Os dias se passaram e Tom começou a ficar com medo. Medo era uma definição pobre para o que sentia. Tom estava aterrorizado! Se um dia Mary e George perdessem Downton, ele se sentiria culpado. Afinal, se eles resolvessem seguir adiante com essa história, todas as portas se fechariam para Mary, tanto quanto se fecharam para Sybil. Mas Sybil não dava a mínima para isso e portanto isso nunca o preocupou. Sybil tinha adorado trabalhar, ter seu salário, cuidar da casa, adorava cozinhar, além de não ter intenção nenhuma de ter uma babá. Nunca tinha sido sonho de Sybil ser uma condessa, ela não se importava nem em ser chamada de lady.

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Mas Mary não era um espírito livre como Sybil, talvez ela morreria de desgosto se tivesse que viver em uma casa menor ou não ter uma criada pessoal para lhe atender todos os dias. Ele sabia disso, sempre soube, embora se permitia esquecer desses detalhes durante alguns poucos momentos de seu dia e de sua noite. Momentos em que ele se agarrava a ilusão de que a fazia feliz. Mas ele não queria arruinar a vida dela. Mary tinha todos os cavalheiros com os mais variados títulos e herança ao seu dispor. Ele sabia que o mundo estava mudando, e mudando mais rápido do que Downton conseguiria suportar, ainda mais com Mary e Robert gastando como se não houvesse amanhã.

—Eu gostaria de perguntar para seu pai se esse mês poderíamos economizar um pouco em compras supérfluas, como vinhos importados e charutos. Alguns vinhos são realmente muito caros. — Ele havia iniciado essa conversa de modo despretensioso com Mary.

—Ah Tom, por favor, não prive Papa desses pequenos e únicos luxos que tem, já é difícil suportar o fato de que ele pouco palpita sobre os negócios, se você sugerir algo do tipo para ele, encontraremos encrenca e o deixaremos de mau humor por vários dias. — Mary respondeu, como se fosse um crime Tom insinuar isso.

—Eu só gostaria que pudéssemos economizar um pouco, sabe, ter um pouco de dinheiro guardado para tempos difíceis, a vida tem sido muito incerta. E o que você acha então, de não comprarem tantas roupas, jóias e chapéus a cada mudança de estação?— Ele sorriu para Mary, embora a sugestão fosse séria.

—Você está brincando, não é? O que vão pensar de mim, quando me virem usar roupas de outras temporadas? Uma mulher sempre repara nisso. E jóias são sempre bons investimentos Tom, não precisa se preocupar.

—Downton é muito grande Mary, e temos além desta, 2 casas para manter, com empregados e toda a manutenção que elas precisam, o que você acha de ficarmos então só com esta mansão e a casa de Londres?

—Não posso me imaginar me desfazendo de nada, isso tudo um dia vai ser de George, nós estamos apenas cuidando disso para a nova geração. Tom, podemos mudar de assunto? Nada me aborrece mais do que falar sobre nossos gastos necessários! Eu sei que você não nos entende, nós somos aristocratas, nossa vida será sempre assim, como a de todos os nossos antecessores foram. Você não vê que até aqui o Universo tem conspirado a nosso favor? Vamos falar de algo mais interessante e deixar que o Universo continue fazendo a parte dele.

Se Mary se casasse com um afortunado, era bem provável que o Universo estivesse conspirando a favor de Downton, mas ele... ele era somente um pobre Irlandês, o chauffeur que caiu de gaiato dentro da família, que chegou em Downton Abbey mal tendo o que vestir. Ele era bom nos negócios, disso ele sabia, mas não conseguiria fazer milagres, por mais que a propriedade estivesse dando um pouco de lucro, os gastos eram excessivos. E a fonte de renda não era totalmente segura, o mercado era instável.

Aquilo deixava Tom muito angustiado. Mary não havia nascido pra se casar com um pobretão como ele, isso estava claro. E se continuassem com isso, os dois poderiam sair machucados demais. E talvez não só os dois saíssem machucados dessa situação. Haviam duas lindas crianças que não mereciam ser prejudicadas pelas pessoas mais importantes de suas vidas.

Ele a evitou o máximo que pôde durante vários dias, tentando fazer com que terminar com o que tinham fosse um pouco mais fácil. Na noite anterior havia inventado uma desculpa e dormido no quarto de Sibbie. Sugeriu a Cora que convidasse Blake ou Gillingham para um passeio em Downton novamente, talvez um deles se sobressaísse diante de Tom e assim ele fosse deixado de lado por ela. Talvez assim, ela não tentasse procurar novamente por ele durante suas noites solitárias. Ele não era de ferro, afinal de contas. Queimava de desejo por ela, tentava esconder sua excitação cada vez ela que se esgueirava em sua cama. Não podia levar isso além, se a possuísse, jamais conseguiria soltá-la. Jamais conseguiria deixá-la. Talvez ela se aventurasse no quarto de outro, caso tivesse a oportunidade. Tom se afundou em um ciúmes que o fez ranger os dentes, só de imaginar a possibilidade. Seria difícil como um inferno vê-la com qualquer outro homem.

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Mary era inteligente demais para ser enganada. Ficou mortalmente furiosa ao perceber o que Tom intentava fazer, e assim que teve a oportunidade de encontrá-lo sozinho na biblioteca, foi até lá ter uma conversa séria com ele.

—Eu poderia jurar que você está me evitando! O que foi Branson, a brincadeira deixou de ser divertida?— Mary quando nervosa, adotava seu tom mais frio e arrogante. Não suportava ser deixada de lado.

—Branson?! Vai querer me dar o uniforme de motorista novamente, milady?— Ele poderia tolerar qualquer pessoa o chamando de Branson, mas ouvir Mary tratá-lo com desdém inflamava seu temperamento irlandês.

—Você sabe muito bem o que eu quis dizer, Tom! Você de novo com os discursos chatos do velho Branson, tratando a mim e a minha família como um bando de opressores ao comprar um bom vinho ou uma boa roupa, como se não tivéssemos o direito de desfrutar de nossa fortuna! Só falta você dizer agora que ainda acha que esse não é o seu lugar, que você pensa em voltar para Irlanda, ou ir para a América! Depois de tudo o que aconteceu entre nós, depois de como o acolhemos, você ainda vive tentando nos tirar da sua vida, como se não fossemos nada! Confesse, não é isso?

Ele nunca tinha visto Mary tão alterada, seu sangue irlandês fervia em suas veias e se viu tremendo. Ele a desejava. E estava irritado. Ao mesmo tempo que queria beijá-la e falar toda a verdade sobre seus medos, ele entendeu que essa era a oportunidade que esperava para por um fim em tudo. Ia doer, mas talvez doesse por pouco tempo e fizesse menos estragos do que a outra alternativa.

—Quer saber, Mary? Eu não posso acreditar que vai ser diferente, ou que tudo possa ter mudado entre nós! Nada mudou, ainda somos iguais! Eu sou o pobre irlandês que não suporta a vida da aristocracia, você ainda é a moça aristocrata que precisa de jóias, dinheiro, luxo... tudo aquilo que eu detesto, tudo aquilo que eu jamais poderia te dar. Acho que no fundo, foi o que você sempre disse, mas eu não quis escutar. Acho melhor não nos vermos mais. Não desse jeito! Não quero mais as visitas em meu quarto. Não devemos mais nos abraçar e beijar como se nos pertencêssemos de alguma forma. Não nos pertencemos. Somos inapropriados de todas as formas e isso tem que parar.

—Um dia, você me ama, me abraça, me segura, me beija, diz que seu lugar é aqui comigo, no outro, diz que não quer mais me ver, eu não sei o que há de errado com você!— Mary disse perplexa e magoada.

—O meu erro, Mary, foi crer que estar ao seu lado bastaria...ah Deus, era realmente tudo o que eu queria, mas eu percebi que isso é loucura, Mary, loucura! Vamos acabar com isso enquanto ainda se pode salvar algo, porque eu gosto de você. Mesmo sendo nós ainda tão iguais nas nossas mesmas diferenças, o que torna tudo isso impossível, eu gosto de você! —Ele disse, acenando no ar, desgostoso. —Então, sobre nós, sobre tudo isso, não continue a me procurar, não vamos olhar pra trás. Isso acaba aqui!

—Você tem razão Tom! Foi meu erro também acreditar que estar ao seu lado bastaria! Até em sonhos cheguei a lhe implorar, pedindo para que não me abandonasse jamais... mas não peça para agir como se nada tivesse acontecido, e se não for capaz de cumprir, nunca mais me faça promessas de que vai ficar!

Ela jogou um livro na direção dele, saindo às pressas da biblioteca. No dia seguinte, seus olhos ainda acordaram úmidos e sua cabeça doía. Ela não voltaria a visitá-lo. Não voltaria a desejá-lo com a intensidade que o havia desejado. Ansiando por seu corpo aquecendo o dela. Ele não a queria.

******

Tom não dormiu a noite toda também, o corpo inflamado pela falta dela em seus braços. O peito dolorido pela fatalidade da situação que regia a impropriedade do relacionamento deles. Resolveu escrever uma carta para Mary, já que o sono não viria e tantas coisas haviam sido ditas pela metade.

"Querida Mary,

Sei que ontem à noite as palavras saíram de forma equivocada entre nós... eu nunca quis lhe ofender, nem você, nem sua família. Estou há tempo suficiente vivendo entre vocês para saber que são pessoas maravilhosas que conquistaram um pedaço enorme do meu coração. O que eu sinto por você, tem me doído o peito só em pensar, porque sei que é errado e você também sabe. Tudo iria mal. E eu só queria que tudo isso terminasse bem, que eu pudesse continuar aqui ao seu lado sempre que precisasse, só que de outro jeito, como era antes, apenas amigos que se entendiam muito bem. Eu não vou quebrar a minha promessa, ficarei em Downton com vocês, aqui ainda é o meu lugar, só que não do seu lado, entende? Não do jeito que queremos. Eu quero Sybbie crescendo com George e se eu fosse embora, talvez eu acabasse morrendo saudades. Amo esse menino como se fosse meu, e amo você. Se você quiser que eu vá embora, entenderei perfeitamente, e farei isso tão rápido quanto puder; mas se quiser que eu fique, ainda serei seu amigo, confidente, ainda cuidarei de George, embora eu espero que um dia ele possa ter alguém para chamar de pai. Ficarei até que encontre um homem muito melhor que eu para garantir que Downton seja o que você precisa, segura e próspera. Vamos dar tempo ao tempo, feridas maiores já cicatrizaram, tanto em mim quanto em você. Se eu te magoei, lhe imploro o seu perdão, só não me odeie, pois isso eu não poderia suportar. "

*****

Quando Mary enxugou os olhos marejados e abriu a cortina, viu o pequeno pedaço de papel caído perto da porta, leu e releu tantas vezes pôde, tentando digerir cada palavra escrita por ele. Ela tentou odiá-lo, mas foi em vão, nunca seria capaz. Pensou em tudo o que ele teria que suportar caso quisesse se casar com ela, humilhação, preconceito, rejeição, isso era realmente uma loucura. —Na verdade, meu doce rapaz, acho que você é uma pessoa muito melhor do que eu, eu não mereço você.— sussurrou, dando um beijo na carta que guardava seus sonhos despedaçados. Ela resolveu, depois de se permitir chorar dolorosamente a despedida de um amor tão fugaz e ao mesmo tempo tão forte que temia nunca conseguir superar, escrever algo para ele também:

"Querido Tom,

Você tem toda a razão, isso não terminaria bem se não terminasse desse jeito, tão breve começou. E eu não quero te perder, espero que você fique, egoísta como sempre fui. Eu vou precisar de um tempo para assimilar tudo e me resignar sobre o fim que todos os meus sonhos tiveram. Você e Sybbie são muito importantes para mim e para George, eu jamais seria capaz de te odiar, quando te amo tanto e acima de tudo.

Me perdoe pela grosseria de ontem à noite, você não merecia aquilo, quando só tentava encontrar uma saída decente para tudo. Tenho feito tudo mais difícil para você, me esgueirando à sua procura quase todas as noite. Espero que tão breve possamos voltar a nos falar tal qual fazíamos antes, meu querido amigo. Um amigo que espero ter por toda a minha vida. Você merece uma vida segura e feliz, como sei que deseja o mesmo para mim. Eu apenas queria que a vida não fosse tão difícil para nós, e estarei aqui, disposta a minimizar sua infelicidade.

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Com todo o carinho e afetuosidade que tenho por você, e sempre terei,

sua amada Mary"

Ela deixou no quarto dele antes de descer para o almoço, à noite eles trocaram um sorriso discreto, satisfeitos por ainda terem o carinho e amizade um do outro, embora por dentro seus corações estivessem despedaçados.

Mais de um mês e algumas semanas seriam o suficiente para que eles voltassem a ser quase como melhores amigos novamente. Eles se gostavam demais para deixarem de se falar. Sempre haviam se entendido tão bem! E a chama da paixão que havia se inflamado entre eles, já que não conseguiram apagá-la, esconderam-na debaixo de uma redoma e a fecharam a sete chaves no recôndito mais escuro de suas almas.

"Nosso erro foi crer, que estar ao lado um do outro bastaria, mesmo que isso fosse tudo o que a gente mais queria..."