O Pássaro do Gelo

Capítulo 15


Capítulo 15

Camila parou de ler completamente atordoada. Saiu do quarto em busca da mãe. A história não poderia parar ali.

–Mãe?

–Oi, Camila.- A mulher se encontrava sentada em frente ao computador. Uma tela em branco no word parecia o objetivo vicioso dos olhos da mais velha.

–Você fez?

–O quê?

–Os outros capítulos?

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Por um instante os olhos da mulher faiscaram, como se tivesse recebido uma injeção de vida novamente.

–Não apenas fiz: eu quase acabei! Só falta um capítulo.- Ela sorriu.

– Quase acabou? Como assim? Quando? - A menina estava eufórica.

–Antes de seu pai falecer eu já tinha escrito quase todos os capítulos. Depois que ele morreu, enquanto você estava trancada no quarto, eu fiz a outra parte. Agora só falta o final.

Camila fitou a tela em branco do computador.

–É ele?

–Não.

– Então...?

–Não consigo escrever. Estou cansada. – A mulher desligou o computador.- Os outros capítulos estão no armário de seu pai. Pode pegar se quiser.

Camila olhou sua mãe com carinho e saiu correndo em direção ao quarto dos dois. Não demorou a achar o livro quase terminado. Estava logo na primeira gaveta.

Sentou na cama da mãe e iniciou a leitura.

Mayta estava presa e Vougan furioso.

–Elvira eu exijo que liberte Mayta agora mesmo!

Os dois estavam no meio da floresta, o dia estava estranhamente nublado agora, como se o sol tivesse vergonha de aparecer em uma data tão dolorosa.

–Ou o quê? - Ela o fitou com raiva. Vougan se calou. “Ou o que? ” O que raios ele poderia fazer para ajudar, Mayta?

–Ela não é a culpada, Elvira. Você é inteligente, não se faça de idiota. Sabe muito bem que o pássaro do gelo jamais mataria nossa mãe.

–Pare de chama-la assim. – Sibilou- É uma assassina, Vougan. Não vê? – Ele riu sarcástico deixando a noiva furiosa. Elvira avançou e deu-lhe um tapa forte no rosto. Os olhos cheios de lágrimas refletiam o desespero que sentia.- Ela matou nossa mãe, seu imbecil. Pare de dizer que não!

Vougan a fitou surpreso. Não prevera a agressão. Após entender o que tinha ocorrido, cruzou os braços e esperou.

–Você... Você só pensa em si mesmo!!- Desabafou- Minha mãe morreu. Meu povo morreu e você só sabe defender uma pragazinha! Por quê? Me diga, Vougan, por quê?- Gritou.

Nesse momento os dois se entenderam de formas diferentes. Vougan enxergou a mulher prometida a ele como um ser amargurado, repleto de tristeza, perdida.

Elvira o viu como um homem cujo coração jamais seria dela. Fitava-o nos olhos, mas não encontrava refúgio ou amparo. Ela estava sozinha. O pai sumira, seus tios não a amariam depois daquilo, a mãe se fora, a prima era uma assassina e o homem que amava... Não a amava. Apenas a enxergava como um monstro. Aquela que mataria a verdadeira dona de seu afeto.

Piscou os olhos e decidiu. Antes estivera até balançada, em dúvida, mas naquele momento decidiu o que faria.

–Você a ama, não é? - O chão era o objeto de sua atenção enquanto aguardava a resposta.

Vougan nada disse. Antes que Elvira pudesse reagir sentiu os abraços quentes e acolhedores a envolverem.

–Pare de levar tudo para esse lado. – Sussurrou cansado. “Uma facada doeria menos?” Se perguntou a Rainha. Como podia estar se sentindo tão maravilhosa nos braços daquele homem, enquanto o idiota se esquivava da pergunta (para não magoa-la mais do que já estava, óbvio) cuja resposta ela já obteve em seu silêncio. Ele amava Mayta. E só por isso ela disse o que disse em seguida.

–Tire-a daqui.

–O quê?

–As Damas e as Vilas virão logo, para o julgamento... Tenho certeza que todos os que conseguem voar estarão presente para os ritos de morte de nossa mãe. –Ela enterrou o rosto no pescoço do noivo permitindo-se mostrar fraqueza, um pouco da dor que sentia refletida nas lágrimas que rolavam de suas bochechas para o peito do jovem- Vou providenciar para que Mayta tenha um tempo sozinha antes de ir para a forca ou durante a reunião coma as Damas. Nesse momento, tire-a da prisão.

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O rapaz estava surpreso com a mulher frágil em seus braços.

–Por que acha que ela será condenada?

–Ela matou nossa Vila. Mesmo que indiretamente- Ele ia protestar, porém Elvira foi mais rápida em sua resposta- E nem venha me dizer que foi tudo armação. Não acredito nela. Para mim essa mulher ingrata matou o povo e minha mãe. Vingança por não ser aceita por ninguém. Matou minha mãe! As Damas acharão a mesma coisa, provavelmente, quase certo...

–Se acredita nisso, por que vai ajudá-la?

A moça tirou a cabeça que antes repousava no ombro de Vougan. Os dois ficaram assim, meio abraçados e perdidos nos olhares tristes e sinceros um do outro.

–Você acredita nela. Ela é filha de tia Alana. Estou dando-a o benefício da dúvida.- Mentiu.- Vá preparar tudo. Você só tem dois dias. Leve-a para o mundo dos humanos. É melhor do que a morte.

– Obrigada, Elvira.- Ele beijou-lhe a testa. Um silêncio tenso se instaurou. Delicadamente os lábios do rapaz desceram até o nariz da Rainha e ele beijou-a ali também. Depois beijou seus olhos encharcados de lágrimas. Porém, quando estava prestes a repetir o ato, dessa vez na boca, sentiu as mãos da moça pressionadas em seu peito o impedindo.

–O que foi?- Susurrou perto de seu rosto. Elvira estava desesperada. Se ele a beijasse mais uma vez como forma de agradecimento, jamais conseguiria deixa-lo ir. Ela o amava tanto... Tanto que libertaria a assassina de sua mãe. Um lado seu estava revoltado com essa decisão, gritava que a nova Rainha era uma fraca, covarde e imbecil. Mas o outro lado, o lado que morria de pavor só de pensar em ver o homem que amava chorando pela mulher que estaria na forca, decidiu que aquela era a decisão correta.

–Vá, você tem muita coisa para preparar...- Disse se desvencilhando dos braços do príncipe.

Confuso e se sentindo incomodado pela recusa ao beijo, ele assentiu e saiu andando em direção as árvores, avançando alguns metros. Já estava prestes a se transformar quando a ouviu dizer: E vá com ela.

–O quê?

–Vá embora com Mayta.

–Elvira...

–Você quer ir com ela. Sabe disso.

–Basta!- Ele gritou tão furioso que até a nova Rainha estremeceu. Rapidamente, o rapaz encurtou o espaço adquirido entre os dois. Seus olhos queimavam e fitaram os de Elvira intensamente. Uma raiva... Ou seria dor? Estava estampada ali.

–Você quer se livra de mim, Senhora,– falou sarcástico- mas sabe que não pode. Sabe muito bem disso. Fomos prometidos um ao outro. Somos noivos! Pare de achar que eu tenho qualquer opção de deixa-la. Mamãe nos criou para ficarmos juntos. Não vou quebrar esse compromisso e muito menos abandonar o povo agora que ela morreu, só porque você decidiu o que eu quero fazer.

Os dois permaneceram parados. Quietos. A raiva deu lugar a adrenalina. Os lábios, tão próximos, subitamente pareciam convidativos para ambos. Mais uma vez ele chegou perto, muito perto, perigosamente perto.

–Vá.- Ela sussurrou antes que o contato ocorresse.

A tensão confusa espalhou-se entre os dois.

–Sim eu vou! - Ele pareceu lembrar que estava irritado e saiu de junto dela furioso. –Mas não vou sair da floresta! – Dito isso, transformou-se em pássaro e voou para longe.

Elvira o observou.

Seus punhos se fecharam expressando a raiva que sentia. Olhou ao redor lentamente. Estava sozinha. Sem mãe, sem pai, tios, prima ou noivo. Agora todos não a queriam. E estava sozinha.

“Que belo modo de começar um reinado”. Pensou, sentindo-se perdida. As palavras duras de Vougan voltaram a sua mente.

–E mesmo assim você a ama, Vougan.- Declarou para ninguém com a voz embargada. Mas não chorou. Já tinha derramado todas as lágrimas que podia oferecer em um dia.