A escuridão aderia outras formas. Formas claras. Diferentes. Não posso dizer que o que aconteceu foi sonho. Mas, não era o que eu sempre quis? Todos os dias? Escrever sobre isso é totalmente estranho. Por mais que eu sorria enquanto eu lembro, simplesmente queria que não fosse tão real. Porque eu odeio pensar no depois. Na chuva. Na terra. No fogo. Ou talvez no ar. Meus olhos estão embaçando. Não quero fechá-los. Simplesmente queria que não fosse tão real. Mas está ardendo.E então, eu os fecho.

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O sinal finalmente ecoou e todos pegaram seus materiais. Alguns conversavam, porém o silêncio era predominante na maioria. Marina tinha feito um discurso que com certeza nos desgastara. Era muita matéria; muita coisa desnecessária. Não aguentava olhar para lousa e pensar que sairia dali para voltar amanhã. Peguei minha mochila e sai sem despedir. Os corredores cheios e barulhentos incomodavam-me e por isso, apressei meu passo.

Minha mãe estava esperando na porta. O carro cinza combinava com a minha alma. Como uma blusa branca encardida que nunca voltaria a ser branca. Ela estava absurdamente animada. Colocou uma música de Renato Russo que eu escutei a vida inteira.

–Tem gente que está do mesmo lado que você. Mas deveria estar do lado de lá- cantou baixinho e me fez sorrir. - Tem gente que machuca os outros.Tem gente que não sabe amar.Tem gente enganando a gente.- ela diminuiu o volume do rádio, mas era como se eu ainda o escutasse. – Como foi à aula, filha?

– Foi boa, mãe. - respondi. Ela abriu um sorriso e voltou a aumentar o volume do rádio, cantando o resto da canção. O caminho durou cerca de dez minutos. Meu coração batia rapidamente sem qualquer motivo. Eu estava nervosa. Queria dormir e deixar o dia passar mais uma vez. A rotinha me deixava entorpecida. Uma droga. Só que você não se sente viciada. Essa droga apenas dói.

Minha mãe parou o carro e descemos. Subi em meu quarto e disse a ela que estava cansada demais para comer. A porta se fecha. Meu sorriso se desmancha. Não vejo nada. O peso sai das minhas costas, mas eu ainda me sinto empurrada ao chão. Deslizo sobre a parede e sento. Fecho os olhos procurando um novo jeito de ver as coisas. Mas, novamente, ao abri-los, vejo exatamente o que eu via antes.

A decisão foi tomada rapidamente. Só que eu já tinha pensado tantas e tantas vezes nessa saída que tudo saiu como em uma cena de teatro. Cada passo, cada ato... Nada estava fora do planejado. Eu levantei e fui ao banheiro do meu quarto. Encarei-me no espelho. O reflexo do espelho não cumpriu sua função. Eu não me sentia ali. E o mais cômico é que em pouco tempo eu de fato não estarei.

Na última gaveta, tinha uma caixinha que deveria nos fazer viver. Não é só o espelho que não cumprirá sua função... Aquela faixa preta fez-me abrir um sorriso. Um sorriso que doía. Segurei a caixinha em minhas mãos que agora tremiam. Assim como meu corpo. Direcionei-me a cama onde sentei. Minhas unhas batiam na caixa da mesma maneira que a música tocou no carro. Abri um sorriso pensando na minha mãe cantando. Eu pensei na minha mãe.

Larguei a caixinha e procurei em uma gaveta um papel. E eu se antes tudo estava planejado e bem pensado, agora não mais. As palavras não saiam. Minha garganta estava seca demais. Como se eu tivesse me asfixiado. Como se eu não tivesse mais tempo. Eu a olhei e imaginei olhando para mim. Seus olhos verdes chorando. Ela encostando suas costas na porta - Na mesma porta que eu tinha me encostado - e indo de encontro ao chão. Apesar de que provavelmente, ela acabará de ter perdido o seu. Podia ouvir sua voz dizendo “Não”. Fechei os olhos e escrevi no papel:

Desculpa. Parece que não, mas doeu em mim também. Desculpa”.

Tudo que eu pensará em dizer abandonou-me. A música que ela cantou voltou a minha cabeça. Tudo parecia se encaixar tão bem. Cada palavra. A caixinha me encarava. Destranquei a porta. Não queria vê-la desesperada batendo nela, pedindo para que eu a abrisse. Sendo que eu nunca mais abriria.

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Sentei-me na cama com o papel na mão. Abri a caixinha e retirei todas às capsulas da embalagem. 16 capsulas. Eu encarei aquelas pílulas brancas. Minha mão suava e eu estava tão nervosa... Ela não tinha como prever. Ela vai ficar assustada. O mundo dela vai acabar assim como o meu acabava todos os dias. Como ela contaria ao meu pai? Eu não pensei muito. Eu não queria mais pensar. As pílulas logo iam derreter tamanho suor. Pensei em tudo que eu escreverá. Todas as palavras...

Abri o papel que eu segurava e resolvi acrescentar na última frase “Desculpa, mas eu não consegui continuar.” Apesar de negar, eu sei que eu poderia continuar. Porém, não anseio isso. Dobrei o papel novamente. Foi como colocar vários Tic Tac’s na boca. Eu tinha esquecido de dizer a ela eu que eu a amava; que ela não tinha culpa alguma. Eu esqueci. E as gotas, que mais pareciam sangue escorriam de meus olhos. Era tarde demais.

Abri os olhos. O relógio mostrava que era cinco da manhã. Meu coração batia rápido. Muito rápido. Levantei da minha cama e fui em direção à porta. Segurei a maçaneta e infelizmente, consegui abaixá-la. A porta estava aberta. Não era um sonho. Eu fui até o banheiro e procurei na última gaveta aquela caixinha. Eu estava desesperada, mas depois eu pensei em como seria não encontrá-la lá. Em como seria a minha nova realidade.

Só que ela estava lá. Suspirei,sem saber se de fato estava aliviada. Voltei andando devagar até a porta. Virei a chave e fui ao chão. Este estava gelado assim como a minha mão. Estava com medo de fechar os olhos, pois quando o fazia a escuridão aderia outras formas. Formas claras. Diferentes. Não posso dizer que o que aconteceu foi um sonho. Mas, não era o que eu sempre quis? Todos os dias? Escrever sobre isso é totalmente estranho. Por mais que eu sorria enquanto eu lembro, simplesmente queria que não fosse tão real. Porque eu odeio pensar no depois. Na chuva. Na terra. No fogo. Ou talvez no ar. Meus olhos estão embaçando. Não quero fechar os olhos. Simplesmente queria que não fosse tão real. Mas está ardendo.E então, eu os fecho. Em menos de um segundo, eu já os abro aflita.

Levanto do chão e vou para a minha cama. Dormir seria impossível. E depois do que ocorreu, nem sei se eu realmente queria. Eu não deveria estar pensando nisso. Não mesmo. Mas, o que aconteceria se eu já não estivesse viva? E se eu nunca mais visse as pessoas? Ou o Sol? Como se eu estivesse destinada a viver sozinha na escuridão. Por mais estranho que pareça, eu precisava ter certeza de que aquilo tinha acabado. Então, sussurrei a mim mesma:

– Mas, é claro que o sol vai voltar amanhã. Mais uma vez, eu sei.