A Garota Dos Defeitos

Ambiente escolar


O sentimento leve que eu senti nas primeiras horas da manhã começou a sumir no instante que meus pés pisaram no piso de entrada da escola. Na minha primeira aula: geografia eu quis correr para casa, na segunda, filosofia eu quis correr para casa ainda mais rápido, e o mesmo sentimento se repetiu na terceira aula, matemática. Quando o sinal tocou anunciando o intervalo eu suspirei de alivio.

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No inicio das aulas quando eu expliquei o motivo das minhas faltas na sala de orientação, eu precisei de alguns lenços, e de alguns minutos no banheiro para recuperar o controle das minhas emoções. A orientadora prometeu que conversaria com os professores e explicaria a minha ‘’situação’’. Eu quase ri quando ela disse isso, mas agradeci perguntando-me o que ela queria dizer com a minha situação. Quando eu tentei explicar para Monica, a professora de geografia que não tinha feito o trabalho de geografia que valia uma grande parte da nota no novo trimestre, ela apenas disse que conversaria comigo depois da aula como se já soubesse o porquê. Eu duvidava que a orientadora tivesse conversado com ela tão rápido, mas assenti e fui para o meu lugar no fim da sala. Eu não tinha faltado apenas na ultima semana então não me surpreendeu que aquele não fosse o único trabalho que eu tinha perdido.

Não tive nenhuma aula com Gabriel, mas ele estava na escola. Eu tinha visto um pequeno deslumbre do seu cabelo e dos seus ombros largos no corredor, não sei ao certo se ele não me viu, ou apenas continuou seu caminho entre os outros alunos. Depois do intervalo, entretanto isso mudaria já que educação física era uma aula que tínhamos em comum.

Enquanto eu fazia meu caminho até o clube de teatro, desejei esbarrar com ele, só para dispensar a ideia logo em seguida. Se as coisas ainda estivessem como da ultima vez que nos falamos, nós dois ficaríamos estranhos e desconfortáveis ao redor um do outro.

A professora Sofia estava sentada no chão, caixas e livros espalhados ao seu redor. Sua expressão era de pura concentração enquanto analisava alguns papéis em seu colo.

Limpei a garganta, mas ela não me notou de tão focada. Bati na porta, finalmente chamando sua atenção, quando me viu, sua boca torceu um largo sorriso.

— Oi, minha querida.

Devolvi um sorriso genuinamente sincero.

— Vim oferecer minha ajuda- dei de ombros olhando a bagunça. Não era o que eu tinha vindo fazer, mas eu poderia muito bem ajudar na organização como antigamente.

— Não sabe como eu sinto falta de uma mãozinha extra- riu e deu uma batidinha no lugar ao seu lado. – Sente-se.

Não hesitei.

— Obrigada, professora.

Seus lábios franziram e eu ergui minhas mãos rindo.

— Desculpe, é o costume.

Fora das aulas, ela insiste que eu a chame de Sofia. Menos profissional, sempre me diz.

— Por que tantos livros?

— A bibliotecária machucou o braço recentemente, me ofereci para ajudar.

Estava explicado.

Ficamos em silêncio até que ela empurrou com o pé, uma caixa repleta de livros.

— Basta verificar se há algum danificado, e anotar aqui- me entregou uma folha de papel e caneta e voltou a fazer exatamente o que tinha me explicado.

Verifiquei ao todo três caixas. Notei cinco livros amassados, e dois rasgados. Anotei na folha.

Alguns títulos eram muitos bons, e me deu uma vontade compulsiva de correr para longe com eles nos braços. Falei isso para a professora Sofia e ela riu concordando comigo.

— É uma pena que a maior parte dos alunos não tenha vontade de lê-los – suspirou com uma ruga de desagrado entre as sobrancelhas, mas logo seu sorriso retornou aos olhos. – E quando eu verei seu rosto aqui? - Ela ergueu um livro e apontou para a foto da escritora na contracapa

Fiz uma careta. Eu queria escrever um livro, queria ser uma autora tão boa quanto às dos exemplares ao nosso redor, mas ás vezes – na maior parte delas - eu chegava à conclusão que era uma espécie de sonho distante, e que devia deixar para lá.

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— Não tenho conseguido escrever.

— Sério? Uma espécie de bloqueio?

Balancei a cabeça. Escrever não era só escrever para mim, é muito mais. Uma forma de liberdade, que muitos não conseguem encontrar. É como se eu perdesse uma parte de mim quando ficava muito tempo longe de papel e caneta.

Eu não queria explicar para ela o por que. Não sabia se conseguiria fazer isso sem chorar. E eu tinha tentado tão duro não fazer isso que apenas dei de ombros.

— Tipo isso.

Não falamos mais nada. De repente não pude deixar de lembrar o motivo pelo qual eu comecei a ajuda-la. Eu gostava das aulas da professora Sofia, mas antes de eu ser sua ‘’mãozinha extra’’, tudo que tínhamos era uma relação ‘’aluna e professora’’.

O que mudou isso?

Renan.

Fechei os olhos, e quase pude ouvir suas palavras como se ele tivesse acabado de me dizê-las.

Me de uma prova que você gosta de mim da mesma forma que eu gosto de você. Se você não ficar comigo como vou saber que confia em mim?

E Deus eu nunca tinha me sentido tão insegura antes. E nunca nem tinha conseguido a atenção de um garoto como ele antes então eu dei a ele o que ele queria. Eu achei que era a coisa certa a fazer.

Tolice.

Ela era tão frigida que eu tive que pensar em outra garota para me manter excitado. Uma boneca teria mais emoção.

As lembranças vieram como um soco no estomago.

Lembrei-me dos comentários no corredor e dos meus colegas murmurando a palavra frigida com um sorrisinho no rosto quando eu passava por eles. A bagunça da minha vida era tão engraçada para eles. Elena e Dante me antagonizando por causa de uma maldita noite que não significou nada para Renan era tão engraçado para todos.

Um dia você vai rir disso tudo – Giovana tinha me assegurada logo que os sussurros começaram.

Bem, uma pena que esse dia ainda não tinha chegado.

O sinal tocou e eu me levantei relutante em abandonar a tranquilidade recém-adquirida. Eu não queria ir para a aula.

— Lembra-se de como eu comecei a vir aqui? De como eu me ofereci para ajuda-la?

Professora Sofia me observou e eu soube que ela soube o que eu estava pensando pelo que vi em seu rosto.

— Eu nunca soube como de fato tocar nesse assunto – murmurou para mim.

— Eu sei – olhei para os livros no chão. – Eu gostava do fato de nunca ter dito nada, eu podia fingir que não era motivo de piada aqui.

Fechei os olhos e sorri sem mostrar os dentes. – Apesar de nunca ter me dito nada direto para mim, ela deixava claro o que achava de tudo. Nos pequenos detalhes, como na vez que ela fez Elena levar uma semana de suspensão por ter ouvido-a me chamar de esquisita em sua aula.

— E eu nunca disse obrigado por me dar um refúgio – olhei ao redor da bagunçada sala de teatro e sorri.

Peguei minha mochila do chão e a joguei por cima do ombro antes que as coisas ficassem mais estranhas.

***

Foi na quarta aula que eu realmente desejei não ter saído da cama.

Educação física.

Um pesadelo.

A conversa com a professora Sofia me acompanhou enquanto eu andava até o ginásio. Eu tinha conseguido fazer minha mente focar em outra coisa, percebi enquanto empurrava minha mochila para dentro do meu armário.

Eu estava atrasada para a aula, e não me importava. Quanto mais eu embromasse menos eu teria que ficar na aula até que eu percebi.

Gabriel e eu compartilhávamos essa aula.

Eu queria vê-lo, mas e se ele não quisesse lidar comigo nesse momento?

Eu ainda na tinha ligado meu celular, então não sabia se ele tinha tentando falar comigo.

Balancei minha cabeça com raiva.

Era tão egoísta ficar pensando em garotos.

Giovana e Elena estavam saindo do ginásio quando eu entrei. Ambas rindo de alguma coisa. Quando Elena encontrou meus olhos jogou o cabelo para cima, Giovana desviou o olhar.

Não pude deixar de lamentar por algumas batidas. Éramos amigas, e agora que a maior parte da raiva tinha passado, eu me pegava lembrando algumas coisas boas da nossa amizade, mas logo isso se sombreava pela forma como ela me contou que ficou com Renan. Ela não se arrependia, eu não tinha porque sentir sua falta. Apesar disso eu me sentia um pouco vazia toda vez que pensava nisso.

*****

Meus olhos pousaram nele de maneira natural.

Gabriel estava conversando com um grupo de garotos. Um deles tinha uma bola de basquete em mãos e sorria enquanto falava. Como se sentisse meus olhos em suas costas o garoto de olhos esmeraldas olhou para cima. Para mim.

Seu sorriso morreu.

Meu estomago se revirou.

Virei de costas e dei um tapa com a mão na minha própria testa.

Droga. Droga. Droga.

Eu tinha consciência dos meus colegas olhando de forma engraçada para mim, provavelmente se perguntando que diabo estava errado comigo, mas não me importei.

A professora não estava em nenhum lugar à vista, e eu respirei aliviada quando caminhei para fora.

É estúpido pensar em garotos – eu quis gritar em voz alta. Pare de ser tão idiota, Suzanne.

Eu estava sendo infantil, eu sabia. Não era como se Gabriel tivesse que correr até mim e me abraçar enquanto cantava uma música florida, mas eu não esperava uma reação tão desgostosa.

Imaginei o que minha avó me diria se pudesse me ver agora. Ao invés do seu doce sorriso tudo que eu podia enxergar na minha mente, era sua mão pendendo para fora da cama, seus olhos fechados.

— Suzanne!

Eu parei de andar na metade do corredor, sacudindo a cabeça para dissipar a imagem se formando dentro da minha cabeça.

Emplastei um sorriso no rosto quando me virei.

— Oi.

— Ei - Gabriel franziu a testa me observando. Remexi-me inquieta sob seus olhos. - Tudo bem como você?

Esfreguei meus olhos e o sorriso em meu rosto se tornou um pouco mais real. – Eu estava indo perguntar a mesma coisa.

— Eu vou bem. E você?

— Eu também.

— Seu celular está quebrado? Eu tentei ligar para você algumas vezes e só caia na caixa postal – o tom de sua voz me disse que ela sabia o que eu ia dizer antes que as palavras se formassem na ponta da minha língua.

— Não, eu só... Eu, err... O mantive desligado por algum tempo.

Ele assentiu.

— Não querendo falar com ninguém. Eu posso entender.

Cutuquei o chão com a minha botinha esperando que um de nós desse o próximo passo. As coisas estavam desconfortáveis e estranhas, como eu achei que estariam.

Fechei os olhos brevemente balançando a cabeça.

— Eu vou voltar para a aula, você vem?

Abri os olhos.

Gabriel tinha me confessado que detestava assistir as aulas, mas ele queria voltar para o ginásio. Isso tinha mudado, ou ele só queria se livrar de mim?

— Não, eu... Vou ao banheiro. Vejo você depois – falei começando a me virar, mas fazendo uma pausa nos movimentos logo em seguida. – Por que você não passa mais tarde no Adams talvez possamos conversar?

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Eu deveria ter falado no vejo você depois, porque:

Eu nem sabia se tinha meu emprego.

Eu estava fazendo um convite quando ele obviamente queria se livrar de mim.

Gabriel esfregou a nuca com a mão e suspirou.

— Eu tenho me mantido ocupado nos últimos dias, eu não sei se...

Acenei com a mão interrompendo-o.

— Sem problemas – eu sorri amplo demais para ser real. – Eu, uh – apontei para o final do corredor – vou ao banheiro.

Lagrimas arderam em meus olhos quando eu me afastei. Droga, exatamente o que eu não precisava.

Antes de abrir a porta do banheiro eu sabia que tinha algo errado acontecendo lá dentro, mas não o que eu encontrei.

— Ah meu Deus. O que é isso? – eu gritei no exato instante em que Dante socou o rosto de alguém.

Seus olhos me fitaram antes de desviar para o garoto que ele segurava pelo suéter mantendo contra a parede.

— Fique fora disso frigida.

Deixei minha mochila cair no chão ignorando a ofensa. Eu tinha ouvido a palavra Frigida tantas vezes nos corredores no ano passado que já estava me tornando imune a ela.

— Claro que não. Solta ele – eu disse segurando seu braço antes que ele desferisse um novo soco.

— Mandei se mandar – ele rosnou para mim felizmente soltando o garoto do suéter. Ele parecia irado. – Você está avisando bichinha. Passou por mim e embora eu não estivesse em seu caminho me empurrou fazendo com que eu me desequilibrasse e quase caísse no chão.

— Merda, você está bem?

Bem, era a ultima das coisas que eu podia usar para definir minha manhã.

Olhei para onde Dante tinha acabado de sair.

— Por que vocês estavam brigando?

— Você quer dizer por que eu estava apanhando? – perguntou se inclinando para pegar seu celular que estava no chão. Ele riu. – Quem sabe? Dante é um idiota.

Dante era o melhor amigo de Renan, então sim ele era um idiota.

— Você está bem? – indaguei apontando para seu olho. Estava começando a ficar inchado. Ele deu de ombro tentando parecer indiferente, mas seus olhos se encheram d’água. – Só está latejando um pouco.

Encarei minhas mãos sem saber o que dizer. Eu já tinha sido encurralada no banheiro e apanhado de uma valentona antes. Eu sabia o que tinha acabado de acontecer, mas de alguma forma ver outra pessoa passar por algo que eu já tinha passado me deixava sem reação. - Eu sou Jonathan, e você?

— Vamos até o diretor – comuniquei com a cabeça girando. – Eu não preciso saber o que aconteceu entre vocês dois, para saber que Dante não tinha o direito de te bater.

Jonathan me olhou como se eu tivesse perdido a minha mente.

— Faça como Dante falou e não se meta.

Meu queixo caiu. O que?

— Escuta você nem sabia meu nome até alguns segundos atrás, então porque não podemos esquecer a cena que acabou de acontecer?

O olhar de Jonathan ficou duro, e carregado, mas seu lábio inferior tremeu.

Ele não iria esquecer.

E nem eu.

Olhei novamente para a porta, percebendo então onde estávamos.

No banheiro.

Feminino.

— Dante bateu em você porque estava no banheiro feminino? – Pareceu algo puramente idiota de se perguntar, mas Dante era um idiota de marca maior, então nunca se sabe.

Jonathan bufou. – Você está sugerindo que eu entrei aqui para ver alguns pares de bunda e que ele estava defendendo a honra das garotas dessa escola? – Eu abri a boca, mas nada saiu. O garoto diante de mim riu. Ele tinha sarda no rosto, e era ruivo como Caique. – Como se ele tivesse atitudes tão nobres. Eu mesmo o vi entrando nesse banheiro para...

Ergui a mão. – Não termine a frase – pedi apressadamente. – Eu gosto do fato dos meus ouvidos serem tão inocentes a algumas coisas.

Por que você está no banheiro masculino? – indaguei curiosa porque estranhamente ele não parecia o tipo que entrava em lugares escondidos para ver as calcinhas de alguém.

— Porque diabos você não cuida da sua vida? – rolou os olhos. – Quando isso acontecer talvez eu te responda.

Ai.

— Qual o seu problema? Tudo que eu fiz foi...

— Se meter na vida alheia? – ele ofereceu sorrindo com ironia.

Suspirei.

— Quando eu abri a porta, eu pensei que iria apenas entrar em uma maldita cabine, e fazer xixi em paz, então guarde a droga da sua má- educação para si – estourei. – E além do mais a única coisa que eu fiz foi tentar oferecer uma opção para seu olho roxo. Não estou pedindo nada demais, a única coisa que eu quero saber é porque está em um banheiro feminino.

Sim, eu estava chegando ao meu limite. E sim eu queria sacudi-lo. E sim, eu definitivamente estava sendo grossa. Mas honestamente não me importei tanto quanto deveria, foi bom estourar com alguém.

Seus ombros relaxaram, como se o que eu tinha acabado de falar fosse melhor do que sugerir irmos para a sala do diretor.

— Você não disse seu nome, e eu estou supondo que ao contrario do que Dante te chamou, não é Frigida.

Cerrei os dentes. – O que você não parou de repetir nos últimos minutos? – indaguei com raiva. O rosto de Renan apareceu na minha mente como uma fotografia que mesmo queimada, ressurge das cinzas. – Vá cuidar da sua maldita vida!

Passei por ele, batendo duramente em seu ombro e me tranquei em uma das cabines, e porque eu já tinha perdido metade da aula de educação física, decidi que iria ficar ali até a próxima aula começar. Acontece que só me mexi, quando o sinal anunciando as aulas tocou e o barulho dos alunos encheu o corredor.