Forget me.

Capítulo 1: I’m different now!


Nós costumávamos ir todos os dias juntos para casa, mas não pensem errado, nós não eramos namorados, apenas amigos de infância que se davam bem. Eu já estava habituada à sua presença, não me imaginava a caminhar de volta a casa, depois de um dia secante na escola, sozinha.

Mas nem tudo é como queremos que seja e um dia ele não apareceu ao nosso ponto de encontro, ainda esperei algum tempo, acho que chegou a passar uma hora, mas isso não fez diferença, ele simplesmente não chegou. Ainda pensei em ligar-lhe, até cheguei a pegar no telemóvel, no entanto não fui capaz de carregar no botão verde. Depois de não sei quanto tempo de espera desisti e fui para casa. O caminho foi solitário, sem a alegria do seu discreto sorriso para me animar ou as suas histórias e conhecimentos para me fazer sorrir. Ah como eu sentia a sua falta, não sabia como era possível uma simples pessoa fazer outra sentir-se tão só, talvez vazia.

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No dia seguinte, lá veio ele a pedir-me desculpas prometendo compensar-me noutro dia o tempo que eu tinha perdido à sua espera. Aceitei, é claro, não conseguia ficar zangada com ele, pelo menos foi o que eu pensei. Nesse dia ele estava distante (mais do que o costume), quase podia dizer que me estava a evitar, se eu não o conhecesse tão bem provavelmente teria pensado nisso. No final do dia disse-me que não podia acompanhar-me novamente, logo no dia mais importante! No dia em que eu queria dizer-lhe algo relevante e que já lhe estava a esconder há algum tempo, ele vai-se embora sem se justificar devidamente!

Como não estava com vontade nenhuma de ir para casa decidi passar pelo parque, iria sentar-me à sombra de uma árvore e ouvir música, nada melhor do que isso para passar tempo, numa tarde de Outono, sozinha. No entanto o destino parece gostar de me pregar peças, pois tive a oportunidade de assistir a um acontecimento inédito! Lá estava ele, mesmo à minha frente, abraçado a uma rapariga que eu não conhecia, ele parecia feliz em vê-la e ela também. Não sei como fui capaz de continuar a observá-los, a maior parte da vida pessoal dele não me dizia respeito, mas os meus olhos não se desprendiam das suas figuras. Desejava não tê-lo feito, pois acabei por vê-lo a beijá-la não sei como foi pois a distância não ajudava, mas sabia que ele o tinha feito já que, logo de seguida, vi-o sorrir com o seu melhor sorriso, aquele que ele raramente utilizava, apenas quando se tratavam de pessoas especiais. Isso só significava uma coisa óbvia: Ela era especial, provavelmente era a sua namorada, afinal que mais poderia ser?

Magoava, mas não sabia porquê, possivelmente por não me ter contado, por me ter escondido, por não ter confiado em mim. Sim, doía, o meu coração doía. Eu já estava a chorar, também só reparei nisso quando vi a manga da minha camisola molhada e a minha visão começou a ficar mais turva, mas porquê? Porque é que eu estava a chorar? Eu não entendia, não tinha razões para estar magoada, a minha parte racional fazia-me ver isso, mas o meu coração provocava as minhas lágrimas e chorava com elas. Afinal, as lágrimas nem sempre rolam só pelos olhos, o nosso coração também chora, só que silenciosamente.

Corri em direção a casa, quando lá cheguei não estava ninguém, menos mal. Assim não tinha dar justificações pelas minhas lágrimas. Desviei-me dos caixotes entulhados na divisão e subi para o meu quarto. Atirei a mochila para um canto e sentei-me na secretária, retirei da gaveta um folha e uma caneta começando a escrever o que não seria capaz de dizer-lhe frente a frente, acho que era mais ou menos assim:

Querido Kentin,

Lamento que tenhas de saber as notícias por via desta carta, mas não tive outra escolha. Queria ter-te contado sobre a minha mudança antes, contudo no dia em que decidi fazê-lo tu não pudeste vir comigo para casa, deixando-me assim sem possibilidade de falar contigo pessoalmente.

Então, já deves imaginar o que queria dizer-te, sim, eu vou mudar-me. Não me perguntes para onde porque eu também não sei, os meus pais é que estão a tratar da viagem então eu não sei muitos pormenores. Apenas sei que vou ficar fora alguns anos, a nossa casa não vai ser vendida pois os meus pais estão a pensar voltar, no entanto não te posso garantir quase nada.

Durante o tempo que eu estiver fora não sei o que vai acontecer, não consigo dizer-te nada em concreto e não posso assegurar-te que vamos manter contacto. Espero que quando recebas esta carta eu já esteja no avião e assim que não tenhamos de nos despedir, sabes que eu odeio despedidas então é melhor assim. Caso isso não aconteça por favor não me sigas até ao aeroporto, seria mais doloroso para os dois. Tens todo o direito de ficar zangado comigo, eu tenho noção disso. Quando eu voltar podes ser frio comigo ou até tratar-me mal, não há problema, eu compreendo.

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Adeus…

Beijos Chye.

Coloquei a carta num envelope e selei-a, juntamente com aquela carta estavam todas as memórias que eu tinha daquela cidade, estas ficariam seladas e esquecidas dentro daquele envelope, eu queria recomeçar de novo, do início. Só esperava que, tal como eu, Kentin esquecesse que eu tinha existido e que não era nada mais do que uma simples recordação.

Entreguei a carta à mãe do rapaz e pedi-lhe que só a entregasse amanhã à tarde, a mudança seria já no dia seguinte de manhã, eu esperava solenemente que tudo corresse como planeado e que eu não tivesse de despedir-me de ninguém, se bem que eu também não tenho amigos nenhuns portanto não terei ninguém a despedir-se de mim. De uma maneira ou de outra, ninguém, para além da direção da escola, sabe que me vou embora. Não tive direito a festa de despedida nem recordações, mas não há problema, pois eu não posso ter nada que me recorde esta cidade, então é melhor assim. Qualquer outro objeto que me faça recordar esta cidade também deixarei cá, bem arrumado e guardado, mas cá.

Pela primeira vez acho que alguma coisa foi como eu esperava, não estava ninguém no aeroporto para se despedir de mim quando parti, fiquei contente, mas comecei a chorar, novamente não sabia porquê. Simplesmente chorei até adormecer completamente no avião.

***

Três anos. Três anos se passaram desde que me fui embora, os meus pais quiseram voltar um ano depois, mas eu não quis. Insisti até não conseguir mais, consegui terminar o primeiro ano do secundário no estrangeiro, mas assim que passei do 10º ano eles obrigaram-me a voltar, eu já não podia viver sozinha, tinha de estar ao pé deles, no entanto eu nunca entendi bem essa desculpa. Uma outra fundamentação era o facto de eu precisar de um melhor ensino no 11º ano para assim conseguir bons resultados nos exames, só que como eu ainda não me decidi o que quero seguir no meu futuro é um pouco complicado.

Estou neste momento num avião, até já consigo ver a cidade que tanto quis esquecer, o melhor é que consegui, pelo menos a maior parte. Quem me visse agora não me iria reconhecer, o meu cabelo está mais curto, rebelde e adornado com madeixas azuis e roxas escuras, contradizendo assim com meu antigo cabelo comprido, bem penteado e livre de tinta, já não uso óculos o que faz os meus olhos sobressaírem-se, o meu estilo também mudou há algum tempo, já não sou a menina bem comportada de antes, a vida ensinou-me a palavra “revolta” e a ingenuidade é uma coisa que já não existe em mim.

Só espero que ninguém se lembre de mim, iria facilitar muito a minha vida. Não ter de relembrar o passado, falar sobre ele… Durante estes anos também não mantive contacto com ninguém, acho que é como se eu tivesse morrido. Assim que desço do avião corro, quero voltar a casa o mais depressa possível sem me encontrar com alguém, mas mais uma vez, e para variar, isso não acontece. Pelo caminho choco com um rapaz, quando o encaro para insultá-lo arregalo os olhos, cabelos castanhos, olhos verdes penetrantes… Não, é impossível, não pode ser. Ou será que pode? Não, certamente deve ser uma coincidência, qual é a probabilidade de ser logo ele?

-K-Kentin? – Deixo escapar. O rapaz surpreende-se, claro, ele não me tinha reconhecido. Preparo-me para continuar o meu caminho ignorando este infeliz encontro, mas fui parada por uma mão a segurar-me o braço. Olho para trás e ele encara-me seriamente.

-Chye, porque te foste embora? – Arregalo novamente os olhos, não é possível, não, ele não pode ter-me reconhecido, eu não quero ser lembrada.

Eu não quero estar aqui. Desejava poder desaparecer aqui e agora, ou talvez ser esquecida, no entanto isso não é possível… Mas porquê?