Vivendo uma canção

Não me abandone


Hiccup sabia que as coisas não eram como o esperado. Já deveria ter aprendido isso, afinal de contas. Não que ele fosse idiota o suficiente para esquecer-se que Jack não era perfeito. Mas às vezes ele esquecia.

Ele chegou a pensar em aguentar, pelos dois. Tê-lo perto bastava. Ele chegou a fingir que acreditava nas promessas de Jack. Mesmo.

Mas era simplesmente impossível. Não, agora ele não queria mais acreditar.

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Mesmo agora. Enquanto trancava-se dentro do quarto e escorria pela porta, com lágrimas no rosto e soluços contidos. Ele não podia deixar que Jack ouvisse o tamanho de sua tristeza. Ele simplesmente não podia.

–Hiccup, por favor, abra. Vamos conversar. Por favor, Hiccup. O que aconteceu?

Como Jack podia ser tão hipócrita? Hiccup segurou os cabelos, tentando conter o choro. Como ele podia simplesmente fingir que não sabia de nada?

Hiccup pediu, implorou. Hiccup fingiu, pelos dois. Ele manteve aquele relacionamento estável e ele segurou os piores momentos. Ele, sozinho. Para que Jack nunca precisasse preocupar-se. Como ele poderia olhar para o namorado, agora, depois de tudo que passara? Ele simplesmente não queria mais saber do outro.

Vê-lo, ouvi-lo, senti-lo... Ele não podia mais simplesmente ignorar a dor em seu peito.

Hiccup fechou os olhos, ignorando veemente o namorado.

Ou seria ex-namorado?

–Eu... vou te esperar, Hiccup. Por favor... converse comigo.

Aquilo só fez com que ele chorasse ainda mais. Olhou para a cama de casal, cansado, pensando que talvez dormir fosse o melhor a ser feito agora. Mas então os dias com Jack voltaram, e ele simplesmente não encontrou forças para levantar-se.

Encolheu-se no chão e fechou os olhos novamente, buscando forças para somente dormir. É, isso, dormir. Ele precisava dormir, afinal de contas. Depois ele pensaria, agora ele precisava dormir.

...

Jack escorregou pela porta, as lágrimas silenciosas traindo a calma falsa que ele queria passar. Ele não conseguia entender Hiccup às vezes. Não que ele não o entendesse, ele o entendia, mas ele não queria entender.

Não daquela vez, pelo menos.

Ele não conseguia encontrar seu erro. Certo, seu trabalho demandava tempo. O último demorara semanas, mas Hiccup não precisava ficar assim...

Não, a culpa não era de Hiccup. Jack estava se equivocando por causa da dor de ser negado. A culpa era dele mesmo.

Droga, ele devia ter voltado. Ele devia ter estado ao lado do namorado. Ele, não aquela maldita amiga dele...

Seu ciúmes era infundado, também. Astrid superara Hiccup há muito. Jack tinha que parar de criticá-la.

Mas, pelos deuses, como ele poderia simplesmente ignorar que ela estava lá e ele não?

–Eu... vou te esperar, Hiccup. Por favor... converse comigo.

Ele ouviu quando seu namorado mexeu-se. Ambos encontravam-se na porta, um de cada lado, sentados, com seus malditos orgulhos. Por que as coisas sempre chegavam a esse nível? Por que Jack não conseguia ver seus erros antes, e superá-los? Ele não sabia, mas o relacionamento entre eles, uma e outra, chegava nessa etapa de falta de compreensão.

Ele precisava fazer Hiccup conversar.

Mesmo que demorasse dias, ele precisava fazer Hiccup conversar. Ele realmente ia esperá-lo. Ele tinha que reparar seus erros, antes que fosse chutado de vez. E simplesmente não conseguia imaginar sua vida sem seu amor ao seu lado. Como diabos viveria sem aqueles olhos verdes tão infantis? Como poderia cuidar de uma casa sem a ajuda daquele bagunceiro?

Jack não conseguia imaginar uma vida sem Hiccup. Eram anos juntos, ele conhecia o namorado melhor que a si mesmo. E sabia que era igual para o outro. Tinha certeza.

Talvez... Não, ele precisava encontrar outro emprego. Era sempre culpa da distância. Mesmo que Hiccup sempre o incentivasse, ele sabia que o outro sofria. Ele levava tudo sozinho para que Jack não se preocupasse, mas ele se preocupava. Eram namorados, amantes, droga, estavam praticamente casados. Moravam juntos há quase cinco anos. Como diabos ele não iria se preocupar com as mudanças radicais de Hiccup? Seu namorado não sabia enganá-lo. Ele nunca conseguira esconder nada.

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A notícia teria que esperar, afinal de contas.

Jack ouviu a campainha tocar. Pensou se devia levantar-se, ou se devia simplesmente ignorá-la. Ela tocou novamente, mas ele continuou sentado, sentindo a porta atrás de si enquanto lágrimas continuavam a cair. Ele precisava que Hiccup conversasse com ele.

A pessoa que fosse embora.

Jack ouviu o berro de Astrid, mas simplesmente fechou os olhos. Assustou-se com o movimento atrás da porta, mas sabia que o outro não iria simplesmente abri-la. Mas era uma chance. Ele sabia reconhecer chances. Ajoelhou-se e apoiou as mãos na porta, encostando o ouvido direito. Ele rezou, fechando os olhos, pedindo com todo o fervor que possuía.

“Uma frase, Hiccup, apenas uma frase.”

–Jack, atenda a porta, por favor.

Apesar da voz fraca, arrastada e completamente rouca, Jack sorriu. Sua chance. Sua maldita chance. Ele nunca fora tão feliz em sua vida. Soltou um suspiro alto e controlou-se para não rir, limpando as lágrimas rapidamente, ainda com um sorriso idiota no rosto.

–Promete conversar comigo?

Um momento de silêncio. Mesmo assim o sorriso não abandonou seu rosto.

–Eu... tá.

Era tudo que precisava ouvir para levantar-se rapidamente e correr para a porta do pequeno apartamento, abrindo-o com certa brutalidade e abraçando a loira raivosa fortemente. Por segundos, ela não entendeu absolutamente nada, mas, depois de olhar para o rosto chorão de Jack, soltou um suspiro longo, já entendendo a situação que se metera.

–Aonde ele está?

Jack apontou para que a loira entrasse, pedindo se ela aceitava alguma coisa para beber. Estranhamento ela não estava acompanhada do namorado, mas, naquele momento, aquilo não importava.

–Trancou-se no quarto. Assim que cheguei.

–Você foi um idiota.

Jack suspirou.

–Eu sei.

...

Soluço continuou sentado atrás da porta, ouvindo seu namorado conversar com sua melhor amiga. É, ele não tivera tempo para dormir, afinal de contas, e provavelmente nem conseguiria. Mas ouvi-los conversar era calmante, na verdade. Ele tinha que admitir, a culpa não era completamente de Jack. Mas ele estava tão cansado de ficar tanto tempo sozinho. Ele não conseguia superar a dor que sentia, e ele simplesmente não queria voltar a solidão.

Ele, apesar de tudo, precisava de Jack.

Mas Jack fora tão idiota. Seu pai morrera. Seu pai morrera e fora enterrado há três dias. Jack demorou quatro malditos dias para chegar desde a morte dele. Uma semana desde que o pai fora internado. Como Hiccup poderia ignorar aquela dor? Seu namorado não estava ao seu lado quando mais precisara. E eles tinham, o que... dez anos de namoro? Cinco que moravam juntos?

Ele ouviu o arrependimento na voz do namorado, enquanto sua melhor amiga esculachava-o. Era o jeito de Astrid. Ela nunca iria dar apoio. Ela iria fazer Jack sentir-se ainda pior, mas era para que ele visse seu próprio deslize. Avalanche, mais corretamente.

Mas Hiccup não pode deixar de sorrir com a falta de delicadeza da amiga.

Ouviu-a despedir-se, assim como ouviu-a gritar um “saia dai, idiota”. Depois ouviu novamente um barulho na porta do quarto. Ele sempre preferira um apartamento pequeno. Mesmo que Jack estivesse bem no emprego, era milhares de vezes mais prático para os dois aquele pequeno local.

Eles gostavam, apesar de tudo.

–Hic...?

Hiccup levantou-se, abrindo a porta.

Não me abandone, Jack. Nunca mais.

Jack sorriu. Aquele maldito sorriso que fez Hiccup chorar ainda mais. Porque, é, Jack fora um idiota, mas ele sabia como compensar suas idiotices.

–Eu ia contar antes, eu pedi demissão. Nem vou fazer os trinta. Sinto muito, Hic.

Jack acalentou Hiccup no abraço, deitando-se com ele na cama de ambos.

Ok, as coisas iam melhorar. Eles iam trabalhar, juntos agora, para que elas melhorassem.

Era um passo andado, afinal de contas. Hiccup não precisava mais levar tudo nas costas.

Jack estava ali, afinal de contas. Jack finalmente estava ali. Hiccup se aconchegou no namorado e dormiu tranquilamente, pela primeira vez em dias.

E com um sorriso.

Porque Jack estava ali, e eles iam fazer diferente agora.