[RECAPITULANDO]

Jane subiu a escada para abrir a porta do quar­to enquanto o motorista carregava a mulher embriagada com evidente esforço. Ele deixou a sra. Patrick sobre a cama e respirou fundo, como se precisasse repor as forças que perdera no caminho até ali.

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— Creio que vou descansar um pouco antes de trazer a bagagem, senhora.

— Sim, é claro. Vou conversar com Penélope e a sra. Pratt para que elas providenciem um jantar especial esta noite. Ou melhor, seu jantar será especial durante o resto da semana.

Ele sorriu e saiu.

Jane olhou para a mãe de Anne com expressão horrorizada.

E agora?

***

A sra. Patrick não movera um único músculo desde que deixara o quarto. Jane deixou a ban­deja sobre a mesa, jogou mais lenha na lareira e correu aos seus aposentos para vestir-se.

As criadas novas haviam levado água quente e toalhas a todos os quartos ocupados, e por isso ela se banhou, esperando sentir-se melhor. Estivera com Helena apenas para amamentá-la durante todo o dia, e dedicou alguns minutos a pequena.

— Mary já esteve com o bebê hoje? — perguntou a sra. Gardiner.

— A sra. Bingley sempre vem vê-la de manhã e à tarde. Helena será a criança mais mimada de todo o estado de Hertfordshire.

— Ótimo.

Estava farta de usar negro, mas vestiu um dos trajes elegantes e olhou-se no espelho, desejando ter alguma coisa com que pudesse quebrar o tédio do luto. Colocou o bracelete de esmeraldas e pren­deu um lenço branco no decote à maneira de leque.

Depois foi ao quarto de Mary.

— Estava com saudade — disse com sinceridade.

Mary estava calçando os sapatos.

— Como foi o encontro com sua mãe?

— Lamentável. Ela está doente.

— Oh, meu céus! E eu as deixei sozinhas. Devia ter ido procurá-las e oferecido minha ajuda.

— Não se preocupe. Ela estará melhor amanhã.

— O que aconteceu?

— Deve ter sido a viagem de trem. De minha parte, ouvir o apito da máquina tem sido sufi­ciente para fazer-me adoecer.

— O medo vai passar com o tempo. Avise-me se precisar de ajuda, querida. Não quero que tra­balhe demais. Já conversamos sobre isso. Gostou do vestido? Estou cansada de usar cores apagadas. Passei anos de luto depois da morte de Templeton, e agora novamente.

— O vestido é lindo.

— Você fica muito bem de negro, mas estou ansiosa para vê-la usando outras cores. Não é sur­preendente o que fazemos pelo bem das aparên­cias? Creio que ainda tenho alguma rebeldia em mim. Quer ver? — E levantou a ponta da saia para revelar um saiote vermelho. — Está chocada?

Jane riu.

— De jeito nenhum. Só me perguntava por que não encomendamos um desses para mim também. Podemos descer e cumprimentar os convidados?

Quando chegaram ao salão, os drinques e canapés estavam sendo servidos.

Os Lucas estavam sentados no divã, e Quinn levantou-se ao vê-las.

— Boa noite, senhoras.

Mary e Charlotte já haviam sido apresentadas antes e trocaram sorrisos de simpatia.

— Ainda não tivemos uma chance de dizer o quan­to sentimos por seu filho — Quinn comentou, virando-se para Jane em seguida. — E seu marido.

— Sim, nenhum de nós jamais será o mesmo — Mary respondeu. — É uma parte de mim que se foi. Também sofri muito quando perdi meu ma­rido, mas o tempo amenizou a dor. Tenho certeza que desta vez não será diferente.

— Espero poder conhecer sua filha em breve, Anne — Charlotte disse. — Estou ansiosa.

— Pedirei a enfermeira para trazê-lo depois do jantar — Mary decidiu. — É uma linda criança. Depois de vê-la, ficará ainda mais ansiosa pela chegada do seu bebê.

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— Oh, eu sei que sim. Mal posso esperar.

Quinn sorriu para a esposa e segurou a mão dela. Jane experimentou uma pontada de inveja, mas o sentimento transformou-se em tristeza quando lembrou a última vez que experimentara a mesma coisa. Havia sido no trem, diante do amor e da felicidade de Fitzwilliam e Anne. Pensara na sorte de Anne e em como ela seria feliz com o marido e o bebê que esperava.

Mas o destino reservava outro desfecho para aquele conto-de-fadas.

Mary convidou-a a sentar-se a seu lado em outro divã. Jane pensou no saiote vermelho e sentiu-se menos deprimida.

Gruver apareceu na porta para anunciar a chegada dos McCaul. Jane ameaçou levantar-se, mas a sra. Bingley a impediu de concluir o movimento.

— Fique. Eu mesma irei providenciar para que sejam acomodados.

— Ela gosta muito de você — Charlotte confi­denciou assim que a dona da casa afastou-se. — Creio que sua presença é tudo que ela precisava.

— O sentimento é mútuo — Jane respondeu.

— Espero que você e minha esposa disponham de algum tempo para conversarem com tranqüili­dade. Charlotte é leal demais para se queixar, mas não tem amigas de sua idade, e estou certo de que ela gostaria de fazer centenas de perguntas.

— Encontraremos tempo para uma longa con­versa. — Não que tivesse algo de positivo para dizer à pobre mulher. Estivera sozinha e ame­drontada durante toda a gravidez, e inconsciente no momento em que Helana viera ao mundo. Tal­vez as outras integrantes do grupo pudessem ofe­recer conselhos mais adequados e úteis.

Charles e Fitzwilliam entraram na sala e todos pas­saram a falar sobre a tempestade que se aproxi­mava e a ausência de chuva nos últimos meses. O McCaul juntaram-se ao grupo na sala de jantar, e Charles fez as apresentações.

Os empregados mostravam-se empenhados, e nem mesmo Charles foi capaz de esconder a ad­miração diante do serviço perfeito.

— Cavalheiros, que tal nos retirarmos para al­guns cigarros? — Ele propôs depois da refeição. — Iremos nos reunir às damas no salão dentro de alguns minutos.

As mulheres deixaram a mesa no instante em que os homens seguiam para o escritório de Charles.

Um som no alto da escada alertou-os, e um a um todos foram se virando. Alguém cantava uma versão de "Buffalo Gals" com toda a força dos pulmões.

Jane ergueu a cabeça tomada pelo horror.

Oh, não! Por favor, não! Não naquele momento. Não desse jeito!

— ...vamos sair esta noite e beber, beber, beber!

O silêncio entre os convidados soava tão alto quan­to a voz feminina. Ela apareceu no alto da escada, descendo com passos incertos e usando um vestido de cetim verde. Um chapéu da mesma tonalidade cobria os cabelos vermelhos e encaracolados. Levan­tando a saia, a mulher ensaiou alguns passos de cancã, revelando pernas finas e cobertas por varizes e sapatos que não formavam um par.

O pânico era como uma onda inundando o peito de Jane. Não só a mulher havia acordado, como ainda estava embriagada... ou embriagara-se nova­mente!

O que faria quando ela percebesse que Anne não estava ali?

Pensara em trancá-la no quarto, mas a ideia parecera cruel e perigosa. Mas agora...

A sra. Patrick desceu mais um degrau, parou de cantar e apertou os olhos, tentando focalizar a platéia que a observava atônita.

— Onde está Anne? — gritou com voz aguda. Havia chegado o temido momento.

Jane sentiu que todos os olhos se voltavam em sua direção. Os convidados estavam chocados. Fitzwilliam parecia divertir-se. Mary não escondia a piedade, e Charles... parecia pronto para assassiná-la.

O rosto vermelho lembrava um incêndio devas­tador, e os olhos cravados em seu rosto exigiam respostas.

Jane sentiu uma forte vertigem.

Olhou para a mãe de Anne mais uma vez e lamentou não tê-la trancado no quarto.

O que a sra. Patrick diria a Charles... e diante de toda aquela gente?

Seus dias em Mahoning Valley estavam contados.