O Diário de Uma Garota Perdida

Porque você fez isso, Wendy?


–Bom dia, filha!- exclamou minha mãe animada. Ela ama quarta-feira. Segundo ela, é o melhor dia da semana. Suas mãos tentavam tirar o cabelo do meu rosto. Ela estava com um sorriso parecido com o do dia anterior. Porém, de repente, este sumiu. Ela levantou da cama e colocou suas mãos no rosto, adquirindo uma expressão de horror. Seus olhos se encheram de água. E ela foi embora, deixando-me sozinha. Ou melhor, eu fui embora, deixando-a sozinha.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Mas, minha mãe voltou. Enquanto eu nem sabia onde estava. Meu pai estava de terno e apareceu ali com uma cara um tanto quanto intrigada. Como se desconfiasse do que estava ocorrendo. E aconteceu de novo. Sua expressão mudou de repente. Minha mãe estava chorando e ele estava de pé, talvez paralisado, encarando a mim. Ou o que era eu.

Fazia dez minutos que eu olhava para o chão. Cinco e quarenta. Eu deveria estar assustada ou chorando, entretanto eu sentia uma tranquilidade que fazia tempo que eu não sentia. Era como se tudo o que tivesse acontecendo fosse uma história já conhecida por mim; um roteiro de teatro decorado. Eu não sentia medo. É bom pensar no depois quando sabe que ainda dá para voltar atrás.

A diretora se encontrava nervosa. Suas mãos suavam e eu não entendi exatamente o porquê. Afinal, ela nem sabia quem eu era. Vivia me confundido com uma garota chamada Vanessa. De qualquer forma, ela estava sentada de frente para quatro garotas. Ninguém as conhecia por CNTS, mas eu sim. Elas estavam entediadas. A diretora abria e fechava a boca. Talvez buscando palavras. Essa velha é muito falsa.

– Está tudo bem, diretora?- perguntou Sabrina, fingindo ser simpática. Quando na verdade, queria ir embora dali o mais rápido possível.- Aconteceu alguma coisa?

– A... A Wendy- suspirou, tentando falar de uma vez o que aconteceu. - A Wendy se matou. - sua voz estava fraca e eu continuava não entendendo que porra estava acontecendo com ela. Talvez ela estivesse com medo de que meus pais processassem a escola por falta de assistência ou qualquer coisa do gênero. Ela continuou dando mais informações sobre isso dessa forma. A reação das CNTS após ouvi-la foi cômica. A Sabrina começou a chorar, outras duas começaram a lamentar-se e consolar Sabrina e uma delas apenas deu de ombros. Cômico.

A diretora, após esse show, disse que não era para espalhar esse acontecimento- ainda incluiu um trágico na frase. Mas, o mais engraçado foi elas contando para sala inteira depois. E ninguém nem sabia quem eu era. Isso foi hilário. Mas, apesar de tudo, eu sentia por isso. As pessoas não estavam nem aí. Eu não queria que elas estivessem. Eu só... Queria que alguém sem ser meus pais se importasse. Provavelmente, eu estou pedindo demais. Se eu quisesse tanto, eu não teria feito o que fiz.

Cinco e quarenta e cinco. Se antes eu estava tranquila, definitivamente, agora eu não estou mais. Eu tenho um ódio de cada CNTS. Eu queria tanto ir embora; queria tanto deixá-las de verdade. Mas, é um caralho essas amizades. Você não pode sair. Você não pode entrar. Eu tenho que permanecer. E faltam mais dois anos para essa porra acabar. Algumas vezes, eu gosto de imaginar que eu não irei sobreviver até isso: que eu morrerei antes e “sem querer” (querendo, como diz o Chaves). Em um acidente de carro, por exemplo.

Minha mãe nunca gostou da minha avó e desde que meu avô morreu, nós nunca a visitávamos. E eu a vi agora. Ela entrará na minha casa e via minha mãe sentada no sofá da sala de estar.As duas conversaram sobre coisas aleatórias até que minha morte foi colocada em pauta. Era só por isso que as duas estavam conversando afinal.

– Filha, porque a Wendy se matou?- ela perguntou, “delicadamente.”.

– E você acha que eu sei mãe... - minha falou irritada. Eu odiei vê-la dessa maneira.- Aconteceu tudo tão de repente.

–Se você precisava de ajuda com ela, eu poderia ter te ajudado. – ela disse e eu juro que teria estrangulado-a se podia.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Eu não sabia que ela precisava de ajuda... - minha mãe começou a chorar. Eu não queria que ela soubesse. Realmente não queria e essa não foi uma maneira legal dela descobrir. Com certeza, me senti culpada agora. – Eu não sabia.

– Como você não sabia? Você não é a mãe dela?- minha avó quase iniciou um interrogatório.

– Mãe, por favor, vai embora. - disse a minha mãe abrindo a porta da nossa casa. A minha avó lançou-se um olhar a qual eu não identifiquei e saiu. Minha mãe bateu a porta com força e encostou-se nela até chegar ao chão. Chorando muito. Da mesma maneira que eu fazia quando chegava da escola às vezes.

– Porque você fez isso, Wendy? Por quê?- ela perguntou olhando para cima. Porque eu fiz isso?

Cinco e cinquenta. Eu estava muito assustada. O que é engraçado considerando que a cinco minutos atrás eu estava com raiva e a dez, eu estava tranquila. A verdade é que eu estava confusa. É um suicídio. Eu deveria estar pensando em mim. Só que na maior parte do tempo, eu penso nos outros. Isso não está certo... Nada disso está certo. Afundei minha cabeça no travesseiro e fechei os olhos. A ideia não era dormir, mas aconteceu; a ideia não era séria, mas ficou. Porque você fez isso, Wendy?Porquê?

6:00 da manhã.

– Seis horas, meu amor. É hora de levantar. - minha mãe abriu as cortinas do meu quarto, deixando alguma luz entrar. Ainda é cedo, mas já podia ver um amarelo no horizonte indicando um futuro surgimento do sol. Um a zero para Renato Russo. Meus cabelos levemente bagunçados, roupa amarrotada e um típico “Só mais cinco minutos, mãe” completavam a cena de uma manhã de quarta-feira. Espreguicei-me e caminhei até o banheiro. A caixinha sob a pia denunciava a mim mesma. Peguei-a e coloquei na última gaveta do armário. A pergunta da minha mãe ecoava em minha cabeça. Então, lembrei de um trecho da música que ela cantou onde Renato disse que “Quem acredita sempre alcança” e nesse exato momento, encarando meu reflexo e a mim mesma, eu tenho medo do que de fato eu acredito.