Meses antes...

Escuto mais uma vez aquele bip insistente. Estou aqui a tanto tempo que nem me irrito mais. O hospital já está se tornando uma segunda casa para mim. Todos me conhecem aqui, os médicos que fazem as visitas para verificar se há melhorias no quadro, as enfermeiras que vêm aumentar, diminuir ou trocar a medicação, e até mesmo o pessoal da faxina. Olho para o aparelho que produz aquele bip hospitalar. A frequência de batidas é contida e estável. Observo o movimento dos raiozinhos verdes, talvez eles me façam dormir ou algo assim. Já me disseram que ficar observando o aparelho não vai fazer diferença alguma e que caso aconteça alguma coisa eu não poderei fazer nada para ajudar. Me aconchego mais uma vez na poltrona gélida de couro. As enfermeira até me ofereceram um cobertor, porém disse que não havia necessidade, mas me arrependo agora já que está frio e só tenho o meu sobretudo para me cobrir. Olho para Rose mais uma vez naquela noite fria e meu coração se parte mais uma vez. Ela está em coma a cerca de dois meses. Perdeu muito sangue na emboscada para Dashkov e os bebês a tornaram mais sensível a tudo e foi aí que a coisa complicou. Ah, sim, eram gêmeos. Por sorte, Rose não sofreu aborto espontâneo, mas o menino não conseguiu aguentar todo o processo da recente internação. Sempre pensei em ter uma família grande, e começar com gêmeos seria perfeito. Mas o destino quis assim e nós devemos aceitar. Volto meus olhos cansados para a mulher em cima da cama hospitalar mais uma vez. Ela continua bela como sempre foi, mas não está em seu auge agora. Rose está com a pele mais pálida que o normal. Seus lindos lábios não estão mais com aquela cor vívida de sempre, estão desbotados e ressecados. Seu cabelo inebriante pelo perfume e beleza agora se encontra um pouco desgrenhado. De tudo, oque eu mais sinto falta em Rose, são ver seus olhos expressivos. O brilho deles e a força com que te envolvem. Mas a oportunidade de ver eles mais uma vez escapa entre as minhas mãos. Faria tudo para ver as orbes achocolatadas mais uma vez.

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P.O.V. ROSE

Vazio, minha mente está vazia, será que eu morri? Não me lembro, a última coisa que eu me recordo são dos olhos do meu Dimitri, me olhando com medo. Do que ele tinha medo? Foi a primeira vez que o vi genuinamente assustado.

Agora eu estou aqui, nesse lugar, onde eu estou? Céu, Inferno? Talvez o tão temido Purgatório. A única coisa que eu vejo é escuro, eu me sinto em uma sala escura, esbarrando em móveis e paredes borrados. Vez ou outra, eu juro que posso ouvir a voz do meu homem, falando comigo, me pedindo para voltar. Mas voltar de onde? Eu não quero voltar, aqui é agradável, é um escuro gostoso. Seria muito melhor se eu pudesse matar o tédio com algo, mas o silêncio me faz pensar em tudo.

O mais interessante é que sinto algo, não me sinto sozinha, é como se eu estivesse ligada à outra coisa, uma coisa pura e meiga, que eu amo. Sim, eu amo essa energia, essa ligação, mesmo não sabendo o que é. Ela é melhor que a dor, eu senti uma dor tão grande a algum espaço de tempo atrás. Senti morte dentro de mim, senti um pedaço da minha vida se esvaziar.

O que será que está acontecendo lá fora? Será que eu já fui enterrada?

— Receio que o tempo esteja acabando. Se ela não acordar, a criança vai morrer.— Uma voz seria disse. Oh, estava acontecendo de novo, esses ecos e palavras no escuro. O que esse homem queria dizer? Não é a voz do meu Dimitri. Que criança vai morrer?

— Não! Eu não posso perder as duas! Roza, minha Roza, volta pra mim... Por favor.— Aí estava, meu homem gritando por mim, eu quero voltar Camarada! Eu quero te abraçar novamente. Inferno, que maldito impasse, eu quero ficar, e eu quero voltar. O que está acontecendo?

Olhei para baixo, minha mão nesse lugar estava ficando quente. O que é isso? Uma trilha de luz começou a aparecer na sala escura. Algo não está certo, eu tenho que voltar, eu tenho que salvar a criança. Comecei a andar, agora tudo parece maior. O silêncio aqui está me expulsando. Eu sinto uma névoa negra me cercar por trás. Não! Rose Hathaway não será pega. Disparo em direção à luz o mais rápido possível com apenas um objetivo: salvar a criança.