Depois de anunciar para mim que eu estava noiva de Demyian o rei teve o bom-senso de não permanecer no meu caminho durante os dias que se seguiram enquanto meu “noivo” ficava me perseguindo de cômodo em cômodo tentando conversar comigo.

— Eu não tive culpa, tá legal? — ele explodiu três dias depois que isso tudo começou.

— Eu não disse que teve, mas você bem que poderia ter me dado uma força! “Ele tem razão, Layla. Somos um clã e precisamos permanecer unidos.” — citei com ácido na voz. — Eu já sou casada com o seu primo! Pensei que você o respeitasse mais que isso.

Demyian me olhou seriíssimo.

— Eu o respeito. Mas respeito meu clã e suas regras também e eu lamento que você e Dimitri foram loucos o suficiente para se casar, mas está feito. Você será rainha e eu serei seu marido e quando chegar a hora, nós teremos sim que produzir herdeiros — ele me encarou obstinado. — Não é o arranjo que eu gostaria, mas infelizmente é o que deu. Eu aceito meu destino, abaixo a cabeça e vou em sua direção. Então pare de fingir que Dimitri está vivo e que vai voltar para me matar quando descobrir, porque ele não irá. No máximo ele vai aparecer para puxar o meu pé à noite.

Eu nem percebi o que estava fazendo até que minha mão fez contato com seu rosto. O estalo foi forte e minha mão ardeu, mas eu ignorei isso.

— Não se atreva a falar de Dimitri — chiei furiosa.

Demyain piscou algumas vezes, estupefato.

— Caramba, Layla — ele piscava mais ainda. — Eu não acredito que falei isso — lamentou. — É horrível pensar que Dimitri possa estar morto, mas você sabe que somos um clã militarizado e aceitamos nossas missões. Você é a minha missão e eu não vou fingir que acho a pior coisa que poderia acontecer, mas o preço foi alto e eu com certeza prefiro que meu primo esteja vivo, mas… — ele deu de ombros.

— Você está agindo como um idiota nesses últimos dias — falei. — Eu gosto de você, Demyian, gosto mesmo, mas eu amo seu primo e isso não vai mudar.

— Muitos casamentos começam com menos que apenas “gostar”. Eu posso viver com isso. A gente nem precisa transar, só quando precisarmos de herdeiros porque… você sabe — ele corou.

Era estranho pensar que Demyian tinha apenas dezessete anos e estava preparado para se casar comigo. Era assustador que ele quisesse e aceitasse tão bem o fato de meu marido, seu primo idolatrado, tinha morrido.

Eu não chorei com essa percepção, mas fiquei extremamente furiosa e mais ainda quando o rei e seu irmão apareceram em rede nacional anunciando meu noivado pela honra do clã e do governo russo com Demyian. Eu não me importava com a maldita honra do clã e odiava aquele circo que estava sendo armado ao meu redor. Eu tinha duas semanas antes de estar casada com outro homem, então fui para o único lugar que eu não seria perseguida por ninguém querendo saber detalhes com os quais eu não me importava sobre esse casamento idiota: o cemitério.

Eu achava aquele lugar assustador, ainda mais porque o sol de inverno já estava começando a baixar no horizonte, mas mesmo assim fui para o lado da lápide de mármore com o nome do meu marido. Havia uma inscrição em latim que basicamente dizia “A vitória está reservada para aqueles que estão dispostos a pagar o preço”. Eu achava uma frase deprimente, mas era do livro favorito de Dimitri, A arte da guerra, e o rei achava que era uma frase boa para lembrar do filho que estava disposto a pagar o preço.

— Você é um bobão — falei para a pedra soterrada sob buquês de flores, fingindo estar falando com Dimitri. — Eu te disse para não ir, mas não, sua teimosia é maior, não é? Você vai ver só quando voltar, Dimitri, você estará encrencado.

Sequei uma lágrima idiota que escorreu por meu rosto e eu afastei alguns ramalhetes para tocar o mármore congelante com minha mão enluvada.

— Sinto sua falta — sussurrei. — Eu quero você aqui me dizendo o que fazer e me ensinado técnicas para me tornar uma líder melhor.

— Não deveria — uma voz grave disse atrás de mim e eu quase infartei. — Você parece ser muito boa.

— Yuri! — reclamei, colocando a mão sobre o coração que batia ensandecido no peito. — Santo Deus, homem, o que você está fazendo aqui?

O meu cunhado sorriu daquele jeito que eu associava à Dimitri. Um sorriso de quem andara aprontando, sabia disso e tinha amado.

— Vim te ver e checar as coisas, seu noivado e tal. Como você está?

— De onde surgiu esse interesse repentino? — perguntei desconfiada. — Você some por anos e de repente passa a aparecer para mim? Isso é algum tipo de perseguição?

— Ei, eu não estou te perseguindo — disse ofendido. — Eu me preocupo com minha cunhada que vai ter que se casar com meu primo mala.

Suspirei.

— Queria que seu irmão se apressasse — eu disse. — Ou que alguém me provasse que ele está morto para que eu pare de fantasiar com ele aparecendo por aquela porta e me salvando de um casamento desesperadoramente infeliz com Demyian.

— Mesmo? — ele parecia interessado, mesmo que contra a vontade. — Sempre tive a impressão que você e Demyian se davam tão bem!

— E como você poderia saber disso? — rebati. — Você vive do outro lado do país!

Yuri revirou os olhos.

— Eu tenho meus contatos, tudo bem? E alguns muito valiosos, acredite-me.

— Isso quer dizer informantes?

Ele deu de ombros.

— Pode chamar assim, se quiser — disse com tranquilidade. — Só vim te checar, mesmo. Se precisar de um abraço… bem, eu espero que alguém te abrace. De preferência que não seja Demyian, pois eu teria que quebrar o nariz dele por mexer com a garota do meu irmão.

Eu ri relutantemente.

— "Garota do meu irmão" — repeti. — Certo. Obrigada. E desculpe por ter sido má com você na outra noite, dizendo que você não estava fazendo o suficiente para encontrá-lo.

— Eu aprecio o gesto, Layla — ele sorriu um pouquinho só. — É melhor você voltar para o palácio, nem todos os ursos hibernam no inverno.

Não entendi o que ele quis dizer, mas senti um significado profundo sob suas palavras e assenti.

Eu vi Yuri desaparecer nas sombras do imponente palácio enquanto eu ia em direção às luzes e ao calor lá dentro e me perguntei como deveria ser para ele chegar tão perto de casa e não voltar.