Contagem Regressiva

Capítulo 32: O Senhor dos Céus do Norte


Sua respiração ficou presa na garganta.

Aquelas palavras pareceram tão irreais que Jason sentiu como se flutuasse, e o chão não existisse mais. Antes que percebesse, o coração assumira um ritmo acelerado demais, e respirar se tornou uma tarefa impossível.

Ele caiu no sofá, em choque. Carter foi um borrão se movendo para ajudá-lo, mas, mesmo quando começou a obedecer sua voz para controlar a crise de arritmia, o mundo estava confuso e distante.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Pânico.

Só havia pânico.

— Não — Jason ouviu Rebeca ofegar, ainda de pé. — Não... Meu Deus. O que... Como?

Seus olhos estavam fixos em Gabriel, sem piscar.

— Sloan e Rupert fizeram pesquisas e encontraram Sean e Halee. Ela já conhecia sua amiga de vista desde a vez em que se encontraram em Kansas City — disse Gabriel. — Foi só uma questão de tempo até usar esse artifício.

— Eles... — Jason tentou falar, mas sua voz saiu rouca. Respirou fundo. — E-eles estão machucados? Sean...

— Estão bem, por enquanto — Gabriel falou. — Mas o aviso foi claro. Eles querem a troca.

Rebeca sentou ao seu lado e enterrou o rosto nas mãos. Jason a escutou respirar tremulamente, e concentrou-se em manter o próprio coração controlado. Não podia ser verdade. Não podia. Sean e Halee não podiam morrer, não podiam correr perigo... Era sua culpa.

Estava com tanto medo que as mãos começaram a tremer.

— O que podemos fazer? — Foi Carter quem perguntou, sério e decidido, sem nunca se afastar de Jason.

Gabriel balançou a cabeça.

— Não sei se há algo a ser feito.

Algo em seu tom fez Jason acordar de seu torpor e encará-lo.

— Não está sugerindo que os deixemos lá — ele disse em um sussurro, quase como uma pergunta.

Gabriel não respondeu, tampouco desviou o olhar. Era toda a resposta de que Jason precisava.

Seu silêncio fez Rebeca descobrir o rosto.

— O quê?

— Não estou sugerindo nada — disse Gabriel. — Estou apenas dizendo que não há muita escolha.

Carter cerrou os dentes.

— Assim como não há muita escolha a não ser esperar que Evangeline não morra? Como não houve escolha a não ser deixar Jason apodrecer num manicômio por anos? Como permitir que o irmão de Rebeca morresse? — Os olhos de Carter faiscaram. — Você deveria proteger as pessoas. Abandonando Sean e Halee a própria sorte, quem é que você está protegendo? Quem você já deixou de proteger até agora?

Gabriel piscou.

Não houve nenhuma outra reação, mas Jason percebeu a mudança em como seu rosto ficou tenso. Ele não respondeu, nem desviou os olhos do médico.

— Você sabe onde eles estão? — a voz de Jason quebrou o silêncio.

— Não.

— Está mentindo — acusou Rebeca.

— Não estou — rebateu Gabriel. — Mesmo se soubesse onde estão, o que pretendem fazer? Eu não arriscarei suas vidas.

— Não precisa arriscar. — Rebeca se levantou. Jason mal processou o movimento, tão atordoado que estava, o medo impedindo-o de se mexer. — Nós estamos pedindo. Não vamos nos entregar, mas precisamos pelo menos lutar para soltá-los.

— Por favor, Gabriel — Jason pediu. — Nos ajude. Ajude eles. São nossos amigos. São inocentes.

Gabriel mirou cada um deles por vez. Seus olhos passaram por Carter, inseguros, perscrutaram o rosto de Jason em busca de hesitação e se prenderam em Rebeca, como se sua maior incerteza estivesse ali.

— Não sei o que vão enfrentar — disse por fim.

Jason soltou um fôlego que não sabia que estava prendendo. Havia uma chance.

— Sabe onde estão?

Gabriel o encarou e fechou os olhos. Após um momento, suas sobrancelhas se franziram. Era possível notar que ele estava tão agitado quanto os outros, ainda mais pelo modo como suas asas surgiram das costas sem permissão e se remexeram.

— Sloan e Rupert deram uma hora para decidir se vão se entregar ou não. — Gabriel tornou a abrir os olhos. — Se querem resgatar seus amigos, temos de agir antes disso. Halee está em Yale.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Jason viu Rebeca empalidecer.

— E Sean? — ele indagou, temendo a resposta. Se tivessem escolhido locais do passado... O hospício não, por favor.

— Em um galpão abandonado nos limites de Allentown. Ambos os lugares foram selados para impedir a entrada de anjos. Eu não posso ajudar. — As asas bateram mais uma vez levemente, e algumas penas caíram. — Mas isso também significa que Sloan e Rupert não estarão lá; não podem tocar em vocês.

— Yale fica a mais de três horas daqui — disse Rebeca, o lábio inferior tremendo. — Não vamos chegar lá a tempo.

— Vamos ter que nos separar — Carter decidiu. — Gabriel leva você a Yale, e eu vou com Jason atrás de Sean.

Jason olhou dele para Rebeca, sentindo-se ainda mais perdido. Não queria arrastar Carter para outra situação de risco e também não queria se separar de Rebeca. Ela teria de entrar na faculdade sozinha, uma vez que Gabriel era proibido. Porém, se não fizesse isso, Sean morreria. Era um beco sem saída.

— É muito perigoso — foi tudo o que conseguiu dizer.

— Qualquer opção agora é perigosa — argumentou Carter. — Essa parece a melhor delas.

Rebeca encontrou a expressão de Jason, refletindo os mesmos sentimentos.

— Não podemos perder tempo aqui — ela disse, baixo.

— Eu sei.

Por reflexo, ele verificou seus números: estavam altos, estáveis, como deveriam estar. Assim como os de Carter. Isso, no entanto, não foi o suficiente para acalmá-lo.

— O armazém fica a menos de quinze minutos daqui — Gabriel falou. — Colocarei o endereço em seu carro. — Ele fez um gesto com a mão, indicando os pescoços de cada um. — Não percam os colares. Tirem-nos, e cada ser sobrenatural do mundo irá atrás de vocês.

Se a intenção era ser um conselho, Gabriel falhou miseravelmente. Soou como uma ameaça aos ouvidos de Jason, e um arrepio percorreu sua espinha.

— Hora de ir — disse Carter.

Jason abraçou Rebeca e a beijou quando se afastaram. Foi um contato rápido, mas ele precisava antes de se separar dela.

— Boa sorte — ela disse. — Chamem Gabriel se algo acontecer. Nós nos vemos daqui uma hora.

Sua voz estava baixa e controlada, mais para passar confiança a Jason do que por ser a verdade.

Ele assentiu.

— Tenham cuidado — recomendou aos dois.

— Vocês também — respondeu Gabriel.


0000****0000****0000

O ar estava pesado dentro do carro. Jason dirigia, acelerando o máximo possível até o endereço que Gabriel passara, apertando o volante com tanta força que os nós de seus dedos estavam brancos.

Carter não falou nada no caminho; eles haviam trocado poucas palavras desde que saíram da mansão, apenas o necessário. O revólver carregado estava com ele, já que tinha mais experiência.

Jason queria dar meia volta e deixar o amigo em casa novamente, onde estaria seguro, e ao mesmo tempo queria sua companhia ali. Mesmo que dissesse algo contra sua presença, sabia que Carter não lhe daria ouvidos. Era como ter alguém responsável por ele, em quem sabia que podia confiar.

— Ali. — Carter apontou. — Acho que chegamos.

Jason ficou tenso.

O lugar era mais uma pequena fábrica abandonada do que um galpão propriamente dito, com paredes escuras de metal enferrujado, escadas jogadas do lado de fora e caldeiras há muito tempo não usadas. Não havia nada mais na região, os poucos postes de iluminação apagados.

Jason estacionou perto o bastante para uma potencial fuga. Antes de desligar o carro, os faróis iluminaram parcamente a frente da fábrica, mostrando desenhos mais escuros do que o resto – e mais frescos também.

— Vamos — Carter disse, destravando sua porta. — Vamos tirar Sean de lá.

Jason o seguiu. Por um momento, havia se esquecido de que Carter também conhecia seu amigo do hospital psiquiátrico. Sean não fora um de seus pacientes, mas conviveram o suficiente para se importar.

Carter engatilhou a arma e a ergueu em frente aos olhos para ter uma boa mira. Jason acendeu a lanterna que trouxera, uma vez que não tinham outra arma. Antes de entrar pelo buraco que outrora fora uma porta, ele pensou em Rebeca, em como ela estaria se saindo em Yale.

Balançou a cabeça. Tinha de ficar concentrado aqui.

Tudo estava mergulhado no silêncio e na escuridão. Ele moveu a lanterna para lançar a luz ao redor, revelando nada além de um monte de entulho: estantes reviradas, peças de aço retorcidas e jogadas, um armário derrubado tampando parte da passagem. Havia lixo no chão também, prova de que a fábrica servira de palco para vândalos.

Jason deu um passo cuidadoso a frente. Até mesmo isso causou eco. Ele cogitou a ideia de chamar o nome de Sean, mas a abandonou. Seria muito arriscado revelar sua posição, mesmo que não das mais escondidas, tão cedo.

Mas estava tão silencioso... Não deveriam encontrar algo ali? Ninguém os esperava?

Jason trocou um olhar com Carter antes de prosseguir a passos lentos. Prestou atenção para não tropeçar em nada ou chutar algo que fizesse muito barulho, mirando o facho de luz em todas as direções para procurar seu amigo.

Uma escada do lado direito lhe chamou atenção. Os degraus estavam carcomidos e tortos, mas ainda assim levavam para cima. Jason mexeu uma mesa para o lado para abrir passagem e andou mais um pouco, seguido de perto por Carter.

Um ruído os fez se sobressaltar. Era como alguém se remexendo, logo no andar de cima. Jason não pensou duas vezes e pulou os destroços até alcançar o primeiro degrau da escada para subir.

— Jason, espere! — Ele ouviu a voz abafada de Carter atrás de si, apressando-se para acompanhá-lo.

Um degrau afundou sob seu peso, mas o sustentou. O facho de luz da lanterna oscilou quando Jason apoiou as duas mãos no corrimão para se equilibrar. Ele pulou os próximos degraus de dois em dois e logo se viu no topo da escada, em um piso igualmente bagunçado.

Parou na entrada, estabilizando a respiração. A janela da parede oposta estava quebrada, os estilhaços de vidro espalhados pelo chão abaixo. O segundo andar era amplo, estendendo-se para esquerda e direita, contudo mais instável do que o primeiro. Parecia mais fino, desgastado pelo tempo, e tremia a cada passo.

Carter parou ao lado de Jason com o revólver em prontidão. Eles escutaram o ruído de novo, mais próximo, e Jason virou a lanterna naquela direção.

Sean!

Seu coração se encheu de alívio. Sean estava sentado no chão, os tornozelos e pulsos amarrados, e com uma mordaça. A não ser pelo hematoma em sua bochecha, ele parecia bem, e Jason correu até ele, sem conter uma exclamação.

Sean arregalou os olhos ao reconhecê-lo, então franziu as sobrancelhas, um milhão de perguntas estampadas em seu rosto.

Jason se agachou ao seu lado e largou a lanterna, que caiu com um clique. Sean o encarou com veemência, uma mistura de interrogação, medo, descrença e expectativa.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Sean — disse em voz alta. — Graças a Deus, você está aqui.

Mal pôde conter o alívio ao se apressar com as cordas que o prendiam, tentando soltá-lo. Carter olhava em volta, desconfiado. Sean começou a resmungar algo incompreensível assim que Jason conseguiu desfazer o nó de seus tornozelos, agitado.

— Eu vou te tirar daqui — Jason prometeu. — Vamos embora, e eu explico tudo quando estivermos longe, tudo bem?

Sean se sacudiu, os cachos ruivos balançando para cá e para lá. Seus murmuros se tornaram mais urgentes, como se estivesse muito tentando dizer alguma coisa, mas não agora, não agora, porque Jason precisava tirá-lo dali antes de algo acontecer, precisava protegê-lo...

— Temos que ir, Sean... Rápido, antes que alguém chegue.

As cordas de seus pulsos também se soltaram, e Sean arrancou imediatamente a mordaça da boca. Ele agarrou os braços de Jason e o fez encará-lo.

— Não, Jason, me escuta, ele está aqui!

Jason balançou a cabeça, sem entender, e foi quando ouviu o rosnado.

Carter ofegou.

— Mas o que...

Jason girou nos calcanhares e pegou a lanterna, apontando para o ponto do outro lado da sala.

Mesmo sem a luz, os dois olhos brilhando vermelhos seriam fáceis de enxergar.


0000****0000****0000

Rebeca soltou a mão de Gabriel assim que o mundo entrou em foco de novo.

Num segundo, estava vendo o carro de Jason disparar pela rua, no outro, após Gabriel tocá-la, estava atravessando um redemoinho de imagens e sons difusos para aparecer em frente ao prédio de Arquitetura de Yale.

— Tem certeza de que ela está aqui? — perguntou, a voz soando alta demais no silêncio do campus.

Gabriel assentiu.

— Terá de procurá-la lá dentro — ele avisou e, pela primeira vez desde que Rebeca se lembrava, parecia nervoso. — Não posso cruzar os limites do prédio, a não ser que destrua todos os símbolos anti-anjo desenhados. Mas isso levaria tempo, e estão bem escondidos.

— Certo. — Rebeca respirou fundo e caminhou até a entrada.

Embora fosse noite, não era tarde, e a recepção continuava funcionando, as luzes acesas.

Gabriel tocou seu cotovelo de leve para pará-la.

— Assim que encontrar Halee, corra para alguma saída. Uma vez que estiverem do lado de fora, posso tirá-las daqui.

— Ok. — Seu coração batia acelerado no peito, quase como se fosse saltar para fora. — Ok — repetiu para se acalmar, apertando o casaco em volta do corpo.

Ela olhou para Gabriel mais uma vez antes de empurrar as portas da recepção e entrar. A universidade era familiar demais a ela, e uma melancolia agradável a abateu quando o ar quente a envolveu.

— Rebeca! — exclamou a recepcionista. — Achei que nunca mais fosse voltar aqui. O que está fazendo? Não terminou o curso?

— Oi, Emily — ela cumprimentou, tentando parecer tranquila. — Sei que está meio tarde, mas estava nas redondezas. Pensei em passar e visitar. Sabe se algum professor ainda está aqui?

— A maioria já foi embora, mas acho que o senhor Hennings ainda está na sala dele terminando uma papelada. — Emily checou o horário. — Bem, acho que ele não vai se importar se for você. Vou avisá-lo de que está indo para lá.

— Obrigada. — Rebeca sorriu o mais sinceramente que pôde e tomou o caminho para o corredor.

Ao invés de seguir para a sala do antigo professor, porém, ela foi reto, verificando todas as salas em busca de movimento. A dúvida começou a crescer dentro dela conforme avançava.

Yale era um lugar grande, que nunca estava vazio. Funcionários ainda trabalhavam àquela hora – zeladores, poucos professores, a administração – e seria quase impossível manter uma garota prisioneira ali em algum recinto visível. Todas as salas eram revistadas antes de trancadas, e com certeza alguém notaria se Halee estivesse ali.

Alarmada, Rebeca parou de andar. Havia, sim, um lugar em que ela poderia estar...

— Droga — Rebeca praguejou e deu meia-volta.

Tentou não correr para não chamar atenção de quem quer que encontrasse, mas uma olhada no relógio a fez esquecer qualquer preocupação. A ideia de que Halee pudesse estar presa em alguma sala de manutenção passou por sua cabeça, mas, se a escolha do local fizesse algum sentido, ela estaria em um ambiente maior – mais chamativo, como uma brincadeira de mau gosto.

Rebeca arfava quando alcançou o corredor do auditório. Por ser pouco usado, apenas em ocasiões mais especiais, aquela área ficava mais deserta. Rebeca lançou um olhar para as redondezas, adrenalina e medo correndo pelas veias. Não havia mais ninguém.

Ela se virou e enroscou o pé em algo – o carpete. Abaixou-se para arrumar, mas um cutucão com o tênis fez outra coisa saltar ao seu olhar. Rebeca esticou a mão para tocar o pó vermelho e a textura a fez descobrir o que era: areia. Como a mesma areia dos serpopardos.

O mau pressentimento chegando, ela afastou mais o carpete e encontrou linhas feitas com a areia. Tentou apagá-las com as unhas, arranhando, mas a metade do desenho que podia ver estava muito bem colada ao chão. Eram hieróglifos, reconheceu. Por isso Gabriel não podia entrar. Halee é mais importante do que isso, decidiu. De qualquer forma, não conseguiria desfazer o símbolo. Só o que restava era tirar a amiga dali.

Ela espiou pelo vidro o interior do auditório, cujas fracas luzes estavam acesas. Só isso bastou para confirmar suas suspeitas. No palco, presa a uma cadeira, estava Halee.

Rebeca tirou os clipes do bolso da calça e começou a trabalhar na fechadura. As portas se abriram em menos de minutos, e Rebeca as afastou.

— Halee!

Ela ergueu a cabeça de repente. Quando avistou Rebeca, seus olhos se encheram de alívio e ela soltou um suspiro. Seus braços estavam presos nas costas da cadeira por cordas, assim como os tornozelos, e ela usava uma mordaça. Rebeca sentiu a raiva dentro de si ao ver a amiga daquela forma.

— Halee, você está bem? — ela perguntou ao tirar o pano que tapava sua boca.

— Rebeca, mas que merda tá acontecendo?!

Sempre um poço de educação. Rebeca sorriu por um instante.

— Eu explico tudo assim que sairmos daqui — ela garantiu, partindo para as cordas das pernas. Não havia trazido nenhuma arma consigo na pressa de chegar aqui, e agora isso parecia a ideia mais idiota do mundo. Rebeca se amaldiçoou mentalmente.

— É bom explicar mesmo — Halee disse, chutando as cordas para o lado. — Você tem ideia de como eu estava com medo? Me disseram que eu seria usada contra você, como isca, então eu não sei se estou feliz em te ver ou mais assustada ainda.

Como isca. O sangue de Rebeca gelou.

— Ah, não — sussurrou. Suas mãos se atrapalharam com o nó nos pulsos de Halee, principalmente ao ver os vergões vermelhos que as cordas fizeram. — O que mais você ouviu?

— Não muita coisa. Eu fui nocauteada em casa e acordei aqui. Não consegui ver quem falou comigo, só sei que era um homem.

Halee estremeceu, e Rebeca quis destruir quem quer que tivesse tocado nela. Halee pulou da cadeira assim que seus pulsos foram libertos.

— Beca, o que está acontecendo? No que você se meteu?

— Primeiro vamos sair daqui, aí eu te conto o que você quiser.

Elas saltaram do palco e começaram a subir a rampa para a porta.

— Rebeca, eu sei que você esconde alguma coisa desde que sumiu de New Haven. Se você se meteu com quem não deveria...

— Halee, shh! — Rebeca cobriu sua boca com as mãos. Algo havia feito um barulho do lado de fora, um baque alto demais para ser inofensivo.

Elas paralisaram, uma ouvindo a respiração da outra. Rebeca começou a procurar qualquer abertura que desse para o lado de fora, o modo mais rápido e seguro de sair dali. O auditório era largo, e havia uma porta de emergências em um dos lados.

— Rebecaaa! — cantou uma voz do lado de fora, aparentemente no fim do corredor. O som mandou calafrios por seus ossos. — Eu sei que você está aí. Não adianta fingir que não. Posso rastrear sua amiga. Saia, vamos brincar!

Era uma voz masculina, zombadora e com um timbre cruel. Rebeca olhou para Halee, tão em choque quanto ela, quase se encolhendo contra seu corpo.

— É ele — sussurrou.

Rebeca tomou uma decisão: não deixaria Halee se machucar, custe o que custar.

Ela agarrou seu braço e a puxou em direção a uma fileira de cadeiras para chegar ao outro lado, esbarrando nos braços com a pressa e trombando nos assentos.

— Rebecaaa! — A voz estava mais perto, agora. — Beck, Beca, Becky... Como você quer ser chamada? Passarinho, talvez?

Rebeca travou o maxilar.

— Halee, me escuta. — Ela se agachou, trazendo a amiga junto, atrás das cadeiras. — Eu preciso que você saia daqui antes de mim. Vá para fora e chame pelo nome Gabriel. É um amigo, você pode confiar nele.

— O quê? Não, eu não vou deixar você aqui.

— Vai, sim. Vai sair primeiro e eu te sigo logo depois — afirmou Rebeca. — Eu vou distraí-lo.

— Não! Eu não vou sair sem você — Halee insistiu.

— Halee, você tem que confiar em mim! Eu sei o que eu estou fazendo. Você só está aqui por minha causa, então me deixa consertar isso. Eu vou me virar.

— Para, Rebeca! — Halee segurou seu pulso, que estava indo em direção ao próprio pescoço. Não tire o colar, Gabriel avisara. — Pare de tentar resolver tudo sozinha! Eu não vou te deixar para trás.

— Eu estou falando para deixar — Rebeca quase gritou. — Você não tem nada a ver com isso, não sabe o que está lá fora! Se você não for, nenhuma de nós vai sair daqui, e eu não vou permitir isso.

Halee hesitou. Sua boca ainda estava aberta para retrucar, mas a voz estava mais próxima, quase na entrada do auditório.

— Eu ouço vocês cochichando. Posso não saber onde você está, Rebeca, mas sei exatamente onde está sua amiga. Vamos, venha me encontrar! Eu quero conversar com você!

Rebeca abriu o fecho do colar e o tirou. Rodeou o pescoço de Halee com ele e tornou a prendê-lo.

— Vá.

— Prometa que vai comigo — exigiu Halee. — Prometa que não vai ficar aqui.

— Eu prometo. Agora, vá.

Halee se levantou e sumiu pela portinha de emergência que ela não sabia onde dava. Rebeca também se ergueu, ouvindo os passos pesados se aproximando, e correu até a saída do auditório. Tinha a impressão de estar nua sem o colar; era uma sensação estranha estar sem ele após ter se acostumado. Ela sentiu algo como eletricidade formigar sua pele.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Não tinha dado dois passos para fora quando deu de cara com o dono da voz.

Ele estava ainda a alguns passos de distância dela, sorrindo o sorriso mais terrível que ela já vira. Seus dentes eram muito brancos, alinhados e afiados, principalmente os caninos. Não parecia totalmente humano. Ele tinha a pele num tom vermelho-escuro, acobreado, e os músculos fortes e bem delineados dos braços e das pernas estavam visíveis através do saiote de couro e do protetor peitoral, ambos adornados com rubis. O homem usava brincos, colares e braceletes, e segurava uma haste reta coroada com a cabeça de um animal de focinho comprido. Um was.

Rebeca se lembrou das palavras de Hermes há o que parecia ter sido muito tempo. “Um anjo cristão como guarda, um deus grego como patrono... e um deus egípcio como inimigo”.

— Rebeca McKulen — o homem ronronou, alargando o sorriso. Seus olhos castanhos brilharam. — É um prazer finalmente conhecê-la. Espero há muito tempo pelo nosso encontro.

Rebeca não conseguia respirar. Ela ficou olhando-o sem dizer nada, boquiaberta, sem saber o que fazer.

— Ah!, perdoe-me. — Ele fingiu se corrigir. — Não fomos devidamente apresentados. Eu sou Set. — Curvou-se em uma reverência debochada. — Deus do mal.