Crônicas de nós dois

Can't Remember to Forget You


What I tend to do when it comes to you

I see only the good, selective memory

Can't remember to forget you

Café. TV. Sofá. Cama.

Durante as primeiras quatro semanas do afastamento de Wilson do hospital essa foi a sua rotina. Ele acordava por volta das 10h28min, a cabeça rodando de tanto dormir. Fazia um café forte e o tomava em frente à TV, o gosto amargo do líquido fumegante e sem açúcar apertando as paredes de sua garganta e enrolando sua língua. Ele não se mexia ou levantava-se do sofá, ficava ali, os olhos castanhos pregados em um programa qualquer que ele, na verdade, não via. Apenas as 02h00, quando seus olhos ardiam e a cabeça começava a latejar, o moreno se refugiava em seu quarto escuro, apenas para se ver revirando-se entre os lençóis incômodos de sua cama.

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Fora naquela época que começara a falar com ela. Ele fechava os olhos tão apertados quanto conseguia e pensava em seu rosto. Seu cabelo muito loiro. Seus olhos claros. O cheiro dela. O gosto de sua boca. E era nesse momento que ele chorava como um garotinho assustado e num estado de semiconsciência embargada de um delírio leve, sua voz soava no silencio do quarto.

Ele pedia desculpas a Amber. Desculpas por não estar lá naquela noite. Por ser ela no ônibus e não ele.

Implorava pra que voltasse, pra que as coisas fossem diferentes. Implorava pra ter morrido no lugar dela.

Quando sua voz falhava pelas lágrimas e sua cabeça latejava pelo esforço, ele ainda soluçava algumas vezes antes de cair em um sono conturbado e cercado de pesadelos escuros e disformes.

Preso na escuridão.

Café. TV. Sofá. Cama.

E no outro dia sua rotina continuava totalmente igual. E talvez tivesse perdido toda a sua sanidade naqueles dois meses. Talvez nunca mais voltasse a ser ele mesmo depois que passara a ser o cara com a namorada morta.

Mas, além da tristeza, ele tinha sua raiva.

Wilson sentira raiva de tudo. De Deus, da vida, do universo, de si próprio, mas principalmente de House.

Aquele homem que vivia preso numa bolha de sofrimento auto sentenciada. Aquele homem que gostava de manipular as pessoas, que as afastavam por simplesmente não saber amar. Que estipulava que a felicidade não existia por já ter sofrido o que qualquer outra pessoa diria não ser possível.

Quem saíra de madrugada pra beber mais do que o próprio fígado diria ser saudável. Que ligou para o apartamento do moreno por não ter condições de voltar para casa sozinho, como uma criança dependente dos outros. Que tirou Amber de casa, pra buscá-lo Deus sabe onde. Que estava com ela quando o acidente aconteceu.

Wilson sentia uma raiva ardente dentro de seu peito. Daquele tipo que arranha nossas entranhas, enquanto escalam as paredes de nossas gargantas tentando arranjar um jeito de sair.

Wilson queria, desesperadamente, odiá-lo.

Queria culpa-lo pela morte da mulher que amava. Simplesmente perdera a conta de quantas vezes relera o caso de Amber, apenas procurando um jeito de poder culpar House pelo que acontecera naquela madrugada fria.

Queria esquecê-lo por completo. Como se nunca houvessem se conhecido. Queria poder apagar todos os anos que haviam passado juntos.

Queria poder quebrar aquele círculo vicioso onde House sempre o puxava para aquele mundo miserável ao qual o grisalho era o próprio embaixador.

Queria, mas simplesmente não conseguia.

Parecia que a cada nova tentativa de esquece-lo, seu subconsciente lançava lembranças aleatórias dos anos que passara ao lado daquele homem. Conversas regadas de zombaria, noites com comida chinesa e cervejas geladas, casos estranhos e quase insolúveis, Monster Truck na TV. Tudo. E de repente, Wilson se via perdido numa maré cega de nostalgia e lembranças tão bem guardadas quanto seus bens mais preciosos.

Não sabia como esquece-lo.

Sabia que a culpa não era de House. Sabia, bem de mais, que House fizera tudo para salvar Amber. Ariscara a própria vida para fazê-lo. Wilson simplesmente não podia tentar culpa-lo apenas para que se sentisse melhor.

Mas seria mais fácil se afastar se Wilson o odiasse. E ele tinha de se afastar, se afastar da amizade doentia que perdurava entre eles. O problema é que ele não o odiava. Mal sabia se podia fazê-lo.

House sempre fora um fato em sua vida. Aquele tipo que completa sua rotina. House fizera parte de sua rotina por tempo demais. E mesmo assim Wilson nunca fora capaz de definir que tipo de relacionamento tinha com aquele homem.

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Fora tempo demais. Estava na hora de seguir em frente.

Mesmo que fosse difícil deixa-lo pra trás, Wilson teria que tentar.