The Seventh Zone

Ouvidos a escuta.


Recapitulação.

Lucy, Tenente da base a sudoeste de Magnólia, viveu outra dolorosa tragédia em sua vida. Teve que abandonar os amigos e toda a base em que viveu por longos anos, em meio a erupção do vulcão Phoenix. O comandante Jellal confiou-lhe a urgente missão de avisar Erza sobre o despertar do filho do Dragão de Fogo. Ela percorre todo o trajeto, agarrando-se ao desejo de cumprir o último pedido do comandante.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ela encontra uma albina durante o caminho que estava instalada em uma moradia precária no meio da floresta. As duas chegam num acordo, no qual ambos os lados sairiam recompensados. Lucy precisaria conquistar a confiança de seu terrível inimigo, Dragneel — quem havia matado todos os conhecidos de Lucy, e esta jurara vingança — e entregar a pedra misteriosa, que este possui, para a albina, Lisanna.

Tirando proveito do rosado, que de alguma forma conhecia Layla, a loira faz um trato de entregar a caixa que sua mãe guardara algo valioso, se ele a levasse até o outro lado do penhasco. Dias passam, e eles caminham lado a lado, a relação entre os dois continuava péssima, e os perigos que a garota passava só a deixavam mais exausta.

Os dois viajantes chegam até uma vila, denominada de Kondor. Lá, não são recebidos muito bem por seus moradores. Lucy não entende o porque, e continua sem explicações, mesmo após um loiro desconhecido, Sting, aparecer subitamente na taberna e mostrar ter desavenças e assuntos a acertar com o rosado. Assuntos estes mais sérios do que Lucy poderia pensar.

Todo o abalo emocional do incidente na vila não se extinguira por completo, mesmo após sete dias, e em meio essa explosão de sentimentos, por pouco não tentara enforcar o rosado, porém, com isto, acabara descobrindo uma marca similar ao número 7 atrás da nuca do rapaz.

Nas outras zonas, Juvia fugira de casa, no dia que conheceria o futuro noivo Gajeel, para junto de Gray numa viajem onde buscariam respostas ocultas sobre as zonas, que poderiam inocentar Natsu, colocando fim no conflito de uma vez por todas. Assim não precisaria se casar para que sua zona não sofresse danos, e Gray não se sobrecarregaria mais. Entretanto, descobriram com pesar que os inimigos já estavam um passo a frente ao espalhar a todo o continente, através de folhetos, que Natsu Dragneel era o amaldiçoado e havia de ser encurralado.

Em outros arredores, Wendy que também fugira de casa, fora perseguida por soldados do Conselho, mas em meio a tudo, uma salvadora aparece e a resgata. Seu nome era Levy, a vice-tenente da base sudoeste, junto do líder do Quinto Esquadrão, Loke. Os últimos sobreviventes do Phoenix.

. . .

Seventh Zone

(Sétima Zona)

Atualmente – Sétimo dia. – Tarde.

— Belo avental. – comentou entrecortado de risadas, fazendo o sangue subir em minhas bochechas.

De forma atrapalhada, porém ágil, retirei a peça vergonhosa no mesmo segundo, atirando-a para cima do ordinário, que mesmo com o tecido sobre seus olhos, continuava a gargalhar. O constrangimento estava estampado nitidamente em meu rosto, como se alguém houvesse jogado um balde de tinta cor carmim. Era por isso que o rosado se deliciava com a situação, e a cada risada, mais eu gostaria de me afundar no solo. Se eu ainda tentava demonstrar uma imagem de superioridade e inteligência depois de tudo o que aconteceu, o avental de Teddy foi o ápice para a ruína total.

— Vai te catar! O que você diabos está fazendo aqui?! – reagi em voz baixa quase soltando fumaça das têmporas, ao mesmo tempo que seguindo até a porta, e encostando-a cuidadosamente até que fechasse. O que menos desejava no momento era que Kinana escutasse Dragneel.

— Essa vestimenta lhe caiu muito bem. – afastou o avental de sua face, estendendo-o a sua frente, como se estivesse disposto a admirá-lo. Só que no caso, não era bem admiração.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Ah, claro! Só faltava os sapatinhos de cristal para finalizar o maravilhoso visual! – aproximando-me dele, arranquei-lhe o avental das mãos, irritada. – E você não me respondeu, por que está aqui?

— Existe algum motivo para eu não estar? – debruçou os braços sobre o parapeito da janela, e largando-se do semblante infamador, projetou-se para frente com ares acusadores. – Será que a Srta. Heartfilia – em um manobra rápida impulsionada pelos músculos fortes, atravessou a janela e pôs-se adentro do cômodo. Minhas pernas vacilantes retrocedendo alguns passos demonstravam o quão indesejada era sua aproximação. Ele pareceu notar, pois zarpou a sobrancelha, arrastando os pés para mais perto. Era como se desafiasse as leis do magnetismo, pois enquanto eu era repelida, ele era atraído. – trama algo sem minha sabedoria?

Senti a maçaneta enferrujada tocar minhas costas, o que significava que já havíamos cruzado toda a cozinha, e não havia jeito de retornar nem mais um passo. A proximidade e o modo profundo com que suas órbitas negras me julgavam fazia-me sentir exposta, como se ele estivesse ciente sobre todos os meus pensamentos, segredos, fraquezas, e medos. Apenas analisando qual a melhor maneira de usá-los contra mim.

Quis abaixar o olhar, porém temi que se fizesse isto, não conseguiria erguê-los novamente, e estivesse nada mais e nada menos do que alimentando minha própria covardia. Ao invés disso, continuei a encará-lo com o olhar esplandecendo minha inquietude.

— Você é muito desconfiado. – disse-lhe com a voz meio embargada, torcendo para que essa hesitação não me incriminasse. Sua desconfiança só dificultaria meus planos, já que aqueles olhos não despregariam por um instante da minha sombra.

— Tenho meus motivos.

Silenciei por algum tempo, tentando desvendar o que quer que aquilo significasse. Sem sucesso.

— Bem, independentemente deles, deve sair, ou então terá que dizer 'adeus' ao nosso almoço. – cruzei os braços.

— E o que seria toda esse banquete ao nosso redor?

— Você não está pensando em…

— Achei que fosse mais esperta, filha dos Heartfilia. – rodopiou pela cozinha, em busca do alimento bom o bastante para satisfazer sua fome. – Pediu por um trabalho na cozinha de uma taberna no intuito de ter remuneração para comprar comida? – enfatizou a descrença, caçoando – Convenhamos… – apanhou uma quantidade generosa do peixe assado na bandeja sobre o fogão.

— Trabalho este que só consegui prometendo que tu não pisarias um pé adentro! – sua mão deve ter ardido com meu tapa, pois o peixe foi de encontro ao chão.

Por sorte, não se enraiveceu com minha atitude insensata. Nem sequer deu-se o trabalho de analisar seu antes almoço, estirado na madeira velha do assoalho, onde muitas formigas festejavam por lá.

— Ora, mas eu não pisei um pé. – fez-se de desentendido, franzindo as sobrancelhas. – Eu pisei os dois. – balançou os dois dedos em V frente a meus olhos.

— Muito engraçado. – forcei os lábios em um sorriso desalinhado.

— E para a sua informação e sorte, senão fosse pelo prazer que terei vendo-a limpar este peixe do chão, a remuneração que tanto queres viraria o pagamento do seu funeral.

— Sempre tão delicado com as palavras, sr. Dragneel. Chega a me emocionar! – fingi secar uma lágrima de comoção.

— E a senhorita sempre tão imprudente com seus atos impulsivos e irônicos. – avançou perigosamente para perto. Inflei o peito trancando o ar, temendo que seus ouvidos aguçados achassem o som da minha respiração um incômodo. – Não posso negar que suas atitudes me divertem ao mesmo tempo que me zangam.

Ele estava se divertindo? Bem, ao menos, minha cabeça permanecerá no pescoço. Isto já me fez relaxar um pouco os músculos.

— Achei que gostasse do respeito a sua superioridade, e não da minha implicância.

— Você não entendeu. – repuxou o canto do lábio. – Eu gosto dos dois, e é exatamente o que faz. – interroguei com o olhar. – Você está sempre me provocando, me tirando do sério, fazendo coisas que pessoas conscientes do perigo, ou a maioria delas, nunca fariam. E então, quando percebe que chegou no ápice, no limite da minha racionalidade, e que sua vida está por fio, você se encolhe de medo, e não ousa sequer respirar. – apontou para o meu estado, demonstrando que suas percepções estavam corretas. – Você contradiz até onde pode. Não estou certo, Heartfilia?

— Você é esperto. – fechei os olhos ao admitir.

— Pena não poder dizer o mesmo de você. – riu, ao se sentir vitorioso, e se virou, afastando-se.

Cruzei os braços, tamborilando os dedos.

— É mesmo? Bem, já que você está colocando suas cartas na mesa, permita-me colocar as minhas também. – sorri presunçosa, o que atiçou sua curiosidade, pois voltou-se a mim, sorrindo do mesmo modo.

Nossas falas definiam-se em jogadas, competições sem fim, e a da vez, o vencedor seria aquele que conseguiria permanecer o sorriso triunfante até o final.

— Pelas minhas análises, você foi vítima de um abalo emocional.

— Oi? – indagou em descrença, os traços faciais enrugados, visivelmente ranzinza.

— Suas reações irritadiças e bipolares comprovam o que digo. Toda vez que nota estar se entrosando demais, fica agressivo e se afasta. Seja o que quer que tenha acontecido a você no passado, isto vem o limitando de certas coisas, ou até mesmo, limitando-o de você mesmo. – o clima mudou instantaneamente. Senti o ar pesar, carregado de partículas negativas, como em noites nebulosas e tempestuosas. Aquilo só significava uma coisa. Bingo. Eu havia acertado em cheio. – Estou errada, Dragneel?

— Você não sabe o que diz. – pisou forte sobre o piso, fazendo a madeira estalar e ranger, e foi se ter com comida sobre o fogão outra vez, ignorando completamente minha presença.

Pude ver que suas emoções chispavam e disseminavam ao redor de seu corpo, e que ele tentava ao máximo se conter, procurando parecer calmo. Mas ele não estava. E isso explicava o cheiro de peixe queimado e a fumaça cinzenta que esfoliava de seus dedos alguns segundos depois. O alimento havia torrado e já não era mais comestível.

— Viu? Está irritado. – suspirei.

— Veneno… – ouvi-o ciciar. Quase não discerni sua voz da brisa gelada vinda da janela, que cantarolava em meus ouvidos um silencioso aviso de chuva.

— O quê?

— Eu sabia! Sabia que eles estavam conspirando por baixos dos panos! – uma cratera formou-se no mármore escuro da pia, com a potência de seu punho, e muitos pratos e copos escorregaram, espatifando-se no chão.

— Do que diabos você está falando?! Olha o que você fez! – levei as mãos ao rosto. Como explicaria aquela bagunça à taberneira?

— Os desgraçados envenenaram toda a comida! Eles sabiam desde o começo que eu viria aqui, por isso utilizaram um veneno de difícil percepção mesmo para meu olfato apurado. O odor só tornou-se nítido quando o queimei.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Mas eu prometi que… – parei de falar quando o rosado, com força, chutou para longe os cacos da louça que eu tentava recolher.

— Você não percebe? Será que é tão inocente que chega a ser burra? Em nenhum momento eles confiaram em você, mesmo salvando a pele daquela cobra da Kinana. Tinham certeza que estava me ajudando, que roubaríamos a comida, por isso a envenenaram! Para me matar! E se você também comesse, sua morte não passaria de um efeito colateral. – se antes ele tentava parecer calmo, agora já não importava mais. O andar rígido e os ombros sincronizados, só apontavam para um lugar. A porta. – Aqueles malditos não perdem uma única chance de me colocarem debaixo da terra… Ah, mas eles vão se arrepender muito de buscar confronto comigo!

Num súbito reflexo coloquei-me em frente a porta e o impedi de avançar tentando empurrá-lo com minhas mãos sobre seu tórax. Minha pele começou a queimar em contato com a sua, tentei resistir.

— Planeja matá-los assim? Apenas queriam proteger a segurança da vila porque consideraram que você seria uma ameaça! – Apertei os olhos de dor. Ardia tanto. – E pelo jeito, é mesmo!

— Você bateu a cabeça por acaso?! Eles tinham intenções de nos matar, e você ainda os protege?! – Segurou meus pulsos, tirando-os de si. Teria sido um alívio se suas mãos não estivessem em brasas também.

— Envenenaram a comida, está certo, mas em momento algum nos era permitido comer. Se nós deixarmos tudo como está, eles verão que eu cumpri com minha palavra, e confiarão na gente! Talvez tudo não passe de um teste de confiança! – a cada frase seu rosto se contorcia, as sobrancelhas estreitavam-se sobre as pálpebras, e o calor tornava-se insuportável.

— Teste de confiança? De que me importa a confiança deles? Eu não confio neles! E você também não deveria! – gotículas desciam da minha testa e escorregavam pelo pescoço, enquanto meu cabelo grudava na face suada. A magia dele era estimulada pelas fortes cargas emocionais, e isto era certamente desagradável.

— Eu não confio neles. – Neguei com convicção.

— Então por que-

— Mas também não confio em você. – sobressaltei a voz perante a sua. As chamas que pareciam incinerar suas orbes se extinguiram, e ele soltou meus pulsos rodeados de queimaduras. Algo o deixou sem poder de contestação. – Parece que chegamos num impasse, não acha? Pelo menos concordamos que confiança é um assunto um tanto quanto delicado. Então me responda: por que eu confiaria em você neste momento? – suspirei, ao mesmo tempo em que o rosado pareceu silenciar-se.

A temperatura pouco a pouco voltava ao normal, assim como seu rosto que adquiria uma expressão neutra, ainda que seu olhar penetrante continuasse intacto.

— Não estamos trocando votos de fidelidade, apenas um trato, que não incluía confiança. Como posso saber que você não mentiu sobre o veneno? E se disse isso só pra desconversar o assunto de agora a pouco que o deixou tão abalado? Ou mesmo servir como uma ótima desculpa, que me permitiria desistir de fazer da maneira que eu quero para a que você quer?

— Quer saber? Confie no que quiser. Eu não tenho razões para fazê-la acreditar em mim. – a calma que avassalou seu espírito conseguiu ser ainda mais sinistra que a raiva de momentos antes. Voltou alguns passos para trás, em direção a janela, distanciando-se.

— Ah, com certeza tem! Estamos no mesmo barco, vagando por um oceano turbulento e traiçoeiro. Você mesmo disse sobre os perigos que rondam a floresta até o desfiladeiro. Independentemente se nossa relação é amistosa ou não, ela precisa ser forjada por confiança mútua, do contrário só nos restará a morte. – recordei-me do regulamento do Phoenix, o quadro de normas ficava fixado nos aposentos de todos os soldados, tornando impossível o esquecimento. – Norma nº5 da Base Phoenix: Para qualquer sobrevivência coletiva, é essencial que o trabalho em conjunto seja baseado sob confiança e lealdade.

— Pouco me importa essas regras idiotas! Eu sobrevivi sozinho desde os meus nove anos neste lugar. Eu não preciso da sua colaboração para isso! – saltou até o parapeito da janela.

— Até agora. –acrescentei. – Nada permanece igual para sempre. E eu estou aqui agora, isso muda os fatos.

— O que está insinuando?

— A falta de confiança em mim, trouxe-o aqui, para me vigiar. Sua atenção não está mais voltada ao seu redor, e sim a mim. Tem ideia do quão fatal pode ser este pequeno desvio de atenção? Lá fora neste momento, pode haver uma grande emboscada. E você não está ciente disto, tudo porque está aqui analisando cada piscar de olho que eu dou.

— Tem razão. – virou o rosto para mim. – Há muitos habitantes aqui, dentre eles até alguns ex-militares. Com descuido, eu seria pego numa armadilha facilmente, mas isto se… – pausou o raciocínio, e logo sorriu arrogantemente. – Como num corpo humano, não importa quão fortes seus “braços” sejam, se não há um “cérebro” para os comandar, não há chance de sobrevivência. Tudo o que precisei fazer foi eliminar esse cérebro.

Arregalei os olhos. Eliminar o “cérebro”?

— Você não está me dizendo que… assassinou o líder desta vila?! – mesmo em espanto, tomei cuidado para não elevar a voz.

— Como acha que durei tanto tempo neste mundo, Heartfilia? – o sorriso lateral deixou o dente canino amostra. – Sendo imprudente a ponto de não formular estratégias para quando estiver vulnerável? – balançou tranquilamente a cabeça em discórdia. – Deste jeito já teria virado almoço de predador no primeiro fechar de olhos. – eu suava frio. Antes de aparecer na janela, ele já havia esquematizado tudo. Quanta ingenuidade, Lucy. – Como pode ver, posso lidar com esses assuntos muito bem sozinho, e para falar a verdade, quase aceitei a sua proposta, suas palavras até que soaram bem convincentes; porém! – elevou o dedo indicador. – Foi aí que eu percebi o quão estranho era, uma vítima, de uma catástrofe causada por mim, estar tão empenhada em obter a minha confiança. – apertei os punhos ligeiramente nervosa com a indireta. – Por acaso é um item importante… para a trama de você e Lisanna? – Congelei. Dragneel soltou um riso presumido antes pular da janela, deixando-me a sós, perplexa.

Puxei os cabelos para trás, livrando-me da franja nos olhos. Indo e voltando de uma parede a outra, numa forma de clarear os pensamentos embaralhados. A ansiedade e o desespero me enchiam o peito. Eu estava na beira de um abismo, um passo precipitado e já era, estaria tudo acabado. Desde quando ele suspeitava de alguma coisa entre mim e Lisanna? Já não era uma questão resolvida há tempos? E mais agora, que desconfia sobre eu precisar de sua confiança? Bufei sem saber o que fazer, desabando na cadeira próxima à mesa.

Como se não bastasse, o rosado provavelmente havia matado o líder de Kondor, e não tardaria para que descobrissem esta lástima e entrassem em pânico. Espere, pânico? Não. Não fazia sentido Dragneel querer provocar um tumulto. Para quem está acostumado com o sossego das florestas, barulho e confusão são a última coisa que desejaria. Expirei em alívio. Então, ele não havia o matado, pelo menos não ainda. Talvez resolvera tudo com sua boa lábia, não lhe faltava ameaças, afinal.

— Shiori-san. – quase fui ao chão com o salto que dei ao escutar a voz de Kinana e o rangido da porta sendo aberta. A mulher que adentrava no cômodo, estacionou-se próxima à soleira, sem largar da maçaneta. Seu olhar varreu cada canto até pousar, austero, sobre mim. – O que aconteceu aqui?

— B-bem, eu achei que o peixe estava esfriando, então resolvi ligar o fogo e acabei me queimando e tropeçando e… – as palavras saíram demoradas e desengonçadas, não houve tempo para pensar numa boa desculpa para tudo aquilo.

— Claro, e aquela cratera ali? – sua expressão dizia que não estava nem um pouco convencida.

— Ah, aquilo, bem, eu estava-

— Não precisa falar mais nada. – suspirou cansada. – Eu te peço para lavar a louça, e quando volto é isso que encontro? – largou a caderneta de pedidos em cima da mesa, e caminhou aborrecida até uma vassoura.

— Então, eu devo… atender os clientes agora? – perguntei desajustada, temendo que ela me despejasse.

— Retire o lixo. – apontou para um saco preto grande perto dos armários. – Pelo menos você não causará nenhum desastre com esta tarefa.

— Desculpe pelo infortúnio. – peguei o saco pesado com as duas mãos, tristonha. – Onde coloco-o?

— Ande três quadras à esquerda, e você verá uma lixeira frente a uma casa abandonada.

— Certo. – respondi já precipitando-me para o corredor.

— Depois só volte para pegar o dinheiro, não a quero mais trabalhando aqui.

— Certo. – repeti contristada em passos desanimados.

Ao sair do estabelecimento carregando o saco sobre o ombro, e seguindo na direção informada, – sem me importar com os olhares repressivos a volta – murmurei um irônico agradecimento àquela peste chamada Natsu Dragneel.

. . .

Fifth Zone

(Quinta Zona)

Passado – Quarto dia.

— É uma grande honra recebê-los em nossa terra. Por favor, sintam-se à vontade! – apresentou aconchegáveis poltronas turquesas de onde podia-se observar através dos elegantes vitrôs, uma riqueza de peixes coloridos nadando pelo vasto azul das águas do oceano.

Os dois visitantes ficaram deslumbrados com a beleza da mansão dos Lockser. A casa ficava na encosta de Iceberg, e diferentemente das construções normais, era constituída do térreo, e de subandares que ficavam totalmente imersos na água. As decorações eram, em sua maioria, objetos marinhos, tais como raríssimas conchas de cores cintilantes, que só podiam ser encontradas nas fossas oceânicas mais profundas.

— Vejo que não eram apenas rumores sobre o bom gosto dos Lockser. É mesmo uma arquitetura impecável. – o homem em armaduras de ferro observava a extensão circular do salão, admirado com as colunas e os entalhes de seres místicos aquáticos, tal como a grande divindade Poseidon esculpida em uma espécie de vidro nos altares.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Isto tudo é graças ao incrível talento de minha esposa, Cayla Ondina. – Sorriu para mulher ao lado que sustentava no rosto um grande sorriso de satisfação.

— Assim vocês me deixam envergonhada… – tapou as bochechas rosadas. Ato que provocou graça nos três homens presentes. – Se o senhor quiser, posso esculpir algo que goste em um adorável adorno de mesa.

— Oh, seria um grande prazer. Meus agradecimentos. – Curvou-se para Cayla, que repetiu o gesto. – Em nossa zona, onde só forjamos ferro, dificilmente vemos objetos de tamanha delicadeza... De que material são feitos os entalhes? Vidro?

Cayla soltou uma breve risada.

— Todos pensam que é vidro. Na verdade, tanto esses entalhes quanto as paredes e o piso são feitos de água cristalizada, é uma de nossas magias e-

Uma das serviçais, que chegara silenciosamente por trás da mulher de cabelos cor creme, chamou silenciosamente pelo seu nome, fazendo-a parar a fala e virar-se.

— Onde está Juvia? – estranhou a ausência da filha, afinal, havia pedido para que a trouxessem.

Yukino pareceu um pouco aflita diante da pergunta e pediu para que Ondina a acompanhasse.

— Owen, continue explicando ao sr. Redfox e ao seu filho Gajeel, eu não tardarei a voltar. – disse ao marido antes de caminhar arrastando o longo vestido azul royal pelo piso transparente seguida das serviçais.

— Claro, claro. Por favor, sentem-se. Querem algo para beber? Vinho?

Desceram a escadaria para o subandar 2, onde ficavam alojados os quartos e continuaram pelo corredor comprido até chegarem a última porta branca à direita, o quarto de Juvia. Cayla que estava um pouco ansiosa quanto àquele mistério todo, abriu a porta sem hesitações, e deparou-se com um aposento silencioso e vazio.

— O-onde ela está? – pela fisionomia de Ondina, ela estava prestes a ter um treco.

— Não sabemos. Nós já procuramos por todos os cantos da casa. – respondeu Yukino com feições preocupadas.

— E no jardim? Ela não está no jardim? – a mulher começou a se desencabelar. O que faria? O Terceiro e seu pai estavam esperando para conhecê-la.

— Também não, minha senhora. – desta vez foi Cana que atendeu a Lockser, prontificando o leque para acalmá-la. – Eu suponho que ela tenha fugido para a Quarta Zona.

— Ai meu Deus Poseidon! – catou o leque de desenhos prateados e tratou de se abanar. – Não me diga que ela está de novo com aquele picolé ambulante!

— Provavelmente, Ondina-san. – comentou a serviçal de cabelos brancos dando uma discreta cotovelada na morena, que estava quase perdendo o pulmão de tanto rir sobre o apelido. Não teve dúvidas de que ela estava bêbada.

— Santa Iara das Costas do Leste, o que eu farei? O que eu fareeeeei, Yukinooo?— segurou a serviçal nos ombros balançando-a para frente e para trás num movimento desesperado. Quando a agonia tomava conta, Cayla já não era mais a mesma pessoa. – Os tubarões comeram o cérebro daquela menina, Yukinooo?

— E-eu não sei, minha senhora, possivelmente! – aquela agitação foi deixando-a cada vez mais zonza.

— Quem comeu o quê? – a Lockser paralisou ao ouvir o timbre de seu marido atrás de si.

— O-owen! O que faz por aqui? – abriu um enorme sorriso forçado, fechando tão rapidamente a porta do quarto que ocasionou um doloroso estrondo aos ouvidos, e voltou a se abanar graciosamente.

— Como assim o que eu faço por aqui? Eu moro aqui. – suspendeu a sobrancelha. Não precisava ser marido de Ondina para reparar que algo ali não estava certo. – O sr. Metalicana achou melhor que nós fossemos até Juvia. Ela está no quarto?

— Mas é claro que está! Onde mais ela estaria, querido? – riu um pouco escandalosa. Owen engoliu em seco. Algo definitivamente não estava certo.

— Ah, ótimo. – fitou os convidados que estavam com olhares confusos, e buscou ser o mais tranquilo possível, dando passos direcionados à porta.– Os nossos convidados estão ansiosos para conhecê-la e-

— NÃO! – gritou a mulher, intervindo em seu caminho. – Quer dizer, vocês não podem entrar, agora. – amansou a voz logo após notar o espanto nos semblantes dos homens.

— Aconteceu alguma coisa? – indagou Metalicana, ligeiramente preocupado.

— Oh, calamidade! – pôs as costas da mão sobre a testa, debruçando-se sobre os braços do esposo. – A pobrezinha pegou uma doença terrível! – choramingou.

— Doença? Pobre moça, devo prestar minhas condolências a ela? – empertigou-se o homem de vestes férricas.

— NÃO! – exaltou-se novamente. – Quer dizer, ca-ham. – tossiu. – É uma doença muito grave e contagiosa, não gostaríamos que os senhores contraíssem-na entrando no quarto. – sorriu sem graça.

— Ora, podemos pelo menos acenar daqui, é minha obrigação apresentar devoção à futura noiva de meu filho. – foi cortês, aproximando-se da maçaneta.

Não toque na maçaneta!— todos olharam para ela. – Ela espirrou aí! – o homem retraiu a mão com uma careta de nojo.

— Mas se é algo tão contagioso e grave a senhora deve ter retraído, não? A porta antes estava aberta. Devemos levá-las ao curandeiro mais próximo imediatamente! – comentou o futuro noivo pela primeira vez.

— Ah, não, estou muito bem. – negou, enrolando a língua demoradamente ao dizer não. – Esta doença só é adquirida uma vez na vida, e na infância eu apresentei os sintomas. Como podem ver, – girou o corpo. – estou muito saudável, assim como Juvia ficará daqui a alguns longos dias! Então não cancelem o casamento, tá? E boa viagem! – foi empurrando seus ombros para longe com o melhor sorriso que possuía.

— M-mas sra. Lockser, não há nada em que podemos ajudá-la? Diga-nos o nome da doença, e assim poderemos trazer algum medicamento. – insistiu Gajeel.

— Ela chama… chama… – procurou a primeira palavra que viesse à mente. – Chama Vaetioma Islaiboy!

— Perdão? – pai e filho disseram em uníssono.

— É uma doença encontrada só nesta zona, então é natural que não a conheçam. – explicou, orgulhosa de suas habilidades peculiares em enganar as pessoas. Pelo menos era o que pensava.

— Querida. – chamou o sr. Lockser.

— Sim? – atendeu suavemente.

Islaiboy não era o nome da marca das minhas cuecas?

Todos arregalaram os olhos.

— O-owen! Que falta de educação! É claro que não! – repreendeu-o, completamente vermelha de vergonha. – Não levem em relevância o que ele diz às vezes. – sussurrou para os convidados da Terceira Zona.

O cavaleiro já não possuía o dom da fala, e foi seu pai quem o ajudou a mexer as pernas para o mais longe possível daquele lugar.

— Certo, vamos indo Gajeel. – puxou o filho pela manga da camisa de cetim.

Quando as figuras dos Redfox desapareceram pela escadaria que dava ao salão principal, o pai de Juvia foi o primeiro a quebrar o silêncio.

— O que está havendo com você?

A mulher bufou irritada, diante da pergunta.

— Venha cá, seu irracional! – arrastou o marido pela orelha até o quarto de casal, e Owen já se preparava para bronca que viria a seguir. – Meninas, tragam-me uma xícara de chá. – exclamou antes de jogá-lo para dentro e trancar a porta.

As serviçais observavam tudo naturalmente. Não era de hoje o estranho temperamento da senhora Cayla.

— Ela é demais! – afirmou Cana entre risos.

— Eu que o digo. – concordou Yukino acompanhando a amiga em direção à cozinha.

. . .

Seventh Zone

(Sétima Zona)

Atualmente – Sétimo dia. – Noite.

Clique aqui para ouvir a música.

O cheiro apodrecido e azedo impregnava em minhas narinas de tal forma que quase lancei ao chão um caldo de saliva e bílis do estômago nos amontoados de lixos, que ora pareciam balançar seguido de chiados nenhum um pouco reconfortantes. Não demorou muito até que visse caudas longas infiltrarem-se rapidamente entre os vãos dos sacos. Os rasgos, provocados certamente por dentes finos e cortantes, na superfície plástica não negavam. Com certeza era a casa de uma grande ratazana.

Aproximei-me cuidadosamente da lixeira, sentindo a sola das minhas botas grudarem e descolarem do chão imundo a cada passo. A iluminação das tochas não alcançavam tão intensamente aquele beco isolado, e as carregadas nuvens encobrindo o céu noturno não favoreciam a infiltração da luz natural dos astros. Ainda assim, era possível enxergar pequenos olhos refletirem uma cor medonhamente avermelhada.

Deitei o saco de maneira cautelosa para não haver nenhuma precipitação por parte dos ratos, e pronta para virar-me e sair daquele lugar asqueroso e altamente perigoso, perguntando-me a quanto tempo que alguém não recolhia os lixos e limpava a área por uma questão de saúde pública, escutei um rumor. Mas desta vez, não eram os chiados dos roedores. Era algo semelhante a um riso abafado, e provinha de dentro das paredes velhas da casa baldia.

Observei ao redor da rua. Não havia uma única alma rondando àquela hora da noite – provavelmente umas noves horas. O que significava que se existia alguém no interior da construção por trás da fedorenta lixeira, não queria mesmo ser descoberto. Talvez não fosse um assunto que eu devesse ter conhecimento ou interferir. Poderia ser apenas algum casal encontrando-se às escondidas, aprontando coisas que não eram definitivamente do meu interesse. No entanto, eu não pude deixar de lembrar sobre o veneno que Dragneel comentara mais cedo. Pela reação do rosado, não parecia ser uma mera mentira; então, se de fato estavam armando contra nós, aquilo era motivo suficiente para emaranhar-me e subir pelo lixo silenciosamente até conseguir pular o muro de madeira da casa.

Bufei pela quarta vez, ao perceber que minhas botas eram pesadas demais e faziam barulho enquanto subia pelos sacos, fazendo-me retornar as quatro vezes para o início da escalada.

— Se eu pegar uma doença e não for nada… – sussurrei a mim mesma, não querendo tirar os calçados, e subir descalça na morada dos ratos.

Inspirei profundamente e retirei as botas de uma vez por todas, colocando-as num canto escondido, caso a pessoa saísse primeiro do local e as encontrasse, e logo voltei a escalar, apoiando os pés em áreas firmes, rezando para que os animais não passassem por eles. Assim que alcancei o topo do muro, transferi o corpo para o lado de dentro, deslocando uma perna de cada vez. O muro ameaçou ranger alto, e num ato repentino de desespero, sem medir com os olhos a altura em que me encontrava, larguei da extremidade da madeira, e caí num baque surdo, dando uma leve torcida no tornozelo.

Graças aos céus – literalmente dizendo— um raio entrecortou a negritude celestial e o som do trovão ressoou no momento exato da minha queda, encobrindo completamente o barulho desta. Foi o anúncio para os primeiros respingos de chuva.

Levantei rapidamente, e caminhei agachada – devido às janelas – até os fundos da casa, onde o som da voz era mais intenso. Uma voz que aos poucos me soava mais familiar, a medida que me aproximava. Porém, ainda assim, as paredes de madeira velha abafavam a fala, e eu era incapaz de distinguir as palavras.

Comecei a procurar algum tipo de fenda ou abertura na construção, devido ao desgaste do tempo na superfície e à ratazana que provavelmente roía grandes aberturas. Contornando-a, encontrei um grande vão por detrás de uma tábua que fora pregada frouxamente. Não houve grandes dificuldades para retirá-la e atravessar até o lado de dentro.

O fedor de fossa indicava que provavelmente aquele era o banheiro, mas procurei não me atentar a isso, e em curtos passos, cheguei até a porta. Não ousei conferir se estava trancada, pois qualquer ruído desnecessário e eu poderia ser exposta. Agachei para olhar pelo buraco da fechadura, e embora a visão fosse limitada, foi o suficiente para conseguir identificar aqueles cabelos louros de príncipe que brilhavam sobre a luz da lamparina ao seu lado.

Sting.

— …e todos aqui foram avisados. – o loiro estava encostado sobre o parapeito de uma janela, e parecia responder a um lácrima que segurava no ouvido esquerdo. Não era possível escutar a pessoa por trás da ligação. – Não, ainda não faço ideia porque ele veio pra cá, mas ele está acompanhado de uma garota. – arregalei os olhos. – Sim, é uma loira de aproximadamente uns dezoito anos, mas não a reconheço de nenhum lugar.

Falavam de mim. Virei-me, apoiando as costas na porta, sentada. Dragneel dizia para não me envolver em seus assuntos, mas ele mesmo acabara me arrastando para um deles, e o pior é que eu nem sequer sabia do que se tratava.

— Chama-se Shiori Heartfilia. – Passei as mãos pelo rosto, incrédula. Kinana havia me entregado. Natsu estava certo, não podíamos confiar em ninguém. – Daqui dois dias?! Não vou aguentar ficar tanto tempo! – quem eram eles? O que queriam? Um bolo se formou no estômago. No que eu havia me metido? – Está bem, está bem.

O barulho de estalos me alarmou. Voltei à fechadura para ver o que acontecia, ele agora caminhava de um lado para outro, perigosamente mais próximo.

— Realmente? A srta. ativou o C.P.D 7? – estreitei os olhos quando um sorriso misterioso, sob a iluminação fraca e amarelada da chama, projetou-se na face de Sting, um arrepio percorreu minha espinha. – Parece que Dragneel está cercado. – queria sair dali, precisava avisar o rosado o quanto antes.

Amaldiçoei-me na mesma hora por ter tido aquela ideia ridícula de sair, pois ao dar um passo para trás, trombei em algo. Um balde de ferro velho e enferrujado, que com a colisão, caiu e saiu rolando lentamente pelo assoalho. Não houve tempo para nada. Tudo o que fiz foi fechar os olhos em pânico enquanto ouvia o incessante ringir do ferro ecoar por todos os lados.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Um momento, Primeira. – um silêncio brutal perseverou por alguns segundos, o único barulho era o choque da chuva no telhado. Não movi um músculo, nem mesmo o diafragma, durante este tempo, aguentando o máximo possível da falta de ar. – Não, não foi nada, mas por via das dúvidas vou desligar, o lugar onde estou não é o dos mais confiáveis. – falou por fim, sério.

O ambiente retomou a quietude e ele não respondeu mais. Deveria ter encerrado a transmissão.

— Parece que ouvidos atrevidos estão a escuta.

Uma gota de suor deslizou solitária da têmpora esquerda em câmera lenta, espatifando-se no chão. Meus músculos se tensionaram no mesmo momento que aquela voz carregada de sarcasmo chegou ao pé dos ouvidos; e uma ardência no braço induzia que eu perfurava a pele com as unhas.

O som dos passos calmos e arrastados que se aproximavam do banheiro embaralharam-se com o tamborilar do coração, que disparava batimentos velozes e descompassados.

Dei por mim, finalmente, e abandonei o estado de paralisação.

Precisava sair dali e tinha que ser rápido.

Num pulo, alcancei o vão, e tentando me esgueirar rapidamente pelas farpas e cantos pontiagudos, acabei arranhando a panturrilha dolorosamente, sentindo o líquido quente escorrer pela perna. Xinguei o mundo num sussurro. Desastres sempre aconteciam nas piores horas. Voltei ao que realmente importava ao ouvir a porta ranger, e a luz da lamparina invadir o cômodo aos poucos. Sem ao menos enxergar a figura adentrar, lancei-me para fora, e no mesmo segundo a água gelada despencou sobre mim, encharcando meu corpo como um banho de gelo. O frio me tomou conta.

Arfava vigorosamente enquanto percorria o perímetro da casa, meus pés derrapavam pela lama, e eu utilizava da aresta da construção para me impulsionar para frente. A água pesava sobre o corpo, junto da armadura, e as forças desvaíam-se a cada passada. Já não sentia as pernas, apenas corria.

Não atrevi a olhar uma única vez para trás, meu objetivo era chegar até o muro, e era só nele que minha visão fixava. Quase choquei-me no mesmo com a velocidade e a falta de atrito na terra. Analisei a altura e saltei. Não foi suficiente. Outra vez. Não atingia. Eu tremia, seja de frio ou temor. Ele estava perto? Não conseguia ouvi-lo, a chuva estava muito forte.

Na terceira tentativa, minhas mãos atingiram o topo, e no instante em que me erguia sobre este, apoiando o peso sobre os braços, uma grande força rodeou minha cintura e levou-me ao chão.

Fui prensada fortemente contra o muro, quase arrancando-me um grito da garganta.

— O que eu vou fazer com você? – seus lábios, distantes apenas de uma palma, sacudiam o hálito em meus olhos. – Sabia que é feio ouvir conversa alheia, Blondie? – brincou com o novo apelido.

Estava assustada demais para achar alguma graça no apelido estúpido.

Prendeu meu pulsos com as mãos acima da minha cabeça, uma sombra negra abrangia grande parte de seu rosto, devido à escuridão da noite. Uma escuridão muito diferente daquela do céu, quando observava as estrelas, desta vez era incrivelmente pavorosa. A chuva também não era a mesma que me refrescava nas estações quentes, quando saía para pular sobre as poças. Esta chocava-se tão impiedosamente, que manchas vermelhas aglomeravam-se sobre minha pele.

— Te darei duas escolhas. – por algum motivo, lágrimas começaram a preencher meus olhos. – primeira: – disse em alto e bom som. – Abandone o psicopata estressado e venha para o nosso lado, o lado correto e vencedor, e eu te acolherei de abraços abertos. – sua voz estava alta para superar os trovões que repercutiam entre as montanhas ao longe, senti-me pequena, frágil. Ele era tão medonho e dominante quanto o filho do dragão de fogo. – Ou, segunda!

Mas havia uma diferença.

— Corra até ele, conte tudo o que você ouviu nesta noite e… Morram juntos. – sibilou afiadamente. – A escolha é toda sua… Blondie. – enrolou uma mecha de meus cabelos com o dedo indicador, sorrindo falsamente.

Dragneel não era tão hipócrita.

Sem aviso prévio, enquanto o mesmo divertia-se com a mecha, acertei-lhe o joelho nas partes baixas. O loiro grunhiu alto, largando-me e estirando-se no chão. Neste momento, vi a chance de escapar, e tratei de começar a subir pelo muro. Porém, antes de descer pelos amontoados de lixo, encarei novamente aquela cena para nunca mais esquecê-la: Sting, com a mão entre as pernas, contorcendo-se de dor; e proferi friamente.

— Eu escolho o lado vencedor, que, com certeza, não é o seu. Não perderemos, pode apostar que não!

E fugi em meio à tempestade, pela aquela rua desolada, procurando o caminho de volta, só desejando um lugar aconchegante para retornar.

As lágrimas desceram finalmente, misturando-se com o choro dos céus. Aquele lugar, Lucy, não existia.

Não sabia exatamente porque disse a Sting aquelas palavras tão determinadas, de uma convicção que eu nem sequer possuía. Só que o que sabia era que não queria perder para eles. Sejam quem quer que eles fossem.