Rainha dos Corações

Uma xícara de chá | Mayrelles e Allice


O grande relógio folheado a ouro do segundo andar marcava oito horas da manhã. O silêncio ainda percorria os corredores do Palácio, trazendo um clima sossegado. Para as Selecionadas, a calmaria era um privilégio, pois, pela primeira vez em uma semana, não iriam à Academia.

No meio da sala de banho do segundo quarto do corredor, uma fumaça leve saia da banheira. Duas criadas, uma loira e outra morena, corriam de um lado para o outro trazendo cada vez mais água quente, para manter a temperatura. Elas, para deixar as Selecionadas descansarem, teriam de trabalhar em dobro.

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Naquele quarto, uma moça de cabelos cor de mel e pele pálida, com uma expressão serena no rosto, estava sendo banhada. Atrás dela, a terceira servente penteava suavemente as longas madeixas. Mayrelles nem estava mais acostumada com tanta mordomia, tratamento que tinha em sua casa, já que era Dois.

Terminado o banho, um grande roupão branco foi trazido para cobrir os 169 centímetros da Selecionada. Nenhuma farda ou roupa social seria colocada nela naquele dia, a princípio. Poderia ficar deitada o dia todo na cama de pena de ganso. Poderia conhecer melhor suas criadas. Enfim, só o que ela faria era descansar e curtir o maravilhoso Palácio de Amalienborg.

— Larissa, você está bem? – perguntou May para a servente morena de olhos verdes, enquanto ela fazia um elaborado penteado em seus cabelos.

As duas se encaravam pelo espelho que ocupava metade de uma parede. Durante a primeira semana, a servente se mostrou reservada e até um pouco distante. A Selecionada resolvera deixa-la e não forçar a barra, porém era preocupante vê-la com uma expressão tão triste.

— Não é nada, Senhorita, você não precisa se preocupar. – ela alego, sem tirar os olhos do seu trabalho no cabelo.

May, sem acreditar na resposta, continuou encarando a morena. Não aguentava ver alguém aborrecido, ela precisava ajudar. Porém, como não conhecia muito bem a serviçal, não fazia ideia de como ampara-la. E só olha-la através do grande espelho, com certeza, não adiantaria.

Ela, então, se virou para trás. Até aquele momento, não tinha percebido o quão bonito era a cor dos olhos de Larissa. Era um tom verde-escuro com pontos castanhos aqui e ali. Linda. Aliás, tudo nela era atraente, era uma pena ela não poder participar da Seleção.

Ainda observando sua criada, Mayrelles abriu a boca para falar. Infelizmente, uma batida na porta foi ouvida. As quatro presentes olharam para o outro extremo do quarto, assustadas. Quem poderia ser?

Hanna, a criada loura e alta, correu até lá, desarrumando o grande tapete asiático que ajeitara mais cedo. A agitação podia ser percebida em um simples passo, que era quase um pulo. Quando viu o guarda fardado encostado à batente, parecia que iria enfartar. May não conseguia ver o sorriso, mas ela sabia que ele estava no rosto da servente. Provavelmente, nem sabia do que se tratava a visita do guarda.

“Será que tem algo a ver com o Príncipe?“ A Selecionada se perguntou, estranhado a animação exagerada de Hanna. “Será que houve um engano ontem na eliminação? Eles me mandarão embora?”

— É uma carta! É uma carta! – gritou a loura, indo, apressada, até as outras três.

Mayrelles observou o envelope cor de ocre que fora posto em suas mãos. Ele era simples, sem adornos como a carta de inscrição, por isso ela imaginou o pior. Devagar e com receio, ela retirou o papel branco do invólucro. As cinquenta palavras contidas ali estaam escritas com uma caligrafia perfeita. Os traços eram leves, mostrando a gentileza do escritor, e em guirlandas, mostrando sua sensibilidade.

— Quer ajuda, Senhorita? – perguntou Amélia, se inclinando para ver o bilhete.

Por conta da dislexia, May tinha muitas dificuldades na área escrita. Para ela, ler um pequeno texto já era complicado. Quando chegou ao Palácio, contou às criadas toda a história: de como fora diagnosticada com 12 anos, trazendo o desprezo por parte dos pais e do irmão gêmeo e que, desde então, lutava para vencer os obstáculos. Elas, diferente de sua família, entenderam sua situação e tentavam auxilia-la de todas as formas.

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— Eu consigo... – admitiu a Selecionada, direcionando toda sua atenção para o papel em suas mãos.

“Querida Selecionada,

Esta semana está reservada para nós nos conhecermos melhor. Tenho permissão para leva-la para qualquer tipo de encontro. Por esse motivo, eu quero dar o primeiro passo para conhecer você em um chá matinal hoje.

Encontre-me na Sala de Reuniões às nove horas.

Estarei esperando ansiosamente.

P.H.A.C.A.L. ”

Depois de muito esforço, May levantou a cabeça para encarar as serventes. As três, por sua vez, estavam inclinadas, tentando ler a carta sobre os ombros da garota. A cena era, no mínimo, hilária, visto que elas geralmente eram muito discretas.

— Quem é Phacal? – ela apontou para a última linha, virando a cabeça para Amélia, confusa.

— É a sigla de Príncipe Herdeiro Alexander Christian Albert Louis. – ela respondeu rindo.

Os olhos escuros da Selecionada arregalaram automaticamente. Ela abaixou a cabeça, incrédula. Não conseguia processar a informação. Encararou as pequenas mãos, com a esperança de que a cor verde das unhas a acalmasse.

Não conseguia acreditar.

— E você tem um encontro com ele em menos de uma hora! Precisamos arruma-la! – Hanna articulou, já abrindo uma das grandes portas do armário.

****

Allice pensara que o encontro era só para ela. Afinal, o Príncipe escrevera a carta toda no singular, sempre você, nunca vocês. Porém, ela teve uma surpresa quando se deparou com outras vinte garotas dividindo o espaço da Sala de Reuniões. A julgar pela expressão das demais, nenhuma sabia que o encontro seria em conjunto.

O aposento onde se encontravam era um tanto pequeno para o grande número de pessoas, porém era aconchegante. Diferente das outras salas do palácio, ele era revestido por uma madeira rústica, fazendo par com os móveis. O chão era coberto por carpete verde, que dava um ar mais receptivo ao local. Para Lice, o lugar trazia lembranças da infância, quando o armário de livros do Rei servia como esconderijo nas brincadeiras de esconde-esconde. Como queria que aquele tempo voltasse...

As meninas em volta de Allice não conversavam. Talvez porque a competição realmente esquentara desde a eliminação, no dia anterior. A maioria encarava a porta de onde, supostamente, o príncipe sairia. Outras ainda estavam sem graça por conta da surpresa. Os vestidos que usavam eram simples, como o de Lice, pois as criadas não tiveram tempo de criar um visual fantástico em tão pouco tempo, porém todas iluminavam a sala escura.

Allice, por sua vez, só conseguia encarar o chão. Ela estava nervosa. Aquela era a primeira vez que as Selecionadas se encontravam com o príncipe a sós e era também a primeira chance dela de conversar com o amigo de longa data. Mas será que ele a reconheceria?

Após alguns minutos, às nove horas em ponto, Alexander apareceu por detrás das portas de vidro fosco, sem cerimônias. Como sempre, vestia uma camisa social branca e uma calça preta, parecendo sexy e elegante ao mesmo tempo. Allice pôde ouvir os suspiros baixos de algumas competidoras. Afinal como resistir àquele meigo rapaz?

— Olá, senhoritas. – disse ele, com a voz doce que Lice tão bem conhecia. – Fico muito feliz por todas estarem presentes. Não teremos entrevistas, porém eu tentarei conversar com todas vocês. Agora, aproveitem as deliciosas guloseimas e os suaves chás preparados especialmente para vocês.

Ele apontou para a mesa que se localizava no lado esquerdo da sala. Em cima dela, doces e salgados de todos os tipos estavam distribuídos, formando uma harmonia perfeita de cores e aromas. Até a toalha complementava a apresentação, sendo verde-azulada. As cozinheiras do Palácio sempre achavam um jeito de surpreender.

Como as outras garotas, Allice se aproximou da mesa e serviu um pouco de chá, sem saber o que escolher entre tantas guloseimas. O Príncipe circulava, sem comer nada, com as mãos para trás. Ele parecia avalia-las, tal qual sua mãe, a Rainha, fazia quando estava perto. Com certeza, isso causaria medo por parte das Selecionadas.

Allice estava com a xícara nos lábios de uma maneira constrangedora quando seus olhos se encontraram com os de Alexander. Com sua expressão ele expressava, inconscientemente, confusão. A garota abaixou a peça de porcelana, a fim de sair da posição embaraçosa, ficando apenas com o gosto leve de baunilha na boca. Para sua surpresa, o menino ainda a encarava.

— Allice Rangel? – questionou ele, quase murmurando. – Lice?