06. 'Não vou deixar você escapar de mim'

Uma semana depois do início do nosso último ano escolar, Scorpius apareceu na porta da minha casa com um engradado de cerveja, dois grandes sacos de pipoca doce e alguns filmes de terror, trazendo consigo uma grande notícia: Tinha terminado com Alice e, segundo ele, nunca se sentiu tão aliviado em toda sua vida. Até brindamos o que ele dizia ser a maior felicidade do mundo.

Passou basicamente todo o final de semana na minha casa e, para o desespero de papai, dividindo o quarto comigo o que, pra mim na época, era um absurdo. Não entendia o que papai via demais naquela situação. Confesso que levei alguns anos para entendê-lo.

O fato é que, eu tinha quase a certeza de que Scorpius estava me escondendo alguma coisa, embora eu preferisse deixar esse assunto de lado. Não foi uma atitude muito inteligente da minha parte.

No sábado a noite, ele estava deitado na minha cama, com as pernas para cima e um pacote de Doritos sobre a barriga, enquanto eu me arrumava para sair.

"Não acredito que não vai me contar com quem você vai sair." Comentou, pela décima vez, com a boca cheia de salgadinho.

"Não acredito que está esfregando essa mão suja no meu edredom. Você vai lavar."

"Não mude de assunto Rose Weasley. Quero saber onde e com quem você vai."

Ergui os olhos recém maquiados para ele, arqueando as sobrancelhas.

"Isso realmente não te interessa, Scorp."

"Pensei que eu fosse seu melhor amigo! Pelo menos me diga a primeira letra do nome dele."

Ah, as chantagens emocionais! Ele, com certeza, as aprendeu comigo. Ponderei por um longo instante, com os lábios unidos em um bico.

Claro que eu não tinha a menor intenção de contar a ele que era com James Chorão que tinha passado minhas últimas semanas, no enquanto, não poderia deixá-lo sem uma resposta, certo? É, talvez.

"Começa com... S"

"S? Você não parece ter muita certeza disso." Disse, enquanto se sentava na cama.

E encostava aquela mão suja na minha roupa de cama limpa. De novo!

"Como você é chato!" Murmurei, fazendo-o rir baixo.

Ele colocou a mão sobre o queixo e ficou um longo momento em silencio, encarando fixamente a parede a sua frente, provavelmente pensando em todos que conhecia com aquela letra.

"Vai sair comigo e não me contou?" Perguntou por fim, me encarando. Ri baixo, balançando a cabeça.

"Com certeza! O que você está fazendo de pijama ainda? Vá se arrumar, temos um encontro." Tentei soar o mais irônico possível, mas tenho que confessar, não soava nada mal a ideia de um encontro com Scorpius.

"Vou tomar um banho agora mesmo." Soltou de volta, claramente emburrado.

"Ei, posso te perguntar uma coisa? Sei que vai parecer estranho mas..." Antes que pudesse responder, fui interrompida por ele.

"Você pode me perguntar o que quiser, Rosie. Amizades entre homens e mulheres podem ficar estranhas às vezes, mas com a gente isso nunca vai acontecer."

Me virei para o espelho, encarando a roupa que tinha escolhido, antes de encontrar o reflexo dos olhos acinzentados de Scorps.

"Esse decote... Você acha que eu deixo natural ou levanto?" Perguntei.

Eu era a pessoa mais sem noção que andava sobre a face da Terra!

Scorpius atingiu um tom vermelho pimentão rapidamente, antes de pigarrar.

"Você quer saber porque vocês vão apenas sair ou... Hum..." É claro que ele não conseguiu terminar a frase.

O mais estranho era que eu não me sentia nenhum pouco constrangida.

No enquanto agora, quando eu paro para pensar, me pergunto o que tinha na cabeça.

"Deixa para lá." Suspirei, no instante que meu celular apitou. "Não ouse chegar perto dele." Disse, assim que percebi as intenções do loiro.

Ele deu de ombros, antes de se jogar em direção ao aparelho no mesmo instante que eu, resultando um pequeno tombo da cama e nós dois no chão.

"Consegui o celular." Exclamei, com um enorme sorriso nos lábios, enquanto empurrava o ombro de Scorpius.

Levei alguns segundos para perceber o quanto estranho estava aquela posição. Ele estava em cima de mim, literalmente.

Ainda não entendo como fomos parar daquela maneira. Ele me encarou por alguns instantes, em completo silêncio. Minhas bochechas ardiam e eu conseguia sentir a respiração dele banhando o meu rosto, o seu perfume amadeirado.

Meu coração provavelmente teria saído pela boca quando ele começou a se aproximar ainda mais de mim, se não fosse por Hugo que escancarou a porta do meu quarto em um baque, fazendo nós dois saltarmos.

"O que estava acontecendo aqui?" Meu irmão perguntou, erguendo as sobrancelhas com um sorriso de deboche nos lábios.

Revirei os olhos, aceitando a mão de Scorpius para me levantar do chão.

"O que você quer, Hugo?" Perguntei, enquanto tentava desamassar a blusa.

"Mamãe pediu para te chamar. Seu namorado tá' te esperando no carro."

"Namorado?" Scorpius olhou para mim.

"Não tenho namorado." Comentei para os dois, puxando a minha bolsa sobre a cama e jogando o celular lá dentro. "Amanhã você vem aqui?" Perguntei ao loiro.

"Acho que vou dormir aqui hoje de novo."

"Mas eu não sei que horas volto."

"Não tem problema. Vamos jogar Hugo?"

Meu irmão praticamente pulou no lugar ao perceber que tinha uma companhia para seus estranhos jogos de video game e balançou a cabeça, antes de praticamente correr para o quarto.

"Eu vou ligando!" Gritou o ruivo.

"Toma cuidado." Scorpius murmurou para mim, antes de dar um beijo na minha testa e ir atrás de Hugo.

Mais tarde, naquela mesma noite, recebi uma mensagem no celular, dele:

Não se divirta muito com esse otário.

***

Você tem uma nova mensagem de: SCORPIUS.

Ei, ruiva. Tem como aparecer aqui em caza hoje? Pago a pizza, preciso falar com você.

Não levei mais de quinze minutos para tomar um banho e colocar a primeira roupa que vi pela frente, logo após receber aquela mensagem.

Claro que não era estranha as intimações para eu ir à casa dele, porém nunca quinta feira, era algo suspeito.

"Mãe?" Chamei-a assim que passei pela porta da cozinha. "Posso ir na casa de Scorps agora? Juro que volto cedo e não perco a aula amanhã."

Ela, que até um instante atrás estava de costas para mim, cortando algo na pia, se virou. Seus olhos castanhos escuros estavam levemente avermelhados, como quem tivesse chorando. Ergui as sobrancelhas.

"Está tudo bem?" Perguntei, me aproximando dela.

Mamãe simplesmente balançou a cabeça em uma afirmação e depositou um longo beijo em minha bochecha.

"Está sim. Falei com Astória agora, ela me disse que te chamou para jantar lá." Comentou. "Ela pediu-me para te adiantar o assunto, já que Scorpius não sabe muito bem como te contar."

Lembro-me muito bem do modo como ela me olhou, com aquela expressão misturada com tristeza e pena.

"O que está acontecendo, mãe?" Sentia meu coração bater forte no peito como se, a qualquer momento, ele fosse explodir para fora de minha caixa torácica.

"Draco recebeu uma promoção no trabalho, uma proposta irrecusável pelo o que Ast comentou comigo. E eles estão se mudando."

"Mudando? Scorpius vai morar em Londres agora?"

Já estava planejando o quanto teria que economizar do meu salário para pegar o trem todo o final de semana.

"Na verdade eles estão indo para Boston semana que vem."

Eu poderia ser muito ruim em geografia, mas tinha certeza que Boston ficava do outro lado do oceano, em outro país e continente.

"Semana que vem?" Já sentia meus olhos ardendo. Respirei fundo, segurando o choro e balancei a cabeça rapidamente, para clarear as ideias. "Eu vou... Vou na casa dele, volto mais tarde." Murmurei e praticamente corri porta a fora.

Aimée quem abriu a porta para mim, com um sorriso e sua enorme barriga de grávida de gêmeos. Seus cabelos sempre tão arrumados estavam presos em um coque no topo da cabeça e ela parecia cansada.

Realmente cansada.

Eu não entendia como as pessoas podiam querer aquilo para a vida delas. Ficar grávida, engordar igual à um balão... Era a última coisa que eu imaginava acontecer comigo.

"Oi Rosie! Meu irmão está no quarto dele, pode subir." Comentou, depois de me dar um beijo na bochecha e um longo abraço.

Subi as escadas de dois em dois degraus, sem nem ao menos procurar Astória ou Draco para cumprimentar, algo que se minha mãe descobrisse provavelmente me daria uma longa bronca, e me encaminhei rapidamente para a última porta do corredor.

Sem nem ao menos bater na porta, abri-a esperando ver a zona que Scorpius chamava de quarto.

No enquanto, não havia bagunça nenhuma ali, só várias caixas espalhadas, com alguns pertences dele e as prateleiras já vazias.

Aquilo aumentou ainda mais a minha vontade de chorar.

Ele ergueu os olhos de Dobby, o enorme labrador que estava deitado ao seu lado da cama, e abriu um sorriso triste ao perceber que era eu.

"Já pedi sua pizza de morango com chocolate." Comentou.

E então eu chorei.

Corri até ele e praticamente me joguei em cima do meu melhor amigo desde os quatro anos aos prantos.

"Eu não sei como vou conseguir ficar sem você." Murmurei contra o seu peito, enquanto ele me envolvia nos braços.

***

Você tem uma nova mensagem de: SCORPIUS. Rosie, já saiu do trabalho? Passo na sua casa pra te buscar.

Era sexta feira, a festa "Bota Fora" para Scorpius. Uma ideia nenhum pouco brilhante (na minha opinião) de James Chorão.

Na verdade, eu não estava nada animada em comemorar a saída do meu melhor amigo do país, no entanto não tinha a menor possibilidade de ficar em casa, até porque, na época, eu realmente gostava do tipo de festas que envolviam bebidas alcoólicas, algo que é difícil de compreender hoje, já que passei por vários momentos constrangedores por causa da bebida.

De qualquer forma! Depois de mais um longo dia de trabalho naquele salão limpando todos os tipos de superfícies existentes, atendendo telefone e recebendo mulheres chatas que só sabiam reclamar, eu estava na casa de James.

Já tinha passado pela casa dos Potter algumas vezes, mas nunca tinha entrado. A senhora Potter, uma mulher ruiva com um enorme sorriso simpático a qual conhecia de longe, tinha muito bom gosto para a decoração do lugar, embora tudo estivesse meio bagunçado quando cheguei.

Imaginei que ela teria um filho pela boca quando visse a situação da sua sala de estar. Eu bebi mais do que deviria, como sempre. Vários shots de tequila foram virados, em apostas em uma das mesas espalhadas na beirada da piscina.

Ganhei de Fred, meu primo, uma aposta de quem virava um enorme copo de cerveja primeiro e de Albus Severus, o irmão mais novo de James, quando bebi três batidas de cores estranhas em menos de um minuto.

Não entendo como não entrei em coma alcoólico naquela noite.

O fato é que, duas horas depois do início eu já estava... Digamos, "alta". Caminhava pela beirada da piscina, cantarolando uma música qualquer enquanto tentava encontrar Scorpius que tinha sumido há alguns instantes, junto com Albus Severus.

Fui encontrá-lo dentro da piscina, com um enorme copo de bebida nas mãos e um grande sorriso para mim, enquanto me chamava para pular ali também.

Não tenho certeza se era porque eu estava meio feliz, mas Scorpius nunca pareceu tão lindo para mim quanto naquele momento. Os cabelos molhados, jogados para trás. A blusa polo que ele vestia grudada no peitoral e... É, ele ainda era, na minha opinião o mais bonito da nossa escola e sabia que eu estava me enganando quando dizia que estava gostando de James e era por isso que saia com ele.

Eu, claramente, nunca iria gostar de alguém o quanto gostava dele e talvez nunca goste. E isso é a mais trágica de todas as coisas que eu tenho a admitir: Eu ainda não superei Scorpius Malfoy.

Mas voltando àquela noite, em especial, eu o encarava com um sorriso triste nos lábios e os olhos lagrimejando. Não aceitava a ideia de ter que me separar dele daquela maneira, mesmo que fosse por alguns meses, segundo nossos planos.

Planos esses que nunca deram certo, assim como todos os outros.

"Vamos Rose Weasley, não seja tão chata nessa noite!" Ele praticamente gritou para mim, sobre a música alta que tocava, quando eu neguei seu pedido inicial.

Eu bufei e sem nem mesmo raciocinar, pulei na piscina, praticamente sobre ele, fazendo-o soltar uma risada alta quando emergi de volta à superfície.

"Devo comentar que você nunca esteve tão linda quanto hoje, Rosie." Ele disse, se aproximando mais de mim com um imenso sorriso.

Só então eu percebi que estava de vestido branco. E é claro que tudo estava aparecendo, principalmente meu sutiã rosa choque.

Como eu disse, deveria ser um crime me deixar beber!

"Suas cantadas furadas não dão certo comigo, Scorp." Comentei, antes de jogar um pouco de água no rosto dele.

E terminando totalmente com aquele clima quase que romântico que pairava no ar, começamos uma infantil guerra de água que acabou com várias pessoas molhadas e uma boa tarde dos convidados dentro da piscina.

Quando eu sai da água, Scorpius veio atrás de mim e, de mãos dadas, nos afastamos um pouco daquele aglomerado de seres humanos em direção à lateral da propriedade, onde ficava alguns brinquedos da época em que James, Albus Severus e a irmã mais nova deles, Lily, ainda eram crianças.

Me sentei em um dos balanços com o loiro ao meu lado e comecei a me balançar, sentindo a brisa gelada da madrugada arrepiar cada centímetro do meu corpo.

"Eu ainda não acredito que você vai embora na segunda feira." Suspirei baixinho, sem encará-lo. "Vamos terminar a escola esse ano. É tão injusto saber que eu não vou te ver mais."

"Quem te disse isso? Nunca deixaria isso acontecer, além do mais, temos que conhecer o mundo Rose, te tirar dessa cidade sufocante, lembra?"

Naquele momento, eu parei de balançar e me virei para encara-lo com os olhos ardendo e algumas lágrimas já descendo pelas bochechas.

"Você está indo para Boston. Isso é do outro lado do oceano, literalmente. Acho que vai ser impossível essas viagens se concretizarem."

"Ao menos que você vá para Boston também."

"Claro, vou falar aos meus pais que estou mudando com você na segunda feira e avisarei aos seus pais que vou morar com vocês, que ideia brilhante!"

"Não estou falando disso, gênio." Ele bufou e se ajoelhou na minha frente, me encarando com aqueles olhos azuis acinzentados. "Você pode passar em uma faculdade em Boston e assim se livra de Godric's Hollow. Nós alugamos um apartamento próximo ao campus, moramos juntos e todas as férias vamos viajar para um lugar diferente." Ele disse como se a ideia fosse a mais genial de todas e eu fosse muito lerda de não perceber o quanto óbvio era.

"Está me chamando para morar com você?" Perguntei, erguendo as sobrancelhas.

Para mim, aquela ideia era de fato genial.

Só não compreendia que sempre tem um fator que vai nos impedir algo que queremos. Na minha vida isso aconteceu várias vezes.

"Talvez eu não esteja percebendo o quanto eu vou me arrepender depois mas sim, estou." Respondeu, fazendo-me revirar os olhos e rir. "Não vou deixar você escapar de mim, Rosie." Completou e se colocou uma das mãos sobre as minhas bochechas e me beijou.