Hope for Us

Capítulo 29: A bala da morte


Em um segundo estávamos de pé, a mão tremendo sobre o punho da arma, metidos em outra situação em que não sabíamos o que fazer – esse sentimento de desnorteio já estava sendo comum naquele dia.

– Ouviu isso? – Carl perguntou.

– Quem não ouviu? – balancei a cabeça com preocupação.

Estávamos de pé, mas imóveis, afinal não fazíamos ideia do que se passava do lado de fora, e se era seguro que saíssemos, se poderíamos ser de alguma ajuda. Primeiramente queríamos saber por que uma arma estava sendo usada quando costumávamos resolver tudo com o máximo de silencio possível uma vez que qualquer coisa atraia mais pragas para a cerca.

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Isso só poderia significar que algo realmente ruim acontecera.

– Será que é o Rick? – minha resposta veio rápida, e urgente.

– Carl! – eu ouvi sua voz ao gritar no corredor – Hope!

Entreolhamos-nos, aliviados, e corremos para fora, ordenando que as crianças ficassem onde estavam. A visão de Rick foi ao mesmo tempo tranquilizante e assustadora, levando em conta as circunstancias que o levavam ali.

– Ouvimos tiros. – Carl falou.

– Preciso de ajuda. – ele indicou o filho, então eu me opus – Alguém tem que ficar com as crianças.

– Beth pode cuida-las, me deixe ir. – fiz o melhor olhar suplicante – Por favor.

Trocamos um olhar ligeiramente longo, até que enfim ele desviou os olhos e fez um sinal de cabeça, que eu entendi como um consentimento. Precisava ir para o bloco A, prestar ajuda a quem realmente precisava, como meu irmão e Hershel, e esperava que nada de grave estivesse ocorrendo.

Antes de sairmos bati na porta do escritório de Beth e pedi que ela cuidasse das crianças, tentando explicar o que estava indo fazer. Ela entendeu, mas me lançou um olhar de preocupação, eu sabia o que estava se passando em sua mente, afinal seu pai estava naquele bloco, e eu estava indo para lá, era como “faça seu melhor ou não volte aqui”.

Ainda amarrei o lenço preto em meu rosto novamente e peguei o taco de beisebol, porque não podíamos contar apenas com nossas armas na maioria das vezes, e se as coisas estivessem tão ruins quanto o imaginado, era melhor não confiar na sorte.

Carl e eu estávamos lado a lado, seguindo Rick para fora onde o dia já estava escurecendo. Houve o momento em que precisamos nos separar, eles iam cuidar dos errantes que já escalavam as cercas, pressionando-as tanto que quase viravam para dentro.

– Cuidado, Hope. – Rick disse ainda com urgência.

– Claro, vocês também. – ele assentiu, e eu apertei a mão de Carl rapidamente – Cuidado, Cowboy.

– Eu sempre tenho. – revirei os olhos ao ouvi-lo dizer isso – Cuidado, Texas.

– Eu sempre tenho. – trocamos um ultimo olhar temeroso e um sorriso breve antes de nos separarmos.

Iniciei uma corrida até a porta do bloco A, movendo-a para que eu passasse e fechando rapidamente depois. Segui o mesmo caminho que fiz para levar Charlie pela manhã, por corredores escuros e abandonados – o bloco A a noite era bem mais aterrorizante, uma vez que era o único bloco vazio por algum motivo que eu desconhecia –, parando em frente à porta de entrada e forçando-a para que se abrisse, o que demorou um pouco até que tive sucesso.

Não havia dado nem dois passos direito e a situação já se mostrava pior do que o imaginado. Hershel estava no chão com uma errante sobre ele, resistindo aos avanços muito próximos dela para seu pescoço. Em meio aos gemidos dela eu podia ouvi-lo mandar que os outros permanecessem em suas celas.

Tirei a arma do coldre e apontei, mas acabei hesitando por surpresa quando um homem, um dos doentes, saiu da cela também portando uma pistola, e antes que eu atirasse Patrícia saiu sabe de Deus onde e acertou a errante, tirando-a de cima de Hershel. Aproveitei a oportunidade e atirei logo, livrando Patrícia.

Antes mesmo que a loira me agradecesse ou pudéssemos ajudar Hershel a se levantar, outro errante saiu das sombras e mordeu o braço do homem que ainda apontava sua pistola para a errante que eu havia derrubado.

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– Não! – gritei e atirei no errante.

Ele caiu, e o homem também, com uma mordida no braço e no pescoço que sangravam tragicamente. Por um momento nós todos trocamos um olhar assustado, e então o homem pegou a pistola e atirou em si mesmo, fazendo com que fechássemos nossos olhos brevemente.

Merda. – murmurei, então ajudando Hershel a se levantar junto com Pat – Vocês estão bem?

– Acho que sim. – Pat sussurrou, me sorrindo amarelo.

Olhamos em volta para checar se havia mais algum perigo, e fomos surpreendidos ao notar Lizzie caminhando na parte de cima do bloco, fazendo um errante aparentemente chamado Henry segui-la, sem perceber que acabaria sem saída no final. Mas mesmo antes de chegar ao final, ela tropeçou e caiu, e o errante não hesitou em avançar, fazendo-a gritar por ajuda.

Hershel subiu as escadas na minha frente, e correu até onde os dois estavam, pegando o errante e jogando-o para longe, onde uma rede de proteção o segurou antes que caísse no chão. Quando desviei meus olhos deles para o corredor, vi um errante na frente de uma cela como se quisesse abri-la, gemendo e tentando passar sua cabeça por entre as barras de ferro. Aquela era a cela de Noah, e ao lembrar-me disso fui rápida em sacar a arma, mas então, ao me aproximar notei o que se passava.

A mão branca e frágil de Noah se projetava do lado de fora, segurando uma faca que estava fincada no pescoço do errante, e uma mão do errante segurava seu braço com aparente força. Era como se Noah tivesse tentado acerta-lo, mas provavelmente ainda estava fraco e debilitado, e o errante fora mais rápido e pegara seu braço.

– Noah, abaixe! – vi de relance quando ele abaixou a cabeça e eu atirei, derrubado-o.

Ao me aproximar da cela, com Patrícia ao meu encalço, notei que Noah precisara subir na cadeira para alcançar o errante, e ao abaixar e ser libertado da mão que o prendia ele caiu, e não tentou ficar de pé.

Vi quando Hershel colocou Lizzie numa cela, junto com um Charlie aterrorizado, e depois passou por mim provavelmente buscando por Glenn. Abri a grade da cela para ver meu irmão no chão, aparentemente inconsciente e respirando com dificuldade. Passei o bastão à Pat e tentei levanta-lo, foi quando ele abriu os olhos, que estavam vermelhos como se estivesse prestes a chorar sangue. Abaixei o lenço que cobria minha boca para que ele me entendesse.

Não... – ele murmurou, então começou a tossir muito sangue e escorregar para o chão de novo.

– Noah. – disse com preocupação, sentando-o no chão de novo e levantando seu rosto.

Um filete de sangue grosso escorreu por seu nariz, sua boca estava suja pelo sangue tossido e a mesma substancia parecia querer sair pelos olhos. Eu pensara que ele estava ruim antes, mas aquilo não era mais parte dos sintomas, aquela quantidade significava o fim da gripe, e ela era a vencedora neste caso. Noah estava morrendo.

– Hershel! – gritei em completo desespero, as lagrimas já preenchendo meus olhos – Hershel!

– Vá chama-lo, ficarei com Noah. – Pat disse, e já estava chorando de verdade.

Deixei que ela o segurasse na posição em que estava sentado, e dei minha arma em suas mãos, tomando o bastão de volta, porque se algo não humano se aproximasse ela não precisaria soltar Noah.

– Cuide dele. – falei dando uma ultima olhada antes de sair.

Para minha surpresa, Hershel já estava voltando pelo mesmo corredor com um semblante mais assustado que antes, e ao ver-me fez sinal para que parasse e apontou com a lanterna para baixo, onde um errante se aproximava pelas escadas.

– Caleb, precisamos da arma. – ele se dirigiu ao Doutor S, que estava na cela ao seu lado.

Mas o que respondeu não foi o Doutor S, mas sim o que restou dele como errante, que agarrou Hershel pela camisa e tentou morde-lo por entre as grades. Por sorte, sua cela estava fechada. Vi quando Hershel quebrou o braço que o prendia e esfaqueou sua cabeça com uma faca que levava no bolso.

Caleb caiu, e antes que Hershel pudesse pegar a arma eu me encarreguei do errante das escadas, esmagando sua cabeça com uma tacada só. Arrependi-me disso ao olhar para o lado e ver Lizzie e Charlie encarando meu bastão, mas não havia tempo para desculpas.

– Hershel. – vi quando ele pegava a arma e a carregava – Noah esta morrendo.

– O que? – respondeu, parecendo ficar mais pálido ainda do que antes – Precisamos de mais uma bomba.

– Onde? – perguntei e ele pareceu pensar.

– Há uma na cela de Sasha, vou pegar a que ficou em Henry para o Glenn. – explicou urgentemente, e eu não hesitei.

Corri pelas escadas, ignorando Henry preso na rede de proteção, e desviando de todos os corpos e tripas no chão. Fui direto a cela de Sasha, encontrando-a desacordada com a bomba descansando ao seu lado. Antes de qualquer coisa tive que checar se ela ainda respirava, e com alivio, constatei que sim.

– Ei garota. – peguei a bomba e toquei seu ombro gentilmente – Aguente firme.

Teria dado mais suporte a ela, mas uma vez que Noah estava bem pior não havia tempo suficiente. Subi as escadas e voltei à cela, onde perguntei a Hershel o que eu deveria fazer exatamente, já que não podia errar ao colocar a bomba, só existia uma chance. Ele me explicou rapidamente, eu deveria colocar o tubo de plástico em sua garganta e bombear devagar para o ar não sufoca-lo.

– Hope! – ouvi Pat chamar por mim, sua voz esganiçada pelo choro me fez sobressaltar e corre de volta.

Noah já estava sufocando, se encolhendo e fazendo um barulho como se sua garganta estivesse tampada, mas estava de olhos abertos, arregalados. Voltei ao meu posto ao seu lado no chão e coloquei sua cabeça em meu colo, colocando a mão em sua boca e puxando sua língua para que parasse de se enrolar.

– Segure os braços dele. – perdi à Patrícia, que mesmo em choque foi capaz de me ajudar – Vamos, você consegue.

Com a ajuda dela eu consegui colocar o tubo fundo o suficiente e comecei a bombear como Hershel havia dito, foi então que lembrei de que não havia perguntado quando deveria parar. Vi quando ele passou pela cela, armado e provavelmente indo em direção ao Henry para obter a bomba de Glenn.

– Acho que funcionou. – Pat comentou, já mais calma.

Noah havia aquietado, e seus olhos estavam entreabertos olhando para mim fixamente. Aceitei que talvez tivesse dado mesmo certo por alguns segundos, afinal tinha seguido as instruções de Hershel da forma correta, mas talvez tivesse sido fácil demais.

– Noah? – chamei, e seus olhos oscilaram entre mim e o teto da cela, logo começou a descerem lagrimas por seu rosto, e lagrimas significavam que estava vivo e isso era ótimo, mas antes que eu pudesse seca-las seus olhos se fecharam.

Fecharam-se não como quando você descansa, não como quando você vai dormir. Fecharam-se de vagar, involuntariamente, como se ele chorasse porque estava resistindo. Ele olhou para mim até o momento em que suas íris verdes desapareceram e só enxerguei o branco de seus olhos.

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– Hope... – Pat disse com um fio de medo em sua voz.

– Não. – eu me abaixei para tentar sentir a respiração dele pelo nariz sem parar de bombear – Não está respirando.

– O que? – ela recomeçou a chorar, me fazendo entrar em desespero.

Procurei pelo pulso dele e me concentrei nisso, e percebi que estava lento, mas estava lá, resistindo ainda.

– Pegue a bomba, agora! – passei a bomba a ela e deitei a cabeça de Noah no chão, me posicionando ao seu lado para começar uma massagem cardíaca, que eu mal me lembrava como se fazia, mas precisava funcionar naquele momento. Estava tentando fazer seu coração funcionar enquanto o meu batia como uma bateria frenética.

– Vamos, Noah! – minha visão era totalmente embaçada pelas lagrimas que já escorriam sem pudor algum e molhavam a camiseta dele – Abra os olhos, respire.

– Acorde, por favor. – Patrícia sussurrava, bombeando e chorando sem parar.

Eu usava toda a força que tinha naquele impulso sobre seu peito, tentando imaginar que seu pequeno coração estava adquirindo o ritmo normal, estava voltando a bombear seu sangue jovem na mesma velocidade que antes, a que o mantinha vivo. Eu ouvi um tiro ao longe, que provavelmente vinha de Hershel, mas não fui capaz de me assustar por isso.

– Noah... – pisquei longamente para que as lagrimas caíssem e eu pudesse enxergar o rosto dele – Não me deixe agora, eu prometi que não o deixaria, você se lembra? – funguei, já me engasgando por tentar falar e não chorar ao mesmo tempo – Essa não é a sua bala, você ainda tem que virar um cientista e fazer suas próprias garras de Wolverine, como você disse uma vez. – me abaixei para sentir se a respiração dele voltara – Desvie dessa, Noah, por favor. – solucei quando não senti sua respiração bater em minha bochecha, e parei de massagear seu coração – Desvie desta vez, e eu nunca mais vou pedir nada tão difícil.

– Hope, pare. – Pat parou de bombear e tentou tocar minha mão, mas eu neguei seu toque.

– Continue bombeando! – gritei, fazendo-a se assustar, mas voltar a bombear – Não desista dele.

Respirei fundo uma ultima vez, engolindo as lagrimas e encarando o rosto pálido, agora azulado de meu irmão com o pulso fraco. Eu não havia dito as três palavras antes, e não queria dizê-las naquele momento, o que eu queria era tempo, para ele.

Talvez valesse apena ser realista, aceitar o fato de que o mundo era uma droga, e ele não merecia nada do que havia acontecido até então, e eu deveria deixa-lo ir porque isso acabaria com o sofrimento, a dor. Essa poderia ser a sua bala.

Mas eu conhecia meu Noah, e essa não era a sua bala, e eu só diria as três palavras quando seus olhos estivessem abertos e vivos, cheios de esperança novamente.

– Você tem uma missão para cumprir, então abra os olhos! – dei um ultimo impulso, colocando toda a minha força, tudo o que eu tinha em seu peito, e esperei – Vamos garoto, vamos...

O ultimo impulso fez com que ele acordasse, assustado como quem esteve em um sonho ruim, mas por sorte não tossiu ou tentou puxar o tubo que auxiliava sua respiração. Eu quase pude ver o sangue correndo por suas veias de novo, seus pulmões inflarem como seu nariz e sua respiração bater em minha bochecha como o sopro inocente e escorregadio da vida.

Seu pulso estava lá de novo, tomando seu ritmo, e seus olhos se abriram. Ele me encarou fixamente com seus olhos verdes arregalados, que logo foram se fechando de novo, mas desta vez estava apenas fechando os olhos, não havia bala.

– Noah... – Pat estava incrédula, encarando-o.

– Eu amo você. – afastei o cabelo negro de sua testa e o beijei várias vezes seguidas, imaginando o quão tosco ele acharia aquilo e me sentindo feliz pelo simples fato de poder sentir sua respiração quente no meu queixo – Nunca vou deixar você, seu pirralho.

Noah era o que restara da minha família e do meu passado e o que eu mais amava, e eu não o deixaria morrer se não fosse tão digno quanto ele merecia. E também porque existia um combinado que eu levava a sério: eu era a irmã mais velha, eu iria morrer primeiro.

Sentei-me reta, encostando a cabeça na parede gelada da cela dele. Mantinha-me segurando sua mão, como se isso impedisse que ele fugisse, se tentasse novamente. Fechei os olhos com força, concentrando-me no estranho tipo silencio que havia se instalado quando meus ouvidos pararam de pulsar pelo choro incessante.

Só o que o quebrava era o som da bomba, do ar que era levado à Noah pelo tubinho de plástico, e haviam tiros também, baixos e incessantes, provavelmente vindos de fora. Carl estava lá fora, provavelmente com uma daquelas armas grandes, em perigo juntamente com Rick, e provavelmente se sentindo muito satisfeito em estar com o pai.

Abri meus olhos e finalmente encarei Patrícia, que secava suas lagrimas disfarçadamente, mas me fitava. Eu deveria agradecê-la em algum momento, porque fora de grande ajuda mesmo que tivesse chorado tanto quanto eu. Mas Noah já havia me explicado quem era ela, e eu compreendia.

Obrigada. – murmurei, e ela desviou os olhos para Noah.

– Você o salvou, não me agradeça. – deu de ombros, mas sorriu.

– Nós o salvamos. – sorri de volta, e ela pareceu assentir – Talvez devêssemos coloca-lo na cama.

Com a ajuda dela novamente, pude coloca-lo sobre a cama sem que a bomba caísse. Quando conseguimos acomoda-lo, Hershel apareceu na porta parecendo um pouco desolado, abatido. Talvez eu estivesse um pouco como ele também.

– Conseguimos. – respondi antes que ele perguntasse – Glenn?

– Também conseguimos. – sorrimos um para o outro, aliviados – Agora só precisamos dos medicamentos.

Havia me esquecido desta parte de forma tão ingênua, parecia que ressuscitar meu irmão era só outra etapa da gripe, concluída com sucesso, obrigada, mas quanto tempo depois disso ele ainda resistiria? Seus olhos se mantinham entreabertos ainda, olhando fixamente para o teto e às vezes para mim enquanto bombeava o ar, e quando me aproximava de seu rosto para conforta-lo de algum modo, porque talvez ele não sentisse o tubo em sua garganta, mas só de observar já me sentia mal. Ele finalmente fechou os olhos quando segurei sua mão, que estava fria, mas senti sua forma fraca de corresponder o aperto.

– Obrigada. – disse a Hershel antes que ele desaparecesse – Vá descansar, vamos ficar bem agora, você já fez demais por nós.

Ele me sorriu fracamente antes de tomar seu caminho, que eu sabia que não era para a cela dele, mas sim para a de Caleb. Precisava de um daqueles momentos, quando você não sabe o que pensar, porque tem muitas coisas na sua cabeça, então você só sente tudo te atingir de uma vez. Até Hershel tinha esses momentos, afinal.

Patrícia sentara no chão, encostada a parede onde antes eu estava, tinha os olhos fixos em seus pés, e às vezes também os fechava. Ela parecia cansada, afinal também estava doente, mas estava resistindo muito bem. Queria pedir para que ela fosse se deitar, porque já tínhamos tudo sob controle, mas talvez ela quisesse ficar ali e se assegurar que Noah ficaria bem.

– Hope? – ouvi Carl gritar de algum lugar, e foi quando notei que os tiros haviam cessado já fazia um tempo.

– Aqui. – gritei de volta, e ele logo apareceu na entrada, levando uma AK-47 no ombro exatamente como eu havia imaginado – O que aconteceu?

Antes de responder-me, ele analisou todos os aspectos da cena com seus olhos surpresos, Noah ensanguentado com um tubo na garganta, eu bombeando ar com as mãos também ensanguentadas por tê-lo tocado, e Patrícia sentada no chão, sem olhar para qualquer um de nós.

– As grades não aguentaram, eles entraram. – explicou, ainda encarando Noah e parecendo preocupado – Eu e papai tivemos que mata-los.

– Eu ouvi os tiros. – disse, pensando com apreensão que nossas barreiras já não existiam mais – Como farão com as cercas?

– Daremos um jeito. – disse com segurança, me fazendo sorrir brevemente – O que houve?

– Noah. – sussurrei. Pat se levantou de repente e deixou a cela, sorrindo para mim antes e passando por Carl – Nós praticamente o ressuscitamos há alguns segundos atrás. – ele se aproximou da cama e parou ao meu lado – Estou preocupada, ele é duro na queda, mas nem tanto.

– Os remédios chegaram. – disse, e foi a melhor noticia que poderia me dar – Ele vai ficar bem.

– Ah, graças a Deus, aos deuses do Olimpo, mãe natureza, universo, quem quer que seja. – sorri verdadeiramente e passei as mãos pelo rosto de forma cansada e completamente aliviada – Rick está bem?

– Está com aquela cara. – disse simplesmente – Quando eu estava atirando nos errantes... – hesitou – Eu o vi me olhando, ele não parecia orgulhoso nem bravo, sabe?

O observei mais calmamente – sabendo que os remédios haviam chegado, um peso saíra de meus ombros – enquanto ele falava, seus olhos estavam nublados, mesmo que estivesse supostamente cheio de adrenalina pela ação com os errantes, alguma coisa estava errada. Nessa pausa de sua fala ele pegou a bomba de Noah de minhas mãos e começou a pressiona-la, como se quisesse ajuda-lo de alguma forma também.

– Sei. – suspirei – Aquele olhar, de quem não acredita que perdeu suas cercas e seu pequeno Cowboy que cresceu e fica por ai usando artilharia pesada.

– Algo assim. – procurei sua mão e a peguei delicadamente, assim como segurava a de Noah – Você está bem?

– Vou ficar quando tiver certeza que ele estiver a salvo. – indiquei Noah, ele entrelaçou nossos dedos – Você está?

– Acho que todos nós precisamos nos recuperar, afinal. – assenti e apertei sua mão, feliz por sentir algum calor humano depois de toda aquela situação assustadora – Ficaremos bem.

– Conseguiremos concertar tudo. – o encorajei – Já acabou.

Pelo menos eu esperava que tivesse acabado.

– Ele vai ficar bem. – Carl repetiu, olhando para Noah – Vai achar esse negócio de ressuscitar muito maneiro depois que acordar e fizer uma piada sobre quase morte. – eu só pude rir e concordar, porque era exatamente o que Noah ia fazer.

Não demorou muito e logo ouvi passos embaixo, que provavelmente eram de Tyresse correndo para ver Sasha que eu esperava que estivesse bem, e Bob apareceu logo depois, munido dos medicamentos necessários para salvarem oficialmente Noah, Glenn e quem mais precisasse. Deixei que ele entrasse e tomasse o espaço necessário para preparar o que quer que fosse precisar com uma série de medidores e seringas e vidros de remédios.

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Enquanto isso, tive a oportunidade de checar a situação de Glenn e trocar um sorriso breve com Maggie. Ela não sairia dali enquanto ele não estivesse melhor, isso era visível em seu rosto, e a cumplicidade dos dois era algo muito belo de se observar sempre. O anel de noivado em seu dedo dizia muito sobre como nem o apocalipse podia destruir o amor.

Depois que Bob terminou com meu irmão e me assegurou de que ele dormiria, passei mais alguns minutos me certificando que ele ficaria bem enquanto meus olhos não estivessem observando-o e dei um ultimo beijo em sua testa, depois saindo e acompanhando Carl ate o lado de fora em silencio, onde encontramos Rick parado, aparentemente refletindo tudo o que havia acontecido em tão pouco tempo.

– Acho que alguém precisa dar um tempo. – tomei a liberdade de tocar em seu braço carinhosamente, fazendo-o se virar e nos ver ali.

“Aquela cara” fora a expressão que Carl usara para descrever seu pai, e não podia estar mais correta. Rick estava soado, despenteado, as costas curvas e os olhos mais envelhecidos que nunca. A barba crescida também não o ajudava a parecer o homem de quarenta anos mais bonito que eu já vira – depois de papai –, como no dia em que nos encontramos.

– Hey, eu estava preocupado. – ele murmurou e tocou meu braço também – Como estão as coisas lá?

– Bem, perdemos algumas pessoas boas. – vi seus olhos se entristecerem mais num piscar de olhos – Mas estamos de pé.

– Noah, Glenn...? – perguntou apreensivamente.

– Estão bem. – assentiu, cansado – Você está bem?

Antes de responder ele olhou em volta, colocou as mãos na cintura daquele jeito que faz quando está com a cabeça cheia – detalhes sobre Rick Grimes que não são difíceis de reconhecer –, eu sabia o que se passava em sua mente. Aquelas cercas, as cercas que eram a segurança e proteção de sua família e amigos haviam caído, as cercas que ele havia conquistado.

Todos os errantes que antes estavam na cerca haviam chegado tão perto, e jaziam todos no chão, me fazendo imaginar como tinha sido para Rick e Carl para acabar com eles.

– Vai ficar tudo bem agora. – falei, sorrindo – Vamos nos reerguer.

– Sim, nós vamos. – respondeu, com uma tentativa de sorriso que não me enganou, e tive vontade de abraça-lo, mas me contive – Vou entrar lá, dar uma olhada no estrago.

Assentimos e deixamos que ele passasse por nós, se dirigindo para o bloco A.

– Vê? – Carl se virou para mim – Eu já o vi ficar assim muitas vezes.

– Mas ele sempre se recupera, certo? – ele balançou a cabeça – Rick precisa cair às vezes, como todo mundo.

Vimos Daryl se aproximar correndo, trazendo sua besta nas costas e um olhar também conturbado, depois de ver o que havia ocorrido enquanto estava fora. Conseguíamos enxergar Michonne não muito longe, analisando as cercas caídas e os errantes no chão.

– Como está o pirralho? – foi a primeira coisa que Daryl me perguntou.

– Foi difícil, mas ele conseguiu esperar. – sorri – Se surpreenderia com a força que aquele garoto tem.

– Eu sei. – ele bagunçou meu cabelo ao passar por mim e correr para o bloco A, provavelmente esperando encontrar um Noah sarcástico e desperto, mas ele teria que saber com detalhes o que havia acontecido em sua ausência.

Carl começou a caminhar em direção a Michonne, e eu observei enquanto ele se camuflava na escuridão até chegar à mulher e fazer um pequeno cumprimento com ela. Fiquei ali em silencio, vendo os dois numa tentativa falha de levantar as grades juntos.

Parei de olhar para o cenário de destruição que se estendia a minha frente e olhei para cima, para o céu estrelado e inabalável daquela noite. Havíamos acabado de passar por mais uma ameaça, nossa casa quase havia padecido e nossa família também, mas estávamos bem. Era mais um dia em nossas vidas, haviam estrelas no céu, e eu acabara de notar um fato.

Aqueles últimos dias haviam sido dias normais para o mundo em que vivíamos. Sangue, armas, lutar pela sua vida e pela vida do outro, escutar seu coração pulsar nos seus ouvidos por conta da adrenalina. Aquilo era a vida, não plantar feijões, fazer bebês dormirem, beijar seu melhor amigo.

Estávamos indo contra a lei natural da natureza – que no momento se baseava em nos ferrar –, praticamente rebeldes que só queriam salvar sua gente, lutávamos para que todos vivessem. Porque a mãe natureza não podia deixar nossas cercas em paz, nossos dias anormais?

– Texas? – olhei para frente, notando que Carl já estava ali de novo me encarando.

– O que foi? – perguntei.

– Está frio. – ele jogou a blusa dele sobre meus ombros cuidadosamente – Chega de olhar as estrelas, elas sempre estão ai.

Eu queria discordar dele e dizer que na verdade elas morrem também, mas resolvi que era melhor deixar assim e só permitir que ele tomasse minha mão e me levasse como sempre fazia quando era eu que precisava de apoio.

Sabia que precisaríamos de tempo para voltar a sermos as mesmas pessoas, a mesma prisão, para ter o mesmo Rick Grimes de volta, mas não sabia se teríamos esse tempo. Os dias normais estavam mais próximos do que eu imaginava.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.