(POV June)

O trem para na estação da Capital e me vejo novamente em meio a todo o luxo que já me é tão familiar. Escoltada por alguns Pacificadores que aguardavam minha chegada no terminal - além de afastarem a multidão que tentava desesperadamente se aglomerar em frente às portas -, fui, junto a Burton, Elise, Fennie e toda a equipe, caminhando até sentir a luz do sol em meu rosto. Vejo carros pretos estacionados rente à calçada e logo descubro que devemos estar próximos ao centro, já que não viajaremos em aerodeslizadores. A Capital, por ser pequena, tem sua zona central perto de qualquer outra região à qual se precise chegar.

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– O seu é o primeiro carro, senhorita Haylon. - Ouço um chofer de terno cor-de-rosa dizer enquanto gesticula para a direita, indicando um automóvel grande e de aparência nova. - Senhorita Werbern, o seu está logo atrás.

Outros homens de terno continuam a nos guiar aos respectivos carros, e inclusive apontam um para cada membro da equipe de beleza. Me surpreendo quando ouço um nome que desconheço.

– Aquele ao fim da fila te levará a um Edifício provisório onde ficará até depois de amanhã, senhor Robertsen.

Burton assente e se vira em direção ao último carro; vejo então que ele é o tal senhor que eu pensava desconhecer.

– Acabei de perceber que nunca soube seu nome inteiro - digo antes que ele possa chegar até o veículo.

Burton faz um gesto de indiferença.

– Bom, agora sabe - responde, e até abre um sorriso sem graça. - O que não faz absolutamente nenhuma diferença em sua vida porque é péssimo. Um sobrenome nobre nem sempre faz uma vida desse tipo, infelizmente.

Sinto o clima pesar quando me lembro as coisas por que Burton teve que passar para que pudesse conseguir tudo o que tem hoje.

Porém, tem algo que ainda não me foi esclarecido.

– Elise - pergunto, virando-me para ela -, por que você e Burton não vão com o mesmo carro? Vão ficar no mesmo lugar para esperar que o trem volte ao 6, não?

Ela nega com a cabeça.

– Eu moro na Capital agora, querida. Já faz alguns anos que me mudei dfinitivamente. Foi quando Burton ganhou os Jogos e pude deixar de ficar no 6 como mentora por já ter completado... - Ela hesita, e resolve omitir sua idade. - Por já ser velha demais para o trabalho - corrige. - Me deixaram morar na Capital para ser enviada aos distritos apenas anualmente para os Jogos.

Isso acaba explicando muita coisa. O motivo pelo qual Elise quase não parece ter sido tributo. O entusiasmo com que trata os Jogos mesmo depois de esses a terem feito sofrer da pior forma possível. Seu jeito típico até demais da Capital para alguém que viveu em um dos distritos.

A maneira de que me convenceu a desistir de ir mais longe com a rebeldia. A certeza que tinha de que Snow me prejudicaria se eu ousasse persistir.

Elise foi como eu. Pode não ter se oferecido, mas, uma vez dentro dos Jogos, uma vez Vitoriosa, Elise tentou fazer algo. Tentou se rebelar, mas foi impedida. E a Capital foi sua punição.

Meu olhar parece ter indicado claramente o que deduzi, pois Elise olha diretamente em meus olhos e pergunta:

– Pode passar em minha casa nesses dois dias, June? Acredito que temos muito a conversar.

Faço que sim com a cabeça e abro um sorriso. Nos abraçamos e ela entra no carro. Quero lhe perguntar mais sobre o porquê de a terem mandado viver aqui. O porquê do “definitivamente” só depois que Burton foi Vitorioso. Teria ela se mudado, mas voltado ao 6 nesse meio tempo em algum momento? Quero saber mais sobre sua história. Sobre o que Snow fez para que ela parasse.

Porém, não digo mais nada. Deixo que Elise se vá tendo a certeza de que, se depender de mim, nos veríamos logo para que ela dissesse tudo o que tem a me explicar.

– Até breve - diz com a cabeça para fora da janela.

Sinto mãos vindo por trás de mim, as quais me fazem dispersar do assunto de Elise.

– June... - Fennie choraminga. - Não sei quando nos veremos de novo até os Jogos. Então, acredito que esse seja um breve adeus.

Não havia pensado nisso. Se minha família estivesse disposta a me acompanhar ao Distrito 6, é certo que demoraria a ver Fennie novamente até a edição 69 nos Jogos.

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Corro ao seu encontro e aperto meus braços em volta de sua cintura.

– Obrigada. Por tudo - digo em um sussurro.

– Não há de quê, minha estrela - ela responde. Nos separamos e ela vai se afastando de mim. Sorrimos uma para a outra até seu chofer dar a partida.

Abraço e agradeço cada um dos membros de minha equipe de preparação, despedindo-me deles por tempo talvez indeterminado. Quando todos já se foram, percebo que o chofer do primeiro carro da fila ainda está encostado no veículo com seu terno rosa pink brilhando sob o sol.

– Para casa, senhorita Haylon? - ele pergunta, indicando-me a porta aberta do banco de trás.

Faço que sim com a cabeça diversas vezes.

– Com certeza.

**

Acredito que, depois de ganhar os Jogos Vorazes, a coisa mais difícil que já fiz foi voltar para casa depois de tudo. O carro anda a uma velocidade absurda, porém com a qual já estou familiarizada. As casas e edifícios luxuosos passam por mim feito borrões, e não demora muito até que eu consiga ver o telhado de vidro azul que conheço tão bem.

O chofer diminui a velocidade do veículo até fazê-lo parar completamente.

– Até onde sei, é aqui onde devo deixá-la, senhorita.

Demoro um pouco a responder, pois estou fitando de longe a fachada colorida em minha frente. Passei catorze anos de minha vida dentro daqueles portões; seja correndo pelo quintal ou sozinha em meu quarto, esse foi o cenário de praticamente tudo o que fiz.

Por fim, resolvo responder o homem de terno que me encara pelo retrovisor, impaciente, provavelmente sem muita vontade de me assistir enquanto reflito a respeito de minha vida.

– Está certo, sim. Obrigada.

Não deixo o banco do passageiro imediatamente; vacilo ao sair do carro. Não é fácil caminhar pela calçada, mas de fato o faço -de maneira calma e muito lenta. A porta branca de verniz se encontra bem à minha frente e mesmo assim demoro alguns segundos até levar minha mão direita à maçaneta. Dou-me conta de que tudo o que fiz até aquele momento levou mais do que o tempo normal, o que me faz notar o quanto estou nervosa para entrar em minha própria casa.

Você mesma disse, June, é sua própria casa, largue de ser medrosa. Não tem por que sentir-se assim.

Sei de tudo isso, mas mesmo assim duvido de cada movimento.

Quando finalmente levo a mão à maçaneta, sinto que a tranca não está ativada. O vão entre a porta e a parede aumenta na medida em que empurro a estrutura para frente. E é antes de conseguir cerrá-la depois de entrar na casa que recebo de surpresa o maior e mais intenso abraço de toda minha vida.

E o retribuo da mesma maneira.