O Preço da Honra

Planos de Viagem


— É assim tão horrível?

Emma olhou para Connor, talvez esperando ver alguma hesitação nos olhos dele enquanto andavam de volta para os cavalos, mas não; só aquele olhar vago e nulo que ele sempre tinha no rosto.

— Sim – Ela suspirou. Se apenas ele soubesse.

Ela parou no meio da rua, pensando naquilo. Ela não sabia o que esperar nos próximos dias. A estrada que seguiam era perigosa. E Connor, com todas aquelas pessoas na fazenda que contavam com ele, e também Achilles... Valia o risco de ser morto, e deixar todas aquelas pessoas para trás? Tudo aquilo deveria ser o fardo dela, sua cruz a carregar. Ela não pensava daquela forma por orgulho. Não. Simplesmente não era justo com ele.

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— Você não tem que fazer isso, Connor – Disse ela com um suspiro, e ele parou também, virando-se para ela. – Não é justo ter suas escolhas removidas de suas mãos por uma ordem de Achilles. Estou te dando uma agora. Pode voltar para casa, se quiser. Diga a Achilles que eu simplesmente te deixei para trás. Eu vou entender se não quiser me ajudar.

Connor a observou por alguns segundos, tentando entender Emma e suas palavras, e ela não disse mais nada, deixando-o pensar.

— Estamos no mesmo barco, Emma – ele finalmente disse, em um tom passivo. – Por mais que isso pareça me desagradar, é a verdade. Achilles está certo, como sempre. E nada, pelo menos parte do que fiz até hoje, foi por mim. Foi pelo meu povo. Não sou egoísta como você parece deduzir. Estou indo nessa missão não por Achilles, por mim, ou por você. Estou indo nela pelas pessoas dessa nação, e por tudo que já foi feito e perdido nessa caça aos Templários. Não pode ter sido tudo em vão, graças a mais um homem que visa apenas poder em suas mãos. O fim da guerra entre Assassinos em Templários infelizmente não pode ser prevista. Não sei se tudo isso – ele abriu os braços. – um dia, valerá a pena. Mas é meu dever, assim como é o seu, então, tomarei meu lugar entre nosso inimigo e sua vitória.

Emma sorriu de leve para o chão, franzindo as sobrancelhas. Curioso. As palavras dele foram muito parecidas com as que ela usou para convencer o conselho a deixa-la vir. Parecia tanto tempo atrás. Milênios.

— É claro que é o nosso dever – disse ela. – Mas preciso lhe dar o benefício da dúvida.

— Não tenho nenhuma.

Ela suspirou. Ele estava mais decidido que na noite anterior. Emma se perguntou o que poderia ter mudado a cabeça dele.

— Claro, a companhia poderia ser melhor e parece que não vou me livrar de você tão cedo – disse ele, tentando ser insolente, mas Emma conseguia ouvir um pouco de humor em seu tom. – Mas não estou em posição de reclamar.

Ela ergueu os olhos para ele e ergueu as sobrancelhas.

— Você diz isso como se fosse uma coisa ruim.

— Diga-me você.

— Já ouvi muitas coisas sobre minha companhia. Terá que tirar suas próprias conclusões.

Emma teve o vislumbre de um sorriso em seus lábios, mas em uma batida de coração já havia desaparecido, como se algo – orgulho? – não o permitisse mostrar que, na verdade, ele não a odiava tanto assim.

Emma acariciou o pescoço de sua montaria que, durante a viagem até Boston, Connor disse que se tratava de uma égua, e seu nome era Sombra. Disse também que precisava comprar alguns itens em uma loja, e enquanto Emma o seguia até tal lugar, ficou em silêncio, pensando em como achariam um único homem no meio da cidade. Não podiam simplesmente sair perguntando, o que apenas causaria suspeitas.

Emma esperou do lado de fora, encostada na parede da loja, até que Connor terminasse e ela pudesse perguntar quanto tempo levaria até que chegassem a Nova York. Mas algo a tirou de seus profundos devaneios.

Duas crianças mal vestidas, aparentemente órfãs, correram até Emma, um garoto e uma garota. Ela se assustou a princípio e, por instinto, sua reação foi pegar na empunhadura da espada.

— Moça, ele está preso! – disse um deles desesperadamente.

Emma franziu as sobrancelhas, soltando a arma.

— Quem está preso?

— Nosso amigo, por favor – disse a menina. – Ajude!

Emma revirou os olhos, mas seguiu-os para longe da porta, e olhou para trás. Bem, Connor teria de esperar alguns minutos. Emma seguiu os órfãos até a rua de trás, para dentro de um beco úmido que era tomado por um forte cheiro de urina e esgoto.

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Ela realmente não esperava que, de repente, quem estaria presa era ela.

Não havia nenhuma criança, apenas um grupo de guardas que carregavam grandes e pesados machados de luta. Ótimo! Ela se amaldiçoou internamente por ter caído naquela história tola.

Ela foi recebida com um belo soco, seguido por uma rasteira, batendo as costas nos tijolos de barro que formavam a rua. Será que não conseguia passar um dia sem ser jogada ao chão? Em seu período de desvantagem, suas mãos foram atadas com um grosso pedaço de corda. Emma chutou a articulação do joelho de um de seus captores, fazendo-o cair com um doloroso gemido, mas tudo o que aquilo lhe garantiu foi um forte tapa no rosto.

Ela sentiu sua pele arder, e foi levantada e jogada sobre o ombro de outro dos homens. Ela se sacudia e se debatia como um pequeno peixe fora d’água, mas era inútil; parecia uma criança perto daqueles guardas. Todos usavam o uniforme vermelho-sangue do exército inglês.

Um deles jogou algumas moedas para as crianças, que haviam feito um ótimo trabalho, e olhavam curiosas para Emma enquanto era levada para outro lugar, provavelmente imaginando o que seria feito dela. Emma se perguntava o mesmo.

— Onde estão me levando?! – Ela demandou saber, mas não houve resposta por parte de sua escolta pessoal de granadeiros, que andavam com passos pesados pela rua.

Pararam em frente a uma jaula sobre rodas, puxada por dois cavalos. As pessoas na calçada encaravam com curiosidade, medo, desgosto. Quando os guardas pararam para destrancar a jaula, Emma viu que haviam voltado para a rua principal, e viu também Connor a mais ou menos trinta metros, saindo da loja, olhando em volta e procurando por ela.

— Connor! – berrou ela. – Con...

Antes que pudesse terminar a frase, ela foi colocada sem delicadeza alguma na jaula. Jogada seria uma palavra melhor. Os guardas tomaram sua espada e tomaram o assento do condutor. Emma bateu contra as barras de ferro quando a carroça lançou-se para frente.

Emma suspirou e encostou a testa contra as barras geladas que a separavam da liberdade. Haviam parado no porto mais a leste perto do píer, e ela duvidava que Connor a encontraria, que sequer a ouvira quando gritou. Ela teria de dar um jeito ou, de acordo com o que ouvira da conversa dos guardas, ela seria mandada para a Filadélfia em um navio de prisioneiros.

Ela não poderia ter tido uma tarde melhor.

Ouviu também que certo capitão Phillips havia ordenado sua captura, e seria mandada para uma prisão cujo nome ela não se lembrava. Ela sabia que deveria tê-lo matado e prometeu a si mesma que, quando tivesse a chance, não cometeria o mesmo erro.

Estava quase aceitando seu destino, e começando a preparar um plano para escapar quando chegasse à Filadélfia, quando um navio recém-chegado atraiu seus olhos.

Era marrom e branco, e parecia muito... fino e elegante, para um navio. Tinha o porte de uma caravela portuguesa, com velas brancas e douradas. Não navegava sob bandeira alguma, o que indicava que não era um navio comercial, provavelmente civil.

Emma ficou ainda mais intrigada quando viu a mulher que desceu ao porto. Usava um vestido vinho enfeitado demais para aquela cidade, cheio de laços e babados. O cabelo louro estava preso em um penteado exagerado, decorado por plumas. Ela olhou com nojo para o lugar aonde chegara, como se alguém houvesse acabado de vomitar na sua frente.

— Eu sabia que deveríamos ter seguido para Nova York – reclamou ela, então se virou para Emma. – Até deixam os presos no meio do porto! Honestamente, Alfred. Não sei o que você viu nesse país.

Alfred, provavelmente o marido, desceu logo atrás dela, com a assistência de uma bengala e um monóculo de ouro que cobria pequeninos olhos azuis. Seu rosto lembrou a Emma um sapo grande e feio que vira quando criança. Era baixo e usava uma peruca. Vestia roupas menos atrativas, mas tão finas quanto as da esposa.

— Não fale assim, meu amor – disse, e ambos andaram na direção de Emma, seguidos por meia dúzia de criados. – Com todos aqueles navios de guerra, é mais seguro ir por terra. A reunião apenas acontecerá em três dias. Chegaremos a tempo.

Tentaram manter distância de Emma, como se estivessem passando por um leproso, mas chegaram perto o suficiente para ela notar um papel quase escapando do bolso do marido. Tinha escritos em letras douradas. Que reunião era aquela que traria nobres para as colônias? Emma precisava descobrir, e estavam se afastando rápido. Então ela começou a agir.

Emma tentou desesperadamente passar os braços para a parte da frente do corpo, e quando conseguiu, fitou as cordas. Estavam apertadas, mas ela conseguiu flexionar os pulsos, ativando as lâminas que os guardas não haviam visto, e começou a cortar as cordas.

Quando elas se romperam, ela se virou para o único guarda que mantinha guarda da carroça enquanto os outros haviam ido negociar passagens ou algo assim. Então, bem devagar, ela passou os braços pelas barras e passou uma chave de braço no homem, puxando sua cabeça contra a jaula. Ele, surpreso, tentou tirar os braços de Emma, mas ela era mais forte do que aparentava, e logo ele estava caído no chão, desacordado.

Emma esticou a mão e apanhou a chave de seu cinto, e olhou em volta antes de finalmente destrancar a jaula.

Demorou um tempo até que Emma localizasse o casal, e eles haviam seguido para o centro da cidade, seguidos por sua legião de criados, se destacando da multidão e chamando mais atenção do que uma mulher vestindo escarlate em um funeral, facilitando a busca.

Ela os acompanhou pelas sombras, seguindo-os de longe, esgueirando-se pelos prédios silenciosamente como uma gata. Quando ambos pararam para entrar em uma carruagem que os aguardava, Emma sorrateiramente passou por trás do marido, que entrara por ultimo, e pegou o papel de seu bolso.

Emma puxou o capuz mais para frente, tentando cobrir seu rosto o máximo possível enquanto voltava para o porto. Teria de seguir pela praia para voltar à loja, já que não sabia se movimentar perfeitamente bem naquela cidade.

Quando chegou ao píer, notou uma comoção perto da jaula onde estivera presa, e rapidamente se escondeu na esquina de uma casa, mas quando olhou uma segunda vez, franziu as sobrancelhas. Não era o que ela pensava.

Três guardas estavam mortos no chão, ao lado da jaula, e um Connor nada feliz segurava a vítima de Emma acima do chão pelo colarinho do casaco. Ele a ouvira, então.

— Eu não vou perguntar outra vez – disse Connor, em um tom calmo, mas firme e insatisfeito.

— Eu não sei! – disse o guarda, assustado. – Ela me apagou, e fugiu!

Emma se encostou contra a parede, cruzando os braços e os tornozelos, observando aquela cena tranquilamente, e deu um pequeno sorriso. Notou que estava com um humor melhor desde que chegara à América. Era como se ela tivesse a liberdade de sorrir de vez em quando, sem ter seu pai ali para repreendê-la.

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Connor ergueu o pulso para socar o homem, mas Emma disse, alto o suficiente para que ele a ouvisse:

— Acho que você gosta da minha companhia, afinal, para matar os guardas e querer espancar esse homem.

Connor virou-se para ela, e soltou um suspiro curto e intenso. Então, bateu a cabeça do pobre soldado na jaula, e o jogou para longe.

Emma começou a escalar a construção onde estava encostada. Seria mais seguro se manter fora da vista dos guardas.

Com o sol baixo, a sombra dela se projetava no telhado em uma longa coluna cinza. O vento de boas vindas do crepúsculo começava a soprar, e o movimento na cidade ia diminuindo. Comerciantes fechavam suas lojas e as crianças eram colocadas para dentro da segurança de suas casas. Emma nunca soube a razão das pessoas terem medo da noite; era fresca e silenciosa. Mas nunca se sabe; poderia haver assassinos nas ruas.

Connor subiu logo atrás dela.

— O que aconteceu? – perguntou ele, impaciente.

— Havia uma criança em perigo – Emma abaixou o capuz para prender o cabelo em uma trança. – Ou pelo menos assim eu pensava.

Connor a encarou, e Emma cruzou os braços. Estavam em pé no telhado, a uma distância segura um do outro.

— Você foi enganada por uma criança? – Connor avançou dois passos.

Emma se limitou a revirar os olhos. É claro que ele a criticaria de alguma forma.

— Clipper avisou que estavam atrás de você – repreendeu, bufando. – Você é mais burra do que pensei.

Emma apontou o dedo na cara dele.

— Não ouse me chamar de burra – grunhiu ela. – Quem você pensa que é para me dar sermões? Quer levar outro soco?

Ele tirou a mão dela da direção de seu rosto com um pequeno tapa. Emma conseguia ver seu rosto apenas com poucos devido à sombra que o capuz projetava.

— Só não entendo por que você quer tanto salvar todos.

— E nem vai entender – Emma começou a se afastar dele. – Não lhe devo explicações.

Ela se sentou à beirada do telhado e dobrou os joelhos, cruzando os tornozelos. Ela ouviu Connor suspirar e ele se sentou ao lado dela. Quem olhasse de fora diria que estavam relaxados, observando aquele por do sol que tingia o resto da tarde de laranja e cor-de-rosa. Mas não era bem assim.

— Não foi uma completa perda de tempo – disse Emma, tirando o papel que roubara e o entregando a Connor. – Por que não faz as honras?

Connor não se deu ao trabalho de ler a carta em voz alta, e quando terminou, apenas murmurou:

— Fala de uma reunião para a venda de terras desabitadas no Oeste. Para colonização. Vai acontecer em três dias, em uma mansão perto de Nova York – ele esticou o papel de volta para ela. – Por que está me mostrando isso?

Emma bufou; fazia sentido, agora.

— Peguei de um nobre que chegou à cidade, não muito tempo atrás. Estava com a esposa, ambos pomposos como pavões. Não acredito que serão os últimos a chegarem, e esse evento parece ser importante. Surpreende-me que não ficamos sabendo antes.

— Acha que os templários estão por trás disso?

— Por que não? Se forem donos destas terras, quem vai impedir que sua influência aumente nesse país em nascimento? E ouvi que Mason adora chamar a atenção. Parece que, acidentalmente, eu consegui um plano. O quão longe fica Nova York?

— Por terra, são muitas horas de viagem, dias talvez.

— Por terra? Porquê, sugere que nademos até Nova York?

— Não – Ele revirou os olhos. – Tenho um navio que podemos usar.

— Você tem um navio?

— Sim. Algum problema?

Emma bufou novamente, erguendo as sobrancelhas. Surpresas.

— Claro que não.

Ficaram em silêncio. Acabou que, ficaram lá, sentados enquanto o último centímetro de luz se escondia no horizonte. Mais um dia se acabava. Fez Emma ponderar sobre quanto tempo ficaria ali, nas colônias. Semanas? Meses? Era impossível saber. Perguntou-se se seu pai se importava se ela nunca mais voltasse. Provavelmente não.

Ela viu pelo canto do olho Connor fitando-a. Ela olhou-o de volta.

— O que é? – perguntou.

— Tem um pouco de sangue – ele apontou para o nariz dela. – Aqui.

Emma passou a manga da blusa embaixo do nariz dolorido, e olhou. Vermelha. Suspiro.

— Desculpe por chama-la de burra – Connor murmurou, parecendo espremer as palavras para fora de sua garganta.

Emma olhou para suas botas.

— Tudo bem.

— Mas tem de admitir que foi um movimento nada inteligente. Deveria ter me esperado. Você é nova na cidade.

— Não vou admitir nada. Eu consegui essa carta – ela levantou o papel na altura dos olhos dele. – Não preciso de babá.

Ele suspirou.

— Claro. Vamos voltar para a fazenda, e eu cuidarei do navio – Connor se levantou, e estendeu a mão para ajudar Emma a fazer o mesmo.

O dia terminou com um pequeno encontro com Wilkinson em um bar, onde Connor cobrou a ajuda prometida pelo amigo. Pediu que, no tempo em que ficassem na fazenda, Clipper juntasse outros e tentassem conseguir uma lista de quem estaria naquela reunião, então saberiam se a viagem realmente valeria a pena. Clipper disse que seria difícil conseguir tal informação, mas ele faria o que podia e contataria Connor o mais cedo possível.

Connor disse que, com o tempo que levaria para o navio ser preparado para a viagem, estariam em Nova York em dois dias, talvez. O “talvez” irritava Emma e a deixava apenas mais ansiosa, mas ela sabia que discutir era inútil. Não havia muito que Connor ou ela pudessem fazer, realmente. Então, retornaram para a fazenda Davenport, visando também informar Achilles sobre os recém-acontecimentos.

Tomaram o caminho para a fronteira e, juntamente com o sol, Boston lentamente desapareceu no horizonte.