. A dona é Mrs. Hudson, e ela ainda tem vagas. Boa sorte.”

Encarando o papel e a tela do celular ao mesmo tempo, decidiu que entraria.

Uma chuva começou a cair, e John praguejou. Em pouco tempo, já estava completamente encharcado, e tentava proteger o papel das gotas espessas que caiam do céu.

Por mais forte que a chuva estivesse, John não conseguia se mover. A porta exalava quase que um brilho invisível, irresistivelmente atraente. Queria bater, mas ao mesmo tempo, não saía do lugar.

Uma senhora abriu a porta, e exigiu que ele entrasse.

–- Não fique parado na chuva! Venha, entre!

John obedeceu, dando de ombros.

–- Como é seu nome, querido?

–- John. John Watson.

–- E o que estava fazendo parado nessa chuvarada?

–- Eu ia bater, mas não sei... A senhora é Mrs. Hudson?

–- Sim, sim.

–- Um amigo meu me indicou aqui, dizendo que a senhora alugava quartos, é isso?

O rosto dela se iluminou em um sorrisinho.

–- Sim, é aqui sim!

–- E quanto a senhora cobra?

–- Nah, deixe os detalhes burocráticos para depois. Aceita uma xícara de chá?

–- Adoraria...

Mrs. Hudson foi até a cozinha preparar o chá.

–- Sabe... – ela disse, da cozinha. – Foi bom você ter vindo. Sherlock é muito sozinho...

–- Como disse?

–- Sherlock. Mora no andar de cima. O quarto livre é quase junto ao dele. Talvez sejam amigos.

–- Sim... hã... claro. E que horas ele vem?

John pôde ouvir Mrs. Hudson rir.

–- Ah, Sherlock é imprevisível. Nunca sei que horas ele chega, afinal, não tem hora para cometer um assassinato, não é mesmo?

John deu um sorriso de canto, imaginando o que uma pessoa normal acharia de tudo aquilo.

–- Entendo.

A senhora voltou, com uma xícara, e entregou a John.

–- Já veio com suas coisas?

–- Ainda não, está tudo no hotel. Acho que vou passar essa noite lá, e amanhã cedo volto.

–- Certo então.

–- Onde é o banheiro?

–- Subindo as escadas, vire à esquerda, primeira porta à direita.

–- Obrigado.

John subiu até o primeiro andar, e observou a sala. Tudo exatamente conforme o sonho. Entrou, e quase morreu do coração. Em cima da mesa de centro, havia um par de córneas humanas.

Tentando ignorar tudo aquilo, andou pelo corredor até o banheiro, mas não entrou. Uma coisa atraiu sua atenção. Da última porta do corredor, vinha uma luz leve.

Sendo vencido pela curiosidade, John andou até lá.