I'm Aquarius

Guarda-chuva


Jimmy sentiu o vento gelado bater contra seus braços nus, mas estava longe demais do quarto para buscar um casaco. Retirou o maço de cigarros do bolso, logo depois o isqueiro, e acendeu um deles, o deixando pender no meio dos lábios. A fumaça branca contrastou na noite escura, e o som das solas de seus coturnos contra o chão eram as únicas coisas que se podiam ouvir.

Atravessou o colégio em passos rápidos até estar afastado o bastante para que o som da festa fosse apenas um sussurro em seus ouvidos. Cruzou a rua praticamente deserta, se aproximando de uma lanchonete que havia logo na esquina. Quando todo o estabelecimento entrou em seu campo de visão, viu que havia ali apenas três pessoas: dois funcionários e uma garota concentrada em ler um livro grosso.

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Jimmy sorriu para si mesmo ao reconhecer a capa e, sem ser convidado, se sentou na mesma mesa que ela. A menina mal pareceu notar sua presença, o que não era comum, e então ele pigarreou. A loira ergueu a mão direita, como se pedisse para ele “esperar”, e não retirou os olhos do livro. O garoto suspirou, correndo o olhar pelo cardápio preso na parede. Absorveu a fumaça, a sentindo se instalar em seus pulmões, e depois as expeliu lentamente, formando os costumeiros círculos no ar, na direção da garota.

A loira tossiu e, pela primeira vez, baixou o livro. Olhou para Jimmy com as sobrancelhas franzidas e os lábios crispados, como se o estivesse reprimindo. Aquela feição lembrou o garoto de sua mãe, quando ela descobriu que o seu “precioso” filho havia aprendido o feio hábito de fumar. Soltou uma gargalhada e amassou o cigarro contra o tampo da mesa, jogando-o de forma certeira no cesto de lixo que havia ali perto.

– E então, já chegou na parte em que a Arya morre? - perguntou de forma zombeteira, mantendo um sorriso de canto. Se a loira já parecia ofendida com a presença dele ali, agora estava realmente enfurecida.

– Ahhhhhh! Não acredito, não acredito, não acredito! Porra, eu vou te matar. Por que disse isso? Filho da puta! - ela meio que começou a gritar, lançando seu tronco para frente - pelo menos o máximo que a mesa permitia - para pontuar cada palavra com um tapa forte contra o corpo do garoto. Ele, entretanto, apenas fazia o máximo para se desviar e prender as risadas altas que tentavam sair de sua boca.

– Eu… Ai! Estou brincando, calma aí, loira! Au! Ela não morre! - Jimmy respondeu enquanto conseguia segurar os pulsos da garota, impedindo qualquer outra ação agressiva de sua parte. Ela o olhou com desconfiança por um momento, mas apenas revirou os olhos, deixando-se cair de volta na cadeira. Emburrada, pegou um punhado de batatas fritas com a mão esquerda e as colocou todas na boca. - Quanta violência, moça.

– Cafa a foca, imbefil. - resmungou com a boca cheia. Lançou um olhar rápido para o livro e depois para ele, com as sobrancelhas erguidas. Terminou de engolir as fritas e em seguida cruzou os braços na frente do busto. - Sabe, sempre achei que garotos como você não lessem. - comentou, ainda irritada.

– E quem disse que eu li? Apenas vi a série, sweetie. - ele contra-respondeu e levou a mão até as batatas da garota, pegando duas e as levando até a boca. Ela o olhou desacreditada e se virou em direção ao balcão onde os funcionários mudaram rapidamente a direção do olhar, como se não estivessem prestando atenção na conversa dos dois. Ergueu-se, já remexendo no bolso da calça para achar seu dinheiro.

– Ahhh, por favor! Te ofendi, foi? Eu não poderia ser bonito e nerd ao mesmo tempo. Isso seria injusto com a sociedade. - Jimmy sacudiu a cabeça em negativa, tentando não abrir o seu sorriso torto. Apoiou o cotovelo na mesa e a cabeça em sua mão, fitando a loira de forma brincalhona. Ela se virou para ele e, pela primeira vez, havia um sorriso ali, mesmo que de desdém.

– E quem disse que você é bonito? - perguntou em tom de desafio e foi até o funcionário mais próximo, pagando o seu pedido. Virou-se em seguida na direção da mesa, indo até esta e pegando seu livro. Jimmy a olhava com as sobrancelhas erguidas, levando a mão livre de forma automática até o bolso da calça, na onde o maço fazia volume. Ele, entretanto, não retirou nada dali.

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– Eu tenho espelho em casa. - respondeu no mesmo tom e se levantou, erguendo os dois braços para se espreguiçar. Logo depois passou a mão no cabelo, deixando-os mais bagunçados que o normal. - Vamos?

A loira riu consigo mesma e balançou a cabeça, como se não pudesse acreditar nas palavras dele. Deu as costas ao garoto e começou a andar em direção aos portões de ferro da escola. Achou que aquilo seria o suficiente para mostrar que ela queria ficar sozinha, mas antes mesmo de formular esse pensamento, o garoto já estava ao seu lado.

– O que você acha que está fazendo?

– Não é óbvio? Estou acompanhando uma donzela até o castelo real. - ele respondeu como se aquilo fosse claro e faltou pouco para a garota não por a mão na frente do rosto, fazendo o conhecido “facepalm”.

– Você é mesmo um idiota. Eu conheço o caminho, sei me cuidar. - ela respondeu e tornou seus passos mais rápidos, para manter distância do garoto, mas era quase impossível. Ele manteve o ritmo, olhando para o nada com um sorriso maroto.

– Como você disse que era o seu nome? - perguntou enquanto, dessa vez, realmente tirava o maço do bolso. Deixou escapulir um cigarro e o pôs entre os lábios, mas, quase imediatamente, já não havia mais nada para se ter ali. A loira o havia jogado longe com um tapa. Jimmy a olhou surpreso, mas com uma mínima pontada de irritação.

– Eu não disse o meu nome e eu não gosto de fumantes perto de mim. Principalmente você. - afirmou. Sua voz saiu abafada com o vento que lhes atingiu forte, fazendo o corpo de ambos estremecer com o frio. A garota olhou de esguelha para Jimmy e suspirou, resignada. - Sou Lisbeth.

– E o inverno está chegando. Uuuuuuuh! - o garoto estendeu as duas mãos em direção a garota e sacudiu os dedos para cima e para baixo, fazendo um ar de mistério. Lisbeth se permitiu apenas um sorriso, mesmo que sua vontade fosse rir. Abraçou o livro e voltou a fitar os prédios da escola, já ouvindo a música que tocava ao longe.

– Achei que um idiota como você estaria na festa. Aquelas coisas não são seus amigos? - perguntou, tentando sumir com o silêncio constrangedor que surgira repentinamente.

– Amigos, amigos, não. Só frequentamos o mesmo ambiente, infelizmente. - ele respondeu enquanto não se continha e soltava um bocejo alto. Lisbeth olhou-o com as sobrancelhas erguidas, surpresa. - Que foi, Beth?

– Pelo amor de Deus, não me chame assim! - ela acertou o livro no braço do garoto e ele se permitiu um careta falsa de dor. Ficou assim por alguns instantes antes de começar a correr em direção ao interior da escola, de costas e rindo.

– Beth! Beth! Beth! Beth! - a loira o olhou chocada e pôs-se a correr atrás do garoto, gritando com ele até estarem na recepção de St. Hungham School. Lisbeth se curvou e apoiou as mãos nos joelhos, enquanto arfava cansada, e Jimmy apenas ria, escorado no balcão. - Além de sedentária, anda com estranhos. Nem ao menos perguntou meu nome.

– Eu… sei… quem… você… é! - a garota respondeu, sem ar. Depois de alguns segundos voltou a ficar ereta, lançando um olhar para trás, o caminho para seu quarto. - Jimmy Parsley. Todo mundo te conhece, até mesmo eu.

O garoto abriu um sorriso torto e fez uma reverência.

– Minha reputação e fama me perseguem. O que posso fazer? - ele deu de ombros e voltou à posição normal. Lisbeth olhou-o incrédula.

– Você é ridículo. Agora, se me der licença, tenho mais o que fazer. - disse de forma ríspida e acenou com a cabeça em despedida, partindo a passos rápidos para o sentido contrário de onde o garoto se encontrava.

– Até mais, sweetie. - ele despediu-se e pôs um novo cigarro na boca, acendendo-o com o isqueiro prateado. Manteve o sorriso nos lábios e impulsionou-se para cima com os dois braços, parando em pé em cima do balcão. Com toda a fumaça já absorvida, o garoto a soltou em uma única baforada contra o sinalizador de incêndio que ficava na parede. O alarme estridente começou a soar por todos os cantos da escola. Ouviram-se gritos e mais gritos quando, de forma aleatória, os esguichos que ficavam presos ao teto começaram a jorrar água.

Jimmy pulou para o chão e se sentiu molhar rapidamente. Foi andando em direção ao local que acontecia a festa só para se divertir ao ver as garotas saírem correndo como baratas tontas de um lado para o outro, tentando não estragar os seus cabelos devidamente penteados e suas maquiagens perfeitamente moldadas em seus rostos finos e sem vida.

* * *

Quando a água atingiu o corpo de Corinne e Bettany, elas pareceram se despertar para a realidade. As duas se afastaram, pelo menos o máximo que o box permitia, com a respiração acelerada. Ouvia-se o grito das diversas pessoas que se molhavam e os passos rápidos que sinalizavam a correria que estavam fazendo na pista de dança para fugir de onde quer que fosse o incêndio, mas isso não parecia importar enquanto as duas se fitavam.

– Ahn… é, melhor… Hm… Eu ir ver o que aconteceu. É. - Betty não esperou uma resposta. Apreçou-se a sair do banheiro, ajeitando o vestido que estava levantado até a sua cintura. Corinne não se lembrava de ter feito aquilo, mas também não se lembrava de muitas coisas. Ainda sentia a sensação do beijo, das mãos da garota que haviam percorrido todo o seu corpo de forma indecentemente prazerosa.

Se olhou no espelho e não esperou menos que aquilo: completamente encharcada por conta dos esguichos de água, com a maquiagem toda borrada e os cabelos grudados em sua face. Mas não se importou. Ajustou o vestido no corpo, retirou o seu sapato de salto e foi andando para fora do banheiro, em direção ao quarto. As pessoas realmente corriam, principalmente as garotas, que tentavam se proteger da água.

Os gritos, entretanto, trouxeram Corinne a uma realidade que ela não gostaria viver. Havia matado duas pessoas, era uma assassina. Deveria estar presa neste momento, se não fosse sua mãe e sua influência dentro do distrito policial. Mas o que ela havia feito? E a mãe e mulher dos mortos, como estaria? O que ela estaria pensando? O que ela estaria sentindo? A Squarre havia acabado com duas vidas naquela noite, três se fosse contar a dela própria.

E ainda se preocupava com os lábios macios de Betty? Com o que havia por debaixo da calcinha da garota? Rangeu os dentes, contendo-se para não se deixar cair ao chão e ficar por lá, derrotada. Mas algo, entretanto, lhe chamou a atenção. O homem segurava um guarda-chuva tão negro como o céu sem estrelas. Seu terno de linho estava intacto e seus cabelos devidamente penteados para trás. Perfeitos.

Daros Brudvig parecia a espera de Corinne, como se fosse seu empregado. A morena parou, sem entender. Seus pensamentos, antes tão perturbados pelo passado, pareceram se limpar com o recente mistério por de trás dos olhos verdes e opacos do professor. Ele a olhou de forma sugestiva, como se quisesse que a garota se aproximasse mais, e ela assim o fez. Quando já estava perto o suficiente, o homem lhe sorriu um sorriso sem dentes.

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– Você pode se resfriar. Venha, a acompanharei até o quarto. - Daros informou e começou a andar em meio ao restante de pessoas que ainda corriam por abrigo. Corinne, entretanto, nem prestava mais atenção ao que acontecia a sua volta. Não viu quando muitos outros professores, coordenadores e funcionários surgiam com o mesmo guarda-chuva negro de Brudvig, capturando um ou dois alunos para levá-los em segurança e menos molhados até os seus quartos. Pelo contrário, achava que era única. Ela achava que Daros a mostraria algo diferente, talvez o que ele havia tentado lhe mostrar naquele dia, antes da aula de matemática.

Ela gostava era disso, dessa sensação de ser especial, mesmo que de forma iludida.