Pigarreando suavemente, em jeito de preparação, L aproximou-se do jovem deus.
— A tua ficha de inscrição para esta fase, por favor – pediu ele, baixinho.
L retirou rapidamente a sua ficha de inscrição e entregou-a ao deus, que a poisou em cima da prancheta para poder assinar. Entregou-a logo de seguida, murmurando um “boa sorte”.
Antes de entrar, L respirou fundo. Empurrou a porta e depois entrou numa sala quadrada, com as paredes brancas e o chão em mármore claro. As grandes janelas na parede à direita deixavam entrar uma torrente de raios de sol, pelo que a divisão estava muito bem iluminada. Havia, como o jovem deus dissera, uma cadeira exatamente no centro da sala, virada para a comprida mesa no lado oposto à da porta, onde estavam sentados dois homens e uma mulher no meio deles. Todos incrivelmente bonitos.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!“Não faças perguntas. Não faças perguntas”, repetia L a si mesma enquanto avançava para se sentar na cadeira. Era uma das principais regras no campo de prestar respeito e homenagens aos deuses. Nunca questionar um deus, a não ser que se quisesse ser fulminado.
Depois de uma breve hesitação, L sentou-se, com as mãos no colo, entrelaçando nervosamente os dedos.
Os três deuses não olharam pela ela, mantendo os olhos baixos, nuns papéis que tinham poisados na sua frente.
— Então! – exclamou finalmente o deus da ponta esquerda, olhando para L e fazendo-a dar um pequeno salto de susto na cadeira – Aqui está mais uma humanazinha a achar que poderá entrar em Atlantis.
L controlou-se para não franzir o sobrolho. Humanazinha? Só podiam estar a gozar com ela.
— O que te faz achar que poderás entrar em Atlantis? – perguntou o deus da direita, num tom bem mais calmo e amistoso do que o seu colega.
L pigarreou suavemente, ponderando bem as palavras que diria. Sabia que elas fariam a diferença.
— É o meu sonho – disse ela, finalmente – Desde que me lembro que desejo ser uma deusa. Sei que isto não é trabalho para qualquer um, mas acredito que… que consigo. Que poderei fazer a diferença.
— Tens noção de que todos os jovens fora desta sala têm essa crença? – perguntou a mulher, erguendo suavemente uma sobrancelha – E tens noção que mais de metade deles ficará por cá? O que te faz pensar que o teu caso será diferente?
L inspirou fundo.
— Não é simplesmente uma crença – negou ela – É uma certeza. A minha vida até agora tem sido um verdadeiro inferno e, agora que sou maior de idade, pretendo recomeçar do zero. E que melhor maneira de recomeçar do que tornando-me uma deusa? Farei o que for preciso, todos os testes que me pedirem. Nenhum me fará desistir de recomeçar a minha vida, de me tornar uma pessoa nova e melhor. Para mim, o passado não existe. A Helena morreu há algumas horas atrás, antes de se meter na fila para confirmar a participar nos Testes. Agora vive a L. E a L precisa de uma vida para si. Tão simples quanto isso.
Os deuses ficaram algum tempo a olhar para L.
Depois recomeçaram a mexer em papéis.
— Foste emancipada aos dezasseis anos – referiu a deusa. Não era uma pergunta.
— Sim – confirmou L, admirada por saberem aquilo.
— Antes vivias com a tua tia – continuou ela – Quando pudeste sair de casa dela, mudaste-te para um apartamento, cuja renda pagaste através de umas poupanças que a tua tia deixara propositadamente de lado, para quando se visse, e desculpa-me a expressão, livre de ti.
L mal conseguia respirar, de tão chocada que estava. Como é que era possível que eles soubessem tanto sobre si?!
— Arranjaste trabalho num café por baixo do teu apartamento – continuou a deusa, olhando os olhos de L, implacável – Trabalhavas lá durante a noite e todas as tardes livres que tinhas, a servir às mesas, usando o dinheiro para continuar a pagar a renda, para comida, material da escola e roupa. Não te permitias a um só luxo, mas nunca te queixaste.
L limitou-se a acenar, engolindo em seco. Queria tanto fazer uma pergunta. Só uma…
— Entretanto nunca chegaste a descobrir quem são os teus pais – intrometeu-se o deus da esquerda, o antipático.
L abanou simplesmente a cabeça.
— Não tens curiosidade em saber quem são? – perguntou o deus da direita, erguendo levemente o sobrolho, um gesto que a rapariga considerou provocado pela admiração. Era difícil saber quando o resto do seu rosto se mantinha completamente impenetrável, mas não era com isso que L estava preocupada. Na verdade, sentia-se sufocar enquanto lhe atravessava a mente a certeza de que os deus sabiam quem eram os seus pais. Se eles sabiam tanto, tinham de saber também isso.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Vocês…? – começou ela a perguntar, mas interrompendo-se a tempo. Ainda assim, os deuses entenderam a nota interrogativa na sua voz, porque ergueram os sobrolhos, admirados e também em jeito de provocação, desafiando L a continuar. Não caiu na tentação. E os deuses endireitaram-se, com ar satisfeito.
— Não, minha querida L, não sabemos quem são os teus pais. É justamente esse o problema – disse a deusa.
— Lazúli – chamou o deus da direita, em tom de aviso.
— Digamos apenas que… gostamos de saber a linhagem de onde provêm os nossos alunos – disse o deus da esquerda – E a tua mostrou-se curiosamente difícil de verificar.
— Está claro que… – disse a deusa, fazendo um pequeno sorriso que deixou L imediatamente deslumbrada – seria muito mais fácil de me deixasses provar uma gotinha do teu sangue.
L ficou a olhar para os olhos profundamente azuis da deusa, completamente enfeitiçada. Uma gota de sangue?
— Helena – disse ela, num tom meloso – Dás-me uma gota do teu sangue?
L sentiu-se estranhamente impelida a ceder. A coisa que mais queria naquele momento era levantar-se da cadeira e estender o pulso à deusa, oferecendo-lhe a gota de sangue que ela pedira. Chegou mesmo a soerguer-se. Mas depois deixou-se cair pesadamente na cadeira, desviando o olhar para o lado e gritando:
— Não!
Houve alguns momentos de silêncio na sala, até que o deus antipático começou a bater palmas.
— Parabéns, criança. Acabaste de ganhar o meu respeito.
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