O Enigma do Semideus

Capítulo Sete – Seus Lindos Olhos Azuis


– Daqui a pouco ele arranca a roupa e posa igual ao nascimento de Vênus.

Andrew irrompeu em risadas depois da fala de Callie. A menina inconveniente falava sobre Julian que continuava posando para desenhos que Lillie fazia mesmo no escuro. Ela tinha apenas uma fresta do portão da caçamba que a proporcionava luz e mesmo assim conseguia acertar nos desenhos, mostrando um incrível talento.

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– Dá um tempo! – Gritou Pam. Era um milagre que o motorista do caminhão não ouvisse as brigas constantes delas. – Nos poupe da sua inconveniência por pelo menos alguns minutos.

A viagem já durava horas e todos estavam estressados, especialmente Pam, que já tinha dado pistas de uma personalidade nada tranquila caso a irritem. Callie não parou e continuou emendando piadinha atrás de piadinha, fazendo Andrew rir. No fundo, ele desconfiava se ela não estava fazendo isso só pra vê-lo sorrir depois de um clima tão ruim com seu pai.

De repente o caminhão parou. Pam ficou logo alerta e dirigiu olhares atentos a todo o grupo, alertando que qualquer coisa poderia acontecer. Ouviram uma movimentação na cabine da frente e então a porta da caçamba abriu sozinha. A claridade os cegou por um segundo e Joe se levantou, segurando seu mapa e dirigindo-se ao grupo:

– Meu pai avisou sobre isso. Aqui diz: “a porta não vai ficar aberta para sempre”. – Ao lado do recado, um contador de segundos indicava que o tempo deles acabava em menos de dez. – Espera! Mudou a mensagem. – Joe apertou os olhos. – “Saiam daí, lerdos!”.

Desceram do caminhão observando se alguém os vigiava e tudo pareceu surpreendentemente vazio. Quando todos estavam no chão, a porta da caçamba se fechou sozinha e o veículo partiu pela estrada de terra na sua frente.

– Onde estamos? – Andrew perguntou divagando ao olhar para o céu do meio da tarde.

– Pelo cheiro do mar, provavelmente na costa da California. – Henry respondeu, sempre calmo e com as mãos nos bolsos.

Joe se aproximou ainda observando o mapa.

– Pessoal, mais um recado do meu pai. – Adorava usar a palavra “pai” e se lembrar que agora tinha um. – “Peguem o avião na sua frente”. – Todos encararam o nada que era o enorme campo de terra vermelha onde estavam.

– Não tem avião nenhum aqui. – Pam retrucou.

Antes que pudesse pensar em abrir a boca, Joe notou que a mensagem mudara e leu em voz alta.

“Olhem de novo”.

Quando o grupo encarou o nada mais uma vez, quase caíram para trás. Um pequeno avião de carga estava na sua frente, diferente da realidade de meio segundo atrás. O mapa mostrou um pequeno recado de Hermes que Joe guardou pra si. “Se meu pai descobrir, ele me mata”.

Entraram no avião de carga e se acomodaram no pouco espaço lá dentro. Na frente, Henry e Joe tomaram as rédeas da máquina, mesmo que os dois adolescentes não soubessem como pilotar. Ficaram olhando pros controles e nem mesmo Henry que costumava saber das coisas imaginou como seria pilotar aquele troço. Olhou ansioso pra Joe, que lembrou-se do mapa.

“Prove que é mesmo meu filho”. – Disse a frase em voz alta e depois franziu a testa, sem entender. – Como assim? Ele quer que eu mande um papo no avião e o convença a sair voando?

– Hermes está com os mentirosos, ladrões e tal, mas não é só isso. – Argumentou Henry. – Ele é o mensageiro dos deuses e senhor dos correios, certo? – Joe assentiu. – Então ele sabe bem como faz pra chegar em qualquer lugar e ele deve achar que você sabe também.

– Mas eu não sei! – O jovem moreno parecia confuso. – Faz pouco mais de vinte e quatro horas que eu descobri que ele é meu pai.

– É como nos livros. – Henry falou, lembrando-se de como sempre imaginou quem era sua mãe. – Você não sabe, mas sabe. Há coisas que você simplesmente consegue fazer. Então tente não pensar em ser o filho dele e só seja você mesmo, o que você sempre foi.

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Joe ficou em silêncio por um momento, pensando no que Henry lhe dissera. Ele sempre foi bom em convencer as pessoas, sempre teve uma mão leve pra conseguir o que queria... Mas levantar um avião? Ele nem fazia ideia de pra onde estavam indo, só sabia que precisava chegar lá o mais rápido possível, com ou sem mapa. Com ou sem Hermes. Precisavam disso pra conquistar seu objetivo, que era meio louco, mas nobre.

O avião começou a se mexer e fez com que todos arregalassem os olhos com medo da decolagem sem aviso prévio. Henry olhou pra Joe, impressionado e também assustado.

– Como você fez?

– Não faço ideia. – Respondeu um Joe espantado. – Só fiz.

Henry sorriu.

– É isso aí, cara.

A aeronave velha balançava no ar e os levava num voo completamente irregular, que ia pra cima e pra baixo sem aviso, sem plano de voo. Uma vez ela girou 360º fazendo com que todos caíssem uns nos outros, menos Henry e Joe, protegidos pelos cintos de segurança dos bancos da frente. Finalmente ela foi descendo devagar, para o alívio de todos. O avião foi lentamente até dois metros do chão e aí caiu bruscamente enterrando sua ponta frontal na areia.

Pam foi a primeira a sair da aeronave e notou que estavam numa praia deserta. A areia era escura e o vento batia forte. O mar verde e revolto parecia não gostar da presença deles. Abraçou-se ao sentir o frio e logo notou que não estava mais nos Estados Unidos.

– Canadá. – Henry apareceu ao seu lado respondendo à pergunta que ela não fez. Ele apontou para uma placa de trânsito com comando em inglês e em francês.

– Se aqui é mesmo o Canadá, então estamos quase lá. – Ela retrucou animada.

– Ok, mas como as mentes brilhantes pretendem nos levar até o Alasca? – Perguntou Callie.

Pam ficou pensativa. Talvez pudessem arrumar um barco. Joe poderia ajudar com isso. Ela encarou o rapaz que sacudia o mapa nas mãos como que procurando ou esperando por algo. Hermes não deve ter mandado mais uma pista ainda. O deus devia ter mais o que fazer.

– Vamos seguir pela praia até aquelas rochas. – Apontou para um enorme rochedo no final da orla. – De lá, pensamos em algo.

– Caminhar pela praia... – Callie continuou com tom sarcástico. – Genial.

– Tem alguma ideia melhor?

– Qualquer ideia deve ser melhor que as suas, ó grande Pam, a sábia bff dos deuses.

– Então porque você não nos guia? – Pam começava a se irritar. – Sabe pra onde devemos ir? Tem como encontrar Rick? Ou é só muita fala e pouca ação?

– Se você quer ação vai ter agora, metidinha! – Callie se aproximou fechando os punhos com força. – Já não aguento mais te ouvir dando ordens sem noção achando que é muito melhor que todo mundo só porque descobriu tudo antes da gente. Você é só uma...

– Shhh! – Pam colocou uma mão na frente do rosto de Callie e pareceu atenta. – Calada.

– NÃO MANDA EU CALAR A BOCA NÃO!

– Shh, fecha esse bico! – Pam deu dois passos para trás e mexeu a cabeça como se tivesse ouvido algo. Imediatamente começou a se dirigir aos amigos com a voz baixa. – Joe, Julian e Lillie: cuidem uns dos outros. Callie, Henry e Andrew, comigo! – Sacou a faca da bota e foi correndo até o asfalto longe da orla. Sem entender, os que ela chamou foram atrás.

Pam corria rápido e tinha o olhar determinado num ponto fixo: umas árvores atrás de um banco de pedra. Henry, Andrew e uma Callie ainda raivosa a acompanharam, com medo de que tipos de aventura poderiam encontrar.

A garota chegou na frente do banco e subiu nele, observando o espaço atrás, em meio às raízes da árvores. Sem pensar, se jogou ali.

Quando Henry – o mais rápido dos colegas – chegou perto, riu do que viu. Pam caída no chão com uma garota ajoelhada sobre ela, a imobilizando. Assim que Callie e Andrew os alcançaram, começaram a gargalhar.

A menina era negra, baixinha e magra, não parecia forte o suficiente para render Pam. Tinha cabelos castanho-claros até o meio das costas bem cacheadinhos e usava um vestido de tecido cinza grosso com alças finas e uma sapatilha. Quando ela notou a presença do grupo, pareceu compreensiva e vacilou, deixando que Pam a empurrasse. Quando as duas meninas se olharam, ela entendeu.

– Ah, sim. Faz sentido. – Sorriu pra garota que acabou sorrindo de volta. – Sabia que ela mandaria alguém.

A jovem se levantou e ajudou Pam, pareciam amistosas uma com a outra agora.

– Alguém pode explicar que droga é essa e quem é essa menina? – Mais uma vez a impaciência de Callie se expressou.

– Meu nome é Perri. – Retirou de trás de uma árvore seu arco e uma bolsa com as flechas. – Lady Ártemis me mandou quando percebeu que a missão era liderada por crianças sem experiência.

Pam não gostou da cutucada, apesar de saber que tinha muito ainda que aprender.

– Então você é uma... – Henry se empolgou, porque adorava as lendas delas e A Maldição do Titã era seu livro favorito. – É uma caçadora de Ártemis?

Perri assentiu com um sorriso amistoso.

– Quando a gente pensa que já viu de tudo, ainda aparece mais. – Andrew olhava para a jovialidade eterna da menina admirado. Sua pele lisa e cintilante chamava muita atenção.

– Vocês ainda têm muito que ver e entender antes de acharem que sabem da metade. – Perri respondeu com a voz da experiência. – Infelizmente não temos tempo para um treinamento, por isso me mandaram pra fazer a proteção do grupo. Os deuses não poderão salvá-los de todas as enrascadas.

– Eles não nos salvam de nenhuma. – Disse Andrew.

– Está enganado. Aqueles que são a favor da revelação do Enigma os têm sob seu olhar e já pararam muitas ameaças que vocês não seriam capazes de vencer. – Perri não estava disposta a brincar. – Enfim, são só vocês?

– Há mais três na praia. – Falou Pam.

– O quê? – Alarmada, Perri gritou. – Ninguém pode ficar sozinho!

Passou pelo grupo e foi andando na direção daqueles que ainda nem a conheciam.

– Era só o que faltava, mais uma metidinha achando que é a rainha da cocada preta.

– Olha como fala. – Perri lançou um olhar sério a Callie, ainda andando. – Tenho permissão de aplicar castigos em vocês.

– Castigo? – A garota implicante começou a gritar. – Tá pensando o quê? Eu te quebro em duas, magrelinha!

– Não brigarei com uma criança sem motivo algum. – Desinteressada na pirraça de Callie, que continuou a gritar, Perri avançou e finalmente chegou em Julian, Lillie e Joe. – Meu nome é Perri, sou uma caçadora de Ártemis e milady me mandou para escoltá-los até seu destino.

Todos assentiram, porque a aparência da garota era tão eterna que seria impossível que ela não fosse quem dizia ser.

– Traduzindo, é mais uma chata amiguinha dos deuses. Sabe, aqueles que não querem saber de nós? – Callie chegou junto do resto do time.

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– Você não vai parar com isso? – Perri revirou os olhos. – É tão infantil. A cara de seu pai.

Callie pareceu revoltada. A garota se encheu de fúria e quase podia-se ver seus olhos tornando-se vermelhos. Falar de um suposto pai que ela nem conhecia e apenas imaginava saber quem é a embraveceu. Ela avençou em Perri dizendo palavras desconexas, enquanto esta se defendia com facilidade. Pam, Henry e Andrew tentaram aplacar a briga, mas não conseguiram. Apenas quando Julian se aproximou delas foi que a confusão parou. Bastou apenas um olhar dele para cada uma e o rapaz conseguiu afastá-las, usando nada mais que um leve puxão com a mão. Segurava Callie e Perri, uma em cada mão, e intercalava seu olhar entre elas.

– Meninas, precisam mesmo disso? – Ele suspirou e piscou demoradamente. – Sejam civilizadas, sim?

Elas se desvencilharam dele sem dizer mais nada e cada uma foi pra um lado. A maior parte do grupo não achou nada demais, mas Henry e Pam notaram o feito inédito.

– Isso sim foi incrível. – Henry falou, assoviando depois. – Fez a Callie calar a boca. Você merece uma medalha.

Julian riu.

– Bastou pedir com educação.

– Não, não foi assim. – Pam complementou. – Você pareceu usar algum tipo de persuasão. Não notou?

Ele fez que não com a cabeça, mas então começou a se lembrar de todas as vezes em que conseguiu as melhores roupas do bazar de caridade porque convencia as meninas que tais cores não lhe caíam bem.

– Como será que fiz isso?

– Devem ter sido seus lindos olhos azuis. – Joe se aproximou, falando com a voz fina e imitando uma personalidade andrógena. – Acho que a Perri gostou deles.

– Mesmo? – Julian mostrou esperança nos olhos. – Talvez Andrew não seja o único a tirar uma vitória pessoal dessa aventura.

– Ok, mas vai com calma. – Henry apontou. – Não esqueça o que ela é.

Julian piscou e partiu na frente, alcançando Perri que guiava o grupo na direção das pedras. Joe deu uma cotovelada em Henry.

– Eu podia jurar que ele era gay. – Sussurrou.

– Eu também. – Henry concordou.

Olharam pra Pam, que fez um gesto positivo com a cabeça.

Mais na frente, Julian se posicionou ao lado de Perri e eram seguidos de perto por Callie, Andrew e Lillie. O rapaz nem percebeu quando um coração rosa cintilante começou a girar sob sua cabeça.

– Tá explicado. – Henry argumentou ao som das risadas.