Ela olhava para o espelho. Seus olhos castanhos pareciam guardar algum segredo, uma vez que o encarava há mais de dez minutos. Ela segurava em suas mãos um papel amassado. E apertava-o como se quisesse que ele sangrasse. A primeira gota de uma chuva é quase sempre despercebida. Porque com ela vêm sempre outras, e mais outras. Mas, a primeira lágrima em seus olhos caiu com se fosse um piano no chão e espatifou-se. Ela respirou fundo, piscou algumas vezes, olhou para cima e riu. Sua risada parecia machucá-la ainda mais naquela hora.

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– Finalmente é hoje- ela afirmou, enquanto desembrulhava o papel.- Sinto muito. Sinto por todas as coisas que não fiz, sinto pelo tempo em que fingi ser igual a vocês. Sinto por ter tornado isso uma surpresa. Vocês saberiam muito mais se eu tivesse procurado ajuda, mas eu nunca quis. A culpa não é de vocês, nem minha. Vocês não irão entender... As coisas tinham que ser assim. Poderia contar-lhe muitas coisas nessa carta, e mesmo sendo meus pais, vocês não sabem de nada. Outra surpresa. Bem, em busca de paz, sofrimento, verdade e felicidade eu me enterro, coloco um ponto final e me mato, tornando real todos os dias em que todo mundo me matou devagar. Não tenho mais palavras. Não irei contar mentiras, muito menos me despedir. Eu estava morta há muito tempo e. - ela deu uma pausa. Respirou fundo, a segunda lágrima caiu como a outra. - E ninguém notou. Eu sinto muito. Talvez seja esse o problema. Eu sinto muito mesmo e se eu não sentisse, eu estaria com vocês. Vivendo esse conto de fadas e de merdas que hoje é o meu ontem. Até logo... Não se assustem e nem tratem a morte como algo distante. Ela está em todo o lado. Somos muito cegos para notá-las, a maioria nem imagina. Alguns sentem e eu sinto muito. Com amor, Wendy.

Foi como se o tempo tivesse congelado. Ela encarou o papel e parecia escutar sua voz em meio ao silêncio. “Com amor, Wendy”. Ela encostou a cabeça na parede, fechou os olhos e a terceira lágrima caiu. E depois a chuva começou. Ela rasgou o papel e correu para sua cama. Pegou o cobertor e usou como um guarda chuva. E lá estava ela, as luzes apagadas, os pedaços de papel no chão e as gotas de chuva batendo na janela.