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Dia 48: O Dia que eu preferia ter esquecido, mas não posso.


Dia 48

Eu tinha certos pensamentos frívolos em relação ao Cássio agora. Eu realmente desejava seu sangue tanto quanto eu desejava me livrar dessa divida. Mas talvez o mais correto seja apenas deixar esses pensamentos de lado e me concentrar na garota.

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Eu tinha acordado quase atrasado como todos os dias, mas dessa vez eu me lembrei de um sonho que tive um pouco antes que é o que me fez perder a noção do tempo:

Eu estava em um parque cheio de luz e eu tinha 10 anos de novo. Eu sentia o cheiro do mar, embora estivesse longe da costa. Todas as crianças brincavam correndo aproveitando a tarde e de repente todas somem, me deixando a impressão de que nunca estiveram lá verdadeiramente. Apenas uma garota ficou, uma garota de cabelos escuros e brilhantes como pérolas negras. Ela tinha o por do sol atravessando o seu rosto de forma majestosa, mas parecia chorar. Eu me aproximei com cuidado e disse:

—Não chore, o que aconteceu? -ela se sentou num banco da praça ainda chorando e esfregando o joelho arranhado e sangrando.

—Não estou falando com você! -ela gritou. - Você me machucou Daniel! Me empurrou!

—Eu não te empurrei! Nem te conheço! -digo confuso já que ela ainda esconde o rosto de mim.

—É o que você sempre diz, quando faz alguma coisa ruim! -ela sai correndo assim que eu toco o seu braço.

Acordo quase perdendo a Van. Me visto e me troco em uma velocidade absurda e dou um encontrão com o meu pai na porta da sala.

Ele apenas me olha com raiva velada e pensa em algo com o que eu provavelmente terei que lidar depois.

—Desculpe pai! Tchau Júlia a gente se fala depois, tô muito atrasado! -digo entrando naquela van o mais rápido que posso.

—Dani… Espera! -ela aparece na porta com alguma coisa na mão, mas a van parte e ela fica na porta me lançando um olhar preocupado.

Eu respiro fundo e vejo que por mais uma dia a minha sanidade em relação a minha família imperfeita foi salva. Encontro com os meninos no ônibus e conversamos amenidades. Eu não a vi em lugar algum, talvez não pegasse a van, talvez fosse de carro para a escola, mas pelo menos a minha chance brilhava e apenas atravessando a rua.

Isso significa que se talvez eu criasse coragem para explicar a ela o que iria acontecer, talvez ela não me batesse muito forte, pois os pulsos delas são pequenos e as mão finas… Eu iria ferir os sentimentos dela como uma flecha atirada pelas costas, mas pelo menos seria verdadeiro.

Se passou o dia inteiro e ainda não sei se eu vou mesmo falar para ela. Talvez amanhã.

~~~~

Eu cheguei na escola e me pus a falar com todos os professores que eu tinha, até mesmo com a minha diretora. Todos aprovaram de primeira a minha ideia. E cada um disse que falaria separadamente com ela. Recebi algumas recomendações de livros da Marilene e me dirigi a biblioteca antes que os cursos da tarde começassem. Peguei as vantagens de ser invisível, daquele autor que eu não sem pronunciar o nome e peguei também 1984 do George Orwell, que achei relativamente grande, porem resolvi ler mesmo assim.

Eu nem olhei para ela hoje. Eu deveria ter me manifestado e dito um monte de coisas que poderiam ter lhe causado uma melhor impressão do que contrangê-la como ontem. Por que eu senti essa tensão e não me foi agradável.

Eu sou mesmo esse tipo de pessoa que faz as coisas e se sente péssimo no dia seguinte. Afinal eu sou mesmo um “idiota anônimo” desde o meu nascimento, lembro de ouvir alguem dizer isso a mim, várias vezes, mas não me recordo quem seria essa pessoa.

Devo ter ficado bastante tempo analizando as prateleiras atulhadas de livros de diversos gêneros. Sei que em um momento de distração em que eu olhava a prateleira de cima eu tropecei e cai em cima de alguem. Só sei que quando ia me levantar para me desculpar a pessoa desapareceu. Juro que vi um short preto e feminino no meu rosto acompanhado de um par de pernas ligeiro, quem quer que fosse, estava vestido para o clube de vôlei.

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Eu me levantei sem entender patavinas do que aconteceu. Me pus de pé e continuei a procurar o título que faltava da lista que Marilene me indicou, mas eu realmente estava custando a achar o volume de Oscar Wilde. Fui retirando um livro após o outro verificando a numeração apagada na lateral. Foi quando eu vi, achei e retirei o livro que estava bem aos meus pés. Quando abri espaço também vi Paulo duas estantes a frente, entre a estante a parede da biblioteca na verdade. Ele estava deitado no chão, seus olhos muito vermelhos e um sorriso no rosto macabro, na verdade eu podia ouvir ele rindo histericamente. Freitas, um garoto da sala ao lado da nossa se levantou e eu pude ver que ele estava com o Paulo.

—O que achou dessa? -Freitas disse com um sorriso, pelo menos oque eu vi quando me levantei sorrateiramente pelas estantes. Queria sair de lá o mais rápido possível.

—Eu senti tudo… É como sentir o universo! -a voz do Paulo tinha um tom embargado. Eu sabia o que isso significava.

Eu me movi em direção a porta ainda ouvindo a conversa. Por uma falta de sorte horrenda derrubei o livro que eu carregava.

—Vamos embora daqui! - Freitas disse ao me ouvir.

—Não tem problema Freitas, aqui é muito reservado. Estamos bem no ponto cego da câmera. Ninguém vai nos pegar aqui, sem falar que é o intervalo depois do almoço, aqui fica deserto a essa hora. -ele disse olhando para o Freitas que deveria estar em pé já que sua voz estava um pouco mais distante.

—Se alguem souber disso, vai ser o nosso fim. Tem certeza que quer continuar? -havia uma certa condescendência em sua voz, como se estivesse preocupado.

—Se tinha alguem aqui, saiu voando aquela hora... Não tem ninguém aqui, agora me passa isso logo! -ele disse com uma certa raiva.

Aquilo me apavorou. Eu simplesmente deixei derrubar alguns livros que estavam na estante. Ele no mesmo momento se pôs de pé.

—Droga! Vamos embora então! -Paulo disse com uma rudez na voz que me assustou, não parecia ele de modo algum.

E saiu assim que pode. Eu continuei ali, chocado com a cena. Meu melhor amigo, seria mesmo possível que ele estivesse fazendo aquilo? E se fosse a quanto tempo ele estaria fazendo aquilo? Será que meu melhor amigo estava realmente usando drogas? Só sei que parei de falar com o Paulo, pelo menos naquela tarde, eu ainda estou tentando entender o que aconteceu, então prefiro só votar a escrever sobre isso quando eu tiver certeza do que eu vi e entendi.

Voltando as minhas tentativas de conquista: eu ainda a vi mais tarde enquanto saia da natação. Ela estava no vestiário, onde eu deixo a minha mochila da escola e pego o meu equipamento de natação. Ela enfiou um papel em um bolso e fugiu rápido sem olhar para trás. Aquela garota realmente não era fã de multidões ou qualquer alusão a contato humano.

Eu estava apenas de cuecas e com uma toalha me cobrindo. Antes que eu pudesse prever o que aconteceria eu peguei o bilhete e de repente senti uma forte vertigem.

Devo ter desmaiado. Me lembro de ouvir um trecho de conversa, mas estava tudo borrado e escuro.

—Isso é um bilhete? -perguntei, ao menos lembrava a minha voz.

—É sim… -dizia o rosto feminino e distorcido.

—E o que diz? -a masculina fez a pergunta, a voz feminina riu.

—Diz… -a feminina agora sussurrava- Eu… Te… A…

Dai eu não me lembro de mais nada. Sei que acordei tonto e semi nu com a professora de natação me examinando na enfermaria. Eu tentei explicar que estava bem e não tina sido nada. Provavelmente, apenas mal estar, as emoções de hoje foram demais para mim. Meu médico sempre disse que memorias dolorosas fariam meu corpo reagir de alguma forma.

Voltei para casa antes do curso de inglês. Eles me mandaram para casa na verdade, a van me buscou a pedido deles. Naquela hora a Júlia já deveria ter chegado. Então tudo que fiz foi ficar jogando Tales of Fênix. Eu não queria ler… Não depois de hoje, talvez eu ficasse longe da literatura por um tempo. O que me doí o coração, mas eu fico com aquela imagem na cabeça dos olhos vermelhos do Paulo.

Júlia me mimou o dia inteiro, para falar a verdade. O que foi bom, por que isso provava que ela era realmente superior ao meu pai. Que ela cuidava de mim e me amava.

A única coisa que eu li hoje foi o bilhete que ela me passou.

“Daniel, não é?

Bem se quiser estudar vamos começar amanhã na biblioteca depois das aulas lá pelas duas e meia, se não puder ser lá, vamos estudar na minha casa. Eu sei que você mora lá perto, então apenas esteja lá as quatro em ponto.

Melhor aparecer

Cassandra.”

Depois disso coloquei a minha luneta na janela e direcionei a casa dela. No quarto de cima ela andava de um lado para outro abrindo caixas. Acho que aquele vai ser o quarto dela. Alguns quadros gigantescos são pendurados na parede ainda cobertos.

Vou dormir pensando nesse dia, e tentando esquecer algumas coisas.