The Seventh Zone

O garoto do capuz negro - parte 3


Música do capítulo

. . .

Não encontramos nenhum rastro do jovem, comandante. - reportou um dos oficiais encarregados pela vistoria.

Lahar havia retornado a sua sela e esperava a algum tempo em frente ao pórtico de entrada do templo, enquanto sua unidade vasculhava a área. A presença do comandante dificultava o escape despercebido de certa menina escondida detrás de uma das colunatas negras.

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Lucy estava impaciente. Havia uma última coisa que precisava perguntar ao garoto do manto negro antes de nunca mais vê-lo, e se tardasse por demais naquela emboscada, sua chance de conseguir encontrá-lo iria por água abaixo. Quando três oficiais enfim se aproximaram e o mais alto e sisudo deles comunicou as novas para o comandante, Lucy viu uma potencial distração para entrar em ação.

— Vasculhem cada palmo da mata ao redor. Ele ainda deve estar por perto. - ordenou Lahar aos dois oficiais que aguardavam em silêncio. – Tyrus, você vem comigo.

O homem sisudo de queixo quadrado assentiu e foi buscar seu cavalo para acompanhá-lo. Logo após, os dois seguiram em direção ao extremo oeste da vila, onde descansava a construção secular do dragão que espiava, a casa dos Heartfilia.

Finalmente Lucy estava livre para partir, sem a possibilidade de ser apanhada por um intimidante membro do Conselho Mágico. No entanto, a menina estancou no lugar, quase como uma das colunas grossas do peristilo. Mesmo com sua mente avoada, não foi difícil compreender para onde tudo aquilo rumaria. Não havia dúvidas de quem era o jovem a quem procuravam e chegando a esta conclusão, o envolvimento de sua mãe era inegável. Qualquer rastro que encontrassem na mansão da família poderia ser indício suficiente para acusar Layla Heartfilia de traição. Levariam-na embora para ser deixada a cargo do julgamento dos magos Santos. Talvez nunca mais visse sua mãe outra vez. Talvez todos da vila fossem castigados pelo ato cometido por Layla.

Foi então que Lucy disparou com todo o fervor que suas curtas pernas permitiam, em direção a sua casa. Rápida como uma corça, a menina seguiu pelos atalhos enquanto os cavalos trotavam em um ritmo regular pela estrada sinuosa. Ela precisava chegar muito antes dos oficiais e alertar a mãe do perigo eminente.

Ventos frios vinham do norte, desciam as encostas dos morros e açoitavam a copa das árvores com brutalidade. As horas haviam passado sem notar, e não tardaria muito para os primeiros raios de sol do crepúsculo despontarem na linha do horizonte, onde a terra enfim encontra os céus.

Na crença de seu povo, o nascer do sol representava o ascender do Phoenix após a morte. Era a chegada da Alvorada. E quando o primeiro raio luminoso se revelasse por detrás do vulcão, objetos de valor seriam atirados na Grande Chama para serem incinerados e levados ao céu. Objetos que carregavam o desejo pessoal de cada um, e que o sacrifício traria a conquista do desejo de seu proprietário. Lucy pensara o ano inteiro sobre qual objeto deserdaria e qual o pedido que faria em troca, e apesar de ter enfim chegado a uma conclusão naquela noite, não seria capaz de chegar a tempo para os primeiros minutos do amanhecer.

Dentro da trilha na qual seguia com destreza, as árvores ao redor eram aos poucos desnudas pela ventania enquanto as folhas secas acarpetavam o chão e faziam-na afundar os pés. Apesar do capuz e manto vermelhos que envolviam a menina, o ar frio de fim de outono era cortante e embrenhava-se até os ossos. Arrependeu-se de não ter escutado à mãe quando esta lhe dissera para se agasalhar melhor. E se arrependeu ainda mais amargamente em não ter arrastado a mãe à praça para assistir ao evento consigo. Layla insistira não gostar das histórias que eram contadas pelo ancião. A pequena Heartfilia não entendia bem o motivo, mas presumia que devia ser algo relacionado à desavença que surgira há muitos anos entre os dois.

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Agora a menina subia os barrancos com a ajuda de galhos e raízes pelo caminho, e agradecia pelos árduos treinamentos a que teve de enfrentar desde cedo durante as aulas de sobrevivência. Conforme a Grande Chama ficava para trás, enxergar por dentro da mata se tornava uma missão cada vez mais penosa, mas enquanto estivesse concentrada na trilha e no tateio das mãos, não haveria nada que pudesse desmantelar sua determinação.

Chegando ao topo do morro, as árvores se esparsaram e o que antes eram apenas sombras e vultos indefinidos passaram a apresentar solidez e formas familiares. O que representava que não só a sua visibilidade se apurara, mas a de outrem também, e se não tomasse a devida a cautela, seria facilmente avistada por olhos inimigos. Engatinhou pela terra até o tronco de uma árvore antiga, e observou os dois cavaleiros virem a algumas centenas de metros atrás, imponentes em seus garanhões de guerra com os cascos sopeando as pedras da rua majestosamente. Uma estranha e pálida luz azul provinha de uma esfera mágica que flutuava a frente deles, e iluminava as margens ao redor.

Estavam perto demais, pensou Lucy, e sem perda de tempo continuou rastejando por entre as árvores e pedras, quase desejando se fundir ao chão.

Foi quando gritos rasgaram o ar da madrugada. Os primeiros soaram temerosos, mas em seguida vieram os uivos de guerra.

A sequência dos acontecimentos foi absurdamente rápida para Lucy. Primeiro sentiu o chão sacudir sob seu corpo, e logo após, o som de trovoadas – que depois de alguns segundos, atordoada demais para entender o que ocorria, assimilou como o galope de uma tropa de cavalos. Os dois oficiais que até então se dirigiam a oeste, para a casa dos Heartfilia, tiveram sua rota repentinamente alterada para norte, onde se desenrolava um novo caos.

Lucy apenas teve tempo de se erguer e de respirar uma única vez em alívio, acreditando ter escapado do pior. Porém, de onde estava, a menina entreviu galhos em chamas e dolorosamente compreendeu o que se passava. Deviam tê-lo encontrado e agora o jovem lutava contra os membros do Conselho.

Como se de repente alguém houvesse cortado o fio de energia que a mantinha ativa, Lucy se deu conta do quão tensa e aterrorizada estava por todo este tempo. Lágrimas gordas ameaçavam cair do rosto. Queria poder ajudá-lo, mas só agora percebia como era vulnerável e incapaz. O que ela poderia fazer contra mais de vinte homens e oficiais formados do Conselho? Tinha apenas sete anos. E estava com medo.

Lucy afundou no chão, apertando os joelhos, entre soluços que tentava desesperadamente conter – temia ser ouvida.

— Está chorando?

A pequena Heartfilia virou-se incrédula para trás. Quando não viu nada além de plantas e árvores, pensou que estivesse ficando completamente maluca. Concluiu que a amargura da culpa já devia estar lhe provocando ilusões. Mas então, Lucy ouviu um assobio vindo de cima, e ao erguer os olhos, lá estava o garoto de negro. Seu corpo camuflando-se nas sombras da noite.

— Você não estava lá? – disse a garota num fio de voz, apontando com o dedo trêmulo para o norte.

Ouviu-se um baque surdo quando o jovem pulou para o chão e se aproximou da garotinha encolhida perto de uma pedra.

— Se eu estivesse lá, não estaria aqui. - respondeu, com um leve ar de gozação.

Lucy se emburrou, desviando os olhos, o que o fez sorrir ainda mais.

— Mas que careta feia.

O comentário só garantiu uma língua pra fora e um grunhido irritado.

Desta vez, o jovem se agachou perto dela. Aquela atitude fez a pele de Lucy vibrar, mas, ainda assim, a menina estava decidida a manter-se firme e irredutível.

— Eu tenho uma excelente apontaria. Foi só mirar naquela árvore lá na frente e buuum. – fez um gesto de explosão com as mãos. Lucy viu que em seus olhos negros como carvão cintilavam uma emoção única e vivaz. – Todos foram correndo para lá.

A menina o encarou, sem dizer nada. Estava impressionada com a estratégia utilizada pelo mais velho, mas ainda muito orgulhosa para dizê-lo. Sorrindo, o rapaz afagou a cabeça da pequena com um carinho fraternal e voltou a se levantar.

— Levarei os homens de branco embora, não se preocupe. Você e a mulher da mansão estarão protegidas.

Ao se afastar em dois passos, o jovem sentiu o manto repuxar o colarinho e quando olhou para a menina, ela agarrava o tecido com uma das mãos, fitando-o intensamente.

— Veja só, pensei que o gato tinha mordido a sua língua.

— Olha quem fala. Apenas invertemos os papéis, não? – arqueou uma sobrancelha, astuciosa.

— Bom apontamento.

Ele aguardou o silêncio da menina com a mais branda das calmarias, enquanto às suas costas a terra estremecia e o mundo agitava-se em um tumulto de brados e lamentos. Clarões azuis e vermelhos pincelavam o céu da aurora iminente por trás da figura misteriosa do jovem, como uma pintura viva.

A brisa da madrugada deslizou o capuz de sua cabeça, libertando os cabelos selvagens de cor exótica. E quando os braços do sol enfim se lançaram do leste e acobertaram as planícies e morros, tons de verde e dourado fulguraram da íris do mais velho.

Se a natureza bruta dos olhos negros do rapaz já haviam a encantado, a transparência sobrenatural de seus olhos verdes levaram-na ao entorpecimento. Era como estar diante de um ser mágico e etéreo.

E foi neste momento que Lucy se deu conta de que o rapaz a sua frente não era humano.

A menina soltou seu manto rapidamente, como se suas meras mãos mundanas maculassem a criatura fantástica diante de si. Não ousou desviar o olhar, crente de que caso o fizesse, ele sumiria para sempre, num sopro de sonho.

— Antes de ir, diga-me seu nome. – pediu Lucy. – Quero encontrá-lo de novo. E ajudá-lo. Quando for mais velha, não terei mais medo dos homens de branco. – concluiu, determinada.

Ele negou com a cabeça, sábio.

— Não existe alguém que não os tema, menina. Eu mesmo os temo. A diferença é que meus medos não me impedem de prosseguir.

— Então serei corajosa o bastante para enfrentar meus medos!

Ele riu, pesaroso.

— Se quer mesmo me ajudar, pirralha… – voltou a se agachar perto de Lucy, e tirou algo de dentro do bolso da calça. – Então guarde isto para mim até eu voltar. Até lá, não me procure.

Ele pegou uma das mãos de Lucy, tão pequenas e delicadas comparadas às suas, e depositou um objeto pequeno, de superfície lisa e um pouco pesado para o seu tamanho.

A menina olhou para o objeto repousado na palma da mão, e encarou os olhos verdes de forma interrogativa. Mesmo na penumbra, podia quase jurar que suas pupilas estavam mais dilatadas do que o normal, como àquelas que tinham os animais noturnos.

— Uma pedra? Está caçoando de mim?

— Posso até estar. Mas virei buscar esta pedra um dia. – Pôs-se em pé com as mãos na cintura. – Pode guardá-la em um lugar onde ninguém encontrará?

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— Será moleza! – exclamou, levantando-se em seguida.

— Ótimo. – Assentiu, satisfeito. E antes de partir, semicerrou os olhos para observar o poderoso astro nascer por trás das colinas, alheio às insignificantes odisseias humanas, e recitou palavras de outrora.

Quando as gramas são verdes e o céu, azul

Quando a chuva é morna e vem do Sul

Os frutos nascem,

Os pássaros cantam,

As pessoas riem

E também dançam

Para o Sol incendiar a terra e a memória

Com um novo dia de luz e glória.

A melancolia de sua voz despertou o interesse da pequena.

— O que isto significa?

O rapaz apenas sorriu e se afastou, sem olhar para trás.

Natsu. – murmurou por fim. – Meu nome é Natsu.

E sumiu por entre as sombras. A palavra final ecoou pela floresta por algum tempo, até que finalmente cessou e Lucy despertou do transe.

A menina fitou a pedra em suas mãos, confusa. Depois observou ao redor, sem entender o que estivera fazendo, ou como fora parar no meio da mata. Deveria estar na praça participando do evento. O sol já nascia, percebeu, alarmada. Tinha que chegar a tempo da Queima.

Sentiu mais uma vez o peso da pedra negra – morna contra sua pele – e mesmo que não se recordasse de nada, soube inconscientemente que não se tratava de uma pedra qualquer. E que deveria guardá-la a sete chaves, como um tesouro.

Acreditando ser mais um de seus estranhos casos de sonambulismo, Lucy seguiu seu caminho, para o caos que se estendia na vila. Sem jamais recordar-se dos estranhos acontecimentos daquela noite fatídica.

Ou de um misterioso garoto do capuz negro.

Sétima Zona

Ano X788 – Atualmente.

Ele recuou.

Minha mente demora para processar a informação e me sinto um tanto quanto anestesiada. Minhas pernas são sacos de areia, e tenho certeza de que a qualquer passo elas cederão. Talvez seja alívio, espanto?

Por baixo das madeixas rosadas, vejo um novo sentimento distorcer suas feições. De início não reconheço o que é aquele brilho fulgurando em seus olhos selvagens – novamente negros. Mas logo compreendo a frustração pungente que emana de si.

Uma repentina falta de ar me atinge e não consigo falar por longos minutos. De todas as expressões que já vi ou que um dia esperei ver em seu rosto, frustração era a última delas. E o faz parecer humano demais.

— Suas ameaças possuem menos credibilidade do que as palavras de um vigarista, Dragneel. Você não pode me matar nem me ferir. – murmuro. Não é uma pergunta.

Ele não responde. Seu silêncio consente.

— Independente de seus motivos, uma vez que esta farsa está por encerrada, as coisas seguirão um pouco diferentes daqui para frente. – cravo os olhos nos seus, tentando entrever alguma brecha que mostre seu interior. Suas verdadeiras intenções – Quero que me conte tudo o que veio escondendo até agora. Desta vez, sem desvios.

Sua fisionomia está séria, os braços largados nas laterais do corpo em uma postura desanimada, como se de repente alguém houvesse despejado um balde de água fria sobre si e apagado sua aura naturalmente inflamada.

— Diga, Heartfilia... – Até mesmo sua voz torna-se desprovida de emoção. – Se fossemos pegos agora, pelos oficiais, sabe qual a primeira coisa que fariam a você?

Balanço a cabeça em negação.

— Verificação memorial. – revela. – Ora, nada mais do que uma bela denominação para o ato de adentrar sua mente e esquadrinhar tudo o que sabe. Um processo um tanto doloroso, se me permite dizer.

Uma brisa gelada atravessa a floresta, anunciando o fim do verão e o início do outono, e de súbito, abraço meus braços arrepiados.

— Se acha que esta advertência vai me fazer voltar atrás, est-

— As informações que você possui no momento – ele prossegue deliberadamente, interrompendo-me. – devem-lhe custar no máximo um encarceramento temporário, além de algumas de suas memórias reformuladas. Nada mais. Mas se quiser continuar a partir deste ponto, deve ter em mente que estará pisando em território minado, sem chances de retorno. Será o mesmo que levantar uma bandeira de rebelião contra o órgão mágico. Se a capturarem, será o seu fim. E quando isso acontecer, se arrependerá por não ter escolhido morrer junto ao seu amigo de cabelo azul.

Foi o gatilho. Suas últimas palavras ricocheteiam em meu cérebro como faíscas eletrizando meus nervos; e a fúria que eu vinha até agora, de alguma maneira, contendo desde o último incidente, ameaça transbordar das comportas. Quer fosse influência do veneno em meu sangue, já não importava, deixo que venha; ela é bem-vinda.

Sim. Aquele que está a minha frente, o assassino de meu vilarejo. Aquele que respira, enquanto meus companheiros permanecem soterrados, mortos de forma tão tenebrosa. E que ainda ousava citar a morte de Jellal com tamanho descaso.

— Posso sentir sua sede de sangue. – vejo-o sorrir.

Seu sorriso me enoja, me enfurece. Quero arrancá-lo de sua boca.

Meus pés avançam, sem que eu perceba. Sinto o rosto queimar. Meus punhos tremem ao lado do quadril, doem com a força que aplico.

Quero vingar todas as vidas que atrevera roubar, tão presunçosamente, como se tudo não passasse de um grande divertimento para suas horas ociosas. Mesmo que minhas mãos ficassem manchadas de sangue – se esse fosse o preço da justiça, eu o pagaria sem remorsos. Ouço o clamor destas vidas ceifadas em meu âmago; elas me apoiam.

Assisto sua face insolente se abeirar, enquanto me aproximo. Tudo parece um transe; desde o momento que retiro uma flecha discretamente por detrás das costas, da minha bolsa mágica, até o último sorver do ar antes do ataque.

Mas Natsu Dragneel não daria jus à sua reputação como filho do dragão de fogo se não pudesse prever uma investida tão previsível, fundada apenas na cólera irracional. Sendo assim, antes que eu tenha a chance de enfiar a seta profundamente em sua garganta, ele segura meu pulso direito com uma força assombrosa. O bico afiado da madeira trava a alguns milímetros da sua pele do pescoço.

Sei que aquilo fora intencional. Ele poderia ter interrompido minha acometida muito antes, ou mesmo desviado e me segurado por trás. Afinal eu nunca havia sido uma ameaça real para ele. Dragneel apenas desejava reforçar seu controle absoluto sobre a situação, mesmo até o último instante. Talvez até eu mesma soubesse disso, inconscientemente.

— Mulheres vingativas são mesmo um perigo à sociedade. Me lembrarei de não subestimar o quanto são assustadoras.

Com a mão direita, ele arranca a haste de madeira de meus dedos, sem esforço ou resistência de minha parte, e a deixa cair entre nossos pés. Com a esquerda, continua a segurar meu braço, erguendo-o em seguida para que eu pudesse mirar-lhe os olhos.

— Mas Heartfilia… se me matar, como obterá as respostas que tanto quer?

Olho para o chão, para a haste derrubada, estou sem fôlego e sequer posso responder ao provocamento.

— Os sintomas passam depois de alguns dias. – diz. Sei que fala sobre a picada do besouro. – Até lá, tente não me matar.

Quero rir.

Quando sinto meu peito finalmente se acalmar e os batimentos cardíacos se regularem, tenho vontade de desabar, porém permaneço em pé. Assim como o pico de adrenalina veio em um assalto, ele despencou passado o momento do furor.

Desvencilho-me finalmente de seu aperto, enojada. A fúria podia ter saído de cena, mas meu ódio por Dragneel estava longe disso. Este não se apagará enquanto eu respirar o ar deste mundo. Mesmo que o convívio constante com o híbrido nos últimos dias tenha me feito esquecê-lo por alguns momentos, ele sempre retornaria. E isso é algo que farei sempre questão de me relembrar.

Inspiro, procurando forças para prosseguir.

— Enfim, não nos desviemos do assunto. Não me interessa essa sua tentativa fajuta de solidariedade para me fazer recuar. Estou disposta a erguer a bandeira. Então conte-me tudo. – digo, resoluta. – Conte-me a informação afortunada que fará o Conselho me perseguir até os confins de Earthland para se livrar de mim.

Os cantos de sua boca se elevam novamente, apesar de o divertimento não alcançar os olhos; estes são tão inexpressivos quanto rochas.

— Como quiser.

A luz do dia é cinzenta e mal transpassa o volume de folhas no alto das copas, tornando as sombras dentro da floresta muito mais densas do que deveriam. Com um espontâneo rodeio da mão, o rosado faz com que chamas brilhantes se manifestem de seus dedos, criando uma áurea vibrante de iluminação em contraste com a atmosfera sombria.

— Será melhor mostrar do que falar. – comenta. Há um pequeno traço de ansiedade em seu rosto, e isto me provoca uma onda de nervosismo.

Fosse o que fosse, não há mais volta. O segredo obscuro que o Conselho deseja tanto guardar a sete chaves… eu o carregarei comigo a partir de agora.

Observo o híbrido fechar os olhos, concentrado. A princípio não entendo, os instantes passam e nada acontece. Até que percebo algo estranho acontecer com seu corpo; mudanças sutis de início, mas que aos poucos se faziam mais perceptíveis. De alguma forma inexplicável, vejo sua estrutura óssea se tornar levemente menor e mais esbelta, seus músculos ficarem menos robustos e a pele adquirir um tom mais pálido do que a minha própria. Estou em choque; a transformação que ocorre bem diante de meus olhos é, por demais, fantasiosa para eu poder assimilar. Todo o poderio de sua aura, sua energia ardente, simplesmente desaparecem sem deixar rastros; mas ela ainda não estava completa. Absurdamente, como se alguém resolvesse pegar um pincel para aplicar tinta em seus cabelos, vejo uma cor negra e profunda como carvão espalhando-se por suas madeixas, das pontas até a raiz, cobrindo toda a extensão de seus fios rosados. Quando volta a abrir os olhos, noto que a tonalidade é a mesma. Ele sorri diante de meu espanto, apenas para eu constatar que seus caninos proeminentes não estão mais lá – retraíram-se até o tamanho natural dos de um ser humano.

O homem em que Dragneel se transformou não se assemelha em nada com o ser místico de pouco tempo atrás, e se alguém o visse agora, nem desconfiaria de sua aparência ordinária; na verdade mal se daria o esforço de olhá-lo duas vezes. Com seus cabelos negros, cútis pálida e corpo esguio, assumiriam que fosse nada mais do que um estrangeiro vindo de algum dos reinos do norte, onde tais características eram até bem comuns. No entanto, apesar da drástica mudança, não há como enganar, a expressão selvagem que carrega ainda é a mesma – o que só confirma que a figura a minha frente continua sendo ninguém menos do que Natsu Dragneel, o filho do dragão de fogo.

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— Você já descobriu, há não muito tempo atrás², que eu tenho a habilidade de criar o fogo tanto com propriedades naturais da combustão, quanto de propriedades mágicas³, sem a necessidade da combustão, ou seja, posso decidir se quero criar uma chama que produza calor ou não, estou errado? Acontece que a minha pele é altamente resistente ao calor, então mesmo se eu quisesse me queimar, não conseguiria. O mesmo não se aplica agora, com a pele de um ser humano comum.

— O que é essa aparência? – pergunto, perplexa.

O que é essa aparência? – ele achou graça. – É minha forma verdadeira. Bom, pelo menos, a que costumava ser.

As chamas cálidas que antes dançavam entre seus dedos, agora flutuam um pouco mais acima, evidenciando que sua explicação de há pouco provara ser verdadeira – ele, de fato, podia se queimar caso não fosse cuidadoso. Quando o híbrido espalma sua mão esquerda sobre o peito direito e contorce ligeiramente as feições em sinal de dor, entendo que está produzindo calor o suficiente para se queimar, mas não compreendo seu objetivo. Em minha cabeça, tudo se convergira em um grande redemoinho de fatos sem sentido, e novamente todas as minhas crenças vinham a ruir bem diante de meus olhos.

Dragneel retira a mão de sobre a pele, e como era esperado, a marca de sua palma virou uma queimadura em carne-viva. Porém, percebo incrédula, que uma área permaneceu intocada. Tão branca quanto o resto do corpo, circundada pela vermelhidão. Aproximo-me para poder enxergar melhor e reparo que a região toma um formato peculiar, e se assemelha a uma sucessão de letras e algarismos numéricos.

EX057. – decifro em voz alta.

Ao ouvir o código de minha boca, Dragneel inspira de modo abrupto, interrompendo a constância tranquila dos pulmões. Ele pisca algumas vezes para disfarçar seu evidente desconforto, mas consigo vislumbrar em seus olhos que aquela codificação lhe remete a uma série de lembranças desagradáveis.

— Certo, um código. – afirmo o óbvio com indiferença. – Onde quer chegar?

— O que isto lhe parece? – suas palavras soam amargas. Encara-me com o olhar penetrante, quase incriminatório. – Sei que chegou à conclusão correta. É tão óbvio quanto parece.

Engulo em seco. Apesar de demonstrar meu pouco-caso, ele leu em meu cerne a repulsa que senti ao assimilar uma resposta.

— É uma seriação. Acredito que existam outros com marcas similares a essa. – respondo hesitantemente.

— E o que mais? Vamos, sei que não foi só isso que concluiu. – seu tom sobe uma nota.

A resposta entala na garganta, tenho medo de pronunciá-la. Meu olhar vai de um ponto a outro, incerto onde se fixar. Pra qualquer lugar longe de suas orbes ônix. Por que não consigo encará-lo? Minhas mãos suam frio. Percebo que suas calças estão um pouco frouxas nos quadris. E que parece uns cinco centímetros mais baixo do que antes.

— Faz parte de algum tipo de experimento. Provavelmente… ministrado pelo Conselho.

Estou fitando o solo com tanto fervor, que sinto como se pudesse perfurar um buraco ali mesmo. Dragneel fica em silêncio; entrevejo pela visão periférica que põe as mãos nos bolsos da calça descontraidamente. Acabo de fazer uma acusação gravíssima, poderia ser morta por palavras tão imprudentes. Procuro voltar atrás, buscando remontar os fatos em outra explicação lógica, convencida de que dissera um completo absurdo. Até que o híbrido se inclina perto de meu ouvido e sussurra:

Bingo.

Meu coração quase escapa pela boca.

Praticar experimentos de qualquer espécie em seres humanos transgride a lei máxima de segurança e bem-estar do indivíduo de bem. Tal infração é tão grave, que se revelada ao mundo, levaria à completa dissolução do poderoso e onipotente órgão mágico; e a todos os que estivessem envolvidos, não havia dúvidas, seriam levados à guilhotina pelo exército nacional de seu respectivo reino ou nação. Para manter tal confidência em sigilo, o Conselho Mágico seria capaz de tudo. Não é surpresa que estejam a uma caça frenética por Dragneel, a prova viva de seu crime.

Experimento número cinquenta e sete. Bem elucidativo, não acha? – zomba.

— Quantas… – hesito. Minha voz é um murmúrio. – Quantas pessoas?

— Atualmente? – ele parece pensar. A atitude descontraída a qual se apossou é antinatural. – Não tenho ideia. Mas até alguns anos atrás, já chegou a algumas centenas.

Meus dedos são tique-nervosos. Sinto como se árvores ao meu redor tivessem ouvidos. De todos os lados, poderia haver alguém escutando nossa conversa. O híbrido, ao notar minha mente dispersa, estrala os dedos em frente ao meu rosto para capturar minha atenção. Ergo os olhos para ele, finalmente.

— Diga-me, como me pareço a você? – diz, de repente. Franzo as sobrancelhas, sem compreender. Ele repete: – Como me pareço a você agora?

Eu o observo. Sua silhueta é magra, esbelta demais para o porte de um guerreiro. Se fosse sincera, diria que não é alguém que depende de força física para se defender. Tem uma aparência simples, quase frágil, à exceção do formato de seus olhos, seu traço mais marcante. São levemente repuxados e conservam uma selvageria incomum, de uma maneira intrigante. Os cabelos negros são grossos e espessos, de forma que adquirem uma aparência mais comportada do que seus costumeiros fios arrepiados. Apostaria tratar-se de um gatuno, com certeza. Alguém esperto e habilidoso o suficiente para vencer seus inimigos sem embates físicos.

— Humano. – respondo, surpresa com minha própria conclusão.

— Exato. – o híbrido sorri, esperando que eu houvesse sacado a charada.

— O que incita? – pergunto, desconfiada.

— Ora, vamos. Você é mais esperta do que isso. – ele agarra meu pulso novamente, e desta vez, me induz a fazer força contra seu punho. – É só juntar os pontos.

Não estava ali, reparo. A força assombrosa.

É quando um pensamento me arremete como um soco no estômago. Encaro-o atônica, mal posso crer.

O mundo criara uma perfeita farsa teatral.

E eu fora apenas um de seus fantoches.

Dragneel alarga o sorriso, quase como um maníaco, diante do choque da grande revelação que perpassa meu semblante. Tomo fôlego antes de concluir:

— Você não é filho de um dragão.

² Capítulo 17 – Sombras. Quando Lucy está cercada pelas chamas de Natsu e descobre que não se queima ao tocá-las.

³ Natsu tanto pode usar sua magia (energia) como combustível para criar o fogo, gerando assim luz, calor, gases (gás carbônico e água) – o que é natural no processo de combustão – quanto, utilizar sua magia (energia) para criar propriedades semelhantes às do fogo (luz, formato e cor). É o que denominaremos de fogo-falso. Ou seja, ele pode criar chamas que se assemelham ao fogo, mas que não produzem calor ou gases.