Vivendo uma canção

Can't remember to forget you


Jack simplesmente não conseguia. Ele não conseguia se afastar daquela pequena vila. Não conseguia deixar seu amor sozinho, abandoná-lo e partir para longe.

Mesmo que o outro tivesse feito isso.

Sabia que não era proposital, mas ainda doía.

Apoiou-se em seu cajado, observando a lua cheia com enorme tristeza. Ele tinha raiva, também. Ele sempre tinha raiva, no final de tudo, mas era a melancolia que dominava-o na grande maioria das vezes.

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Deuses, porque diabos ela tinha de fazer isso?

Mas ele já tinha desistido de perguntar, o Homem da Lua nunca lhe respondia, de qualquer maneira. Podia falar com o Sand, que deviam entender-se maravilhosamente bem, com a Fada, tão hiperativa que não deveria deixar que o Homem da Lua falasse, com o Norte, aquele velho crianção, até mesmo com Coelhão. Puta, que, pariu, com Coelhão, aquele mau humorado.

Jack ficava realmente estressado quando lembrava-se disso. O Homem da Lua sabia como ser um filho da puta quando queria.

E isso trazia ainda mais dor ao seu peito. Ele nunca pensou que fosse doer tanto. E talvez fosse por isso que ele não se afastava, talvez fosse por isso que ele continuava quase todo o inverno naquele pequeno lugar. É, só podia ser por causa disso.

Aquela dor existia porque existiram momentos bons, e Jack tinha de manter aqueles momentos vivos. Era o motivo dele ainda sorrir, de vez em quando. Era o motivo que o fazia continuar “vivendo”.

Porque Hiccup podia ter crescido. O Viking podia ter esquecido completamente sua existência com o passar dos anos. Ele podia até mesmo dar risada quando algumas crianças lhe falavam de Jack Frost. Uma risada descrente, mas que sempre terminava com um sorriso curto. Mas Jack ainda acreditava. Ele acreditava pelos dois. Ele ainda lembrava pelos dois. O guardião sentia pelos dois.

E era isso que lhe trazia sorrisos por entre as lágrimas. Porque eles existiram, e Jack manteria a lembrança viva, mesmo que isso significasse continuar a sofrer. Ele sabia, ele tinha que esquecer, mas ele simplesmente não conseguia.

Ele não podia.

E era isso que o fazia ficar durante todo o inverno de Berk. Um inverno não tão curto assim. Ele brincava com as crianças, ele trazia a alegria, fazia nevar, mas ele ficava mesmo para observar Hiccup.

Hiccup e sua namorada.

Hiccup e o grande chefe que ele se tornara.

Hiccup e o fim do relacionamento.

Hiccup envelhecer.

E Jack ainda mantinha a memória dos momentos em que eles passaram juntos viva. Ele se lembrava, enquanto observava Hiccup, e sorria.

Porque seu pequeno Viking se tornara um grande chefe.

E Jack sentia-se orgulhoso por isso.

...

Jack observou mais uma vez a luz, com um sorriso saudoso. Ele já não guardava tanto rancor do velho. Passaram-se tantos anos que a dor era só uma pontada, de vez em quando, em seu peito. Mas ela ainda existia, mesmo que ele tivesse aprendido a ignorar.

Jack sentou-se sobre o telhado de uma cabana, o pequeno vilarejo silencioso. Lembrava-se que há muitos anos o lugar estava um verdadeiro inferno. Dragões contra Vikings. Uma verdadeira e eterna batalha.

Que mudara por causa de Hiccup.

Hiccup não era mais um garoto. Na verdade, ele acreditara em Jack mais que a grande maioria. Certo, não eram muitos que podiam vê-lo, mesmo depois de tudo que acontecera. Mas seu pequeno Viking acreditara nele por muito mais tempo que a grande maioria dos poucos que acreditavam nele.

Jack era feliz com esse pouco, na verdade, porque era melhor que a inexistência de antes.

Olhou para a grande lua cheia. Ela sempre lhe trazia fortes lembranças. Como o dia que, desajeitadamente, Hiccup puxara-o pelo casaco e o beijara. De forma trêmula. Jack nunca sentira seu coração bater tão forte.

E ele tinha certeza que Hiccup também sentira-se daquela forma.

E suas mãos frias o seguraram pelo colete.

Ele sentira-se completo naquela noite, pela primeira vez.

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E o sorriso envergonhado de Hiccup, depois de tudo, era o que lhe valia a pena. Aquela era uma das suas melhores lembranças. E até hoje trazia um sorriso aos seus lábios.

Jack levantou-se com a inesperada agitação da vila. Algumas pessoas reuniram-se ao redor da velha grisalha. Era a antiga namorada de Hiccup, que casara-se com um estrangeiro e tivera filhos. Ela chorava, assim como outras pessoas passaram a chorar.

O guardião sentiu seu peito acelerar, de uma forma negativa. A angústia tomou conta dele novamente.

Não podia ser verdade.

Certo, ele vira Hiccup envelhecer, mas, aquilo, era impossível.

Voou para dentro da casa, pela porta aberta, e parou ao lado do velho corpo. Imóvel. Sem batimentos ou respiração. Sem vida.

Jack deixou que algumas lágrimas caíssem enquanto se aproximava do corpo. Inclinou-se sobre ele e beijou seus lábios, uma última vez, sentindo o peito apertar com a dor da perda. Ele lembrara pelos dois. Ele mantivera as lembranças vivas, mesmo que soubesse que deveria esquecer e deixar para lá. Ele voltara para visitá-lo, sempre.

Ele amara-o mesmo que Hiccup não lembrasse dele.

–Sabe, se não fosse meu corpo, eu meio que ficaria com ciúmes.

Jack não pode acreditar. Os olhos se arregalaram enquanto o coração parecia parar por alguns segundos, assimilando o susto. E a voz. E a risada. E a presença.

Nunca virara tão rápido em sua vida.

Era ele. Era Hiccup. Seu antigo Hiccup. Aquele menino franzino meio desastrado. O menino de sorriso torto e sardas no rosto. O menino com os olhos verdes mais curiosos que existia na Terra. O seu menino.

–Como...?

Jack não conseguia entender. A mão voou para os cabelos platinados, segurando com força enquanto tentava assimilar a situação. Olhou para trás, vendo o corpo morto de Hiccup, e olhou para a frente, vendo o espírito de Hiccup.

–O Homem da Lua disse algo sobre uma vaga disponível. – O sorriso de Hiccup era aquele sorriso lindo que Jack sempre amara. Meio irônico, mas também verdadeiramente divertido. – Sabe, algo sobre ser o espírito do outono. Não vamos nos ver tanto, mas espero que seja o suficiente para me desculpar.

Jack chorou. Chorou de alegria. Chorou com a feliz surpresa. O Homem da Lua sabia como ser um filho da puta quando queria. Mas ele nunca fora tão filho da puta como fora nos últimos anos. Ele planejara tudo aquilo.

No segundo seguinte já segurava Hiccup entre os braços e o beijava, como nunca fizeram antes.

Eles não iam se ver tanto quanto gostariam, mas tinham a eternidade pela frente. Poderiam cuidar de seus afazeres e fugirem juntos de vez em quando.

Sim, eles podiam.

O Homem da Lua sabia como ser um filho da puta quando queria.

Mas Jack nunca fora tão feliz em toda sua eternidade quanto agora. Porque agora Hiccup estava ao seu lado. Para sempre.

–Ah, ele disse algo sobre ter a sua idade. Eu ainda tenho uma meia perna. – Jack riu ainda entre lágrimas. O sorriso de Hiccup não vacilou nem um segundo.

A casa foi deixada para trás. A vila, a ilha, o continente.

Jack beijou Hiccup sob a lua cheia novamente.

Fizera bem em manter as lembranças vivas pelos dois.

Ele tinha que agradecer o Homem da Lua mais tarde.

Mais tarde, agora ele ia aproveitar Hiccup.