Primeiro ano

Lembranças


– Quando eu tinha 6 anos, dois ladrões entraram em nossa casa. Minha mãe diz que eles entraram na casa errada. Eles ficavam pedindo que meu pai entregasse a grana... ficavam repedindo isso. Um dos ladrões apontava a arma para a cabeça da minha mãe e... o outro, para a cabeça do meu pai. Meu pai dizia que não tinha nada – sua voz ficou embargada – Ele me olhava com medo nos olhos, mas disse: “Vai ficar tudo bem”. Assim que ele falou escutei um barulho muito alto... um tiro – ela começou a chorar, mas continuou falando – Os ladrões... fugiram. Me lembro da minha mãe chorando... sobre o corpo do meu pai... dizendo que ele tinha prometido lhe dar um presente... no dia seguinte seria aniversario de casamento deles... eu sequei as lágrimas e disse pra minha mãe: “O papai disse que vai ficar tudo bem”. Mas minha mãe não parou de chorar. Nunca a vi chorar tanto... Desde aquele dia eu faço de tudo para que ela não chore mais – ela secou as lágrimas e olhou para o céu – Depois os paramédicos chegaram e minha casa encheu de pessoas que tentavam confortar minha mãe. Eu estava tão sufocada que saí de casa e corri até essa praça. Fiquei muito tempo aqui, chorando. Até que um menino apareceu – ela sorriu – Ele se aproximou e sentou ao meu lado no banco. Ele perguntou por que eu chorava, mas não respondi. Daí ele falou: “Uma vez meu pai me disse que as nuvens são mágicas!” Eu olhei para ele que apontou para o céu: “Aquela parece um cavalo” - Eu olhei para a nuvem que ele apontava - “Aquela outra parece uma casa. E aquela parece um cachorro fazendo xixi”. Foi a primeira vez que eu sorri naquele dia. Daí eu apontei uma nuvem e disse que ela parecia um sorvete. Sequei as lágrimas e perguntei para o menino: “Quem é você?”. Ele respondeu: “Seu melhor amigo”...

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– “Aquele que não quer te ver chorar nunca mais” – completei olhando o céu.

***

– Então era mesmo você – falei o olhando.

– Você sabia?

– Desconfiava.

– Me lembrava de uma garota chorona da minha infância, mas não desconfiava que fosse você. Até você começar a contar essa historia. Mas como você sabia que era eu?

– Eu não sabia, desconfiava – respondi, olhando para o céu – No tempo em que eu dormi tive um sonho. O sonho era exatamente a cena que eu acabei de narrar.

– Isso tá mais pra lembrança do que sonho.

– Você tem razão – olhei para ele – Você não mudou muito, sabia? Você tem o mesmo cabelo castanho... o mesmo sorriso... e os mesmos olhos verdes inocentes. Você só ficou um pouco mais alto.

– Isso é bom ou ruim?

– É bom – voltei minha atenção para o céu – Achava que você não era real...

– Como assim?

– Eu sempre me lembrei de um garotinho que me fez sorrir no momento mais triste e difícil da minha vida, numa época em que eu entendi da maneira mais traumática o que significa perder alguém pra morte; um garotinho que tinha um sorriso fácil e um olhar acolhedor. Esse garotinho surgiu e desapareceu como as formas nas nuvens. Depois de um tempo comecei a pensar que talvez ele fosse fruto da minha imaginação fértil. É bom saber que ele é real.

– Desculpe por sumir, senhorita. Mas agora estou de volta – ele disse sorrindo.

– O que aconteceu naquela época?

– Meu pai foi transferido para o Japão. A empresa em que ele trabalhava deu a ele a oportunidade de trabalhar por lá e ele aceitou.

– Você morou no Japão? – perguntei surpresa.

– Sim. Por 10 anos. Voltamos no fim do ano passado.

– Legal!

– Sinto muito pelo seu pai.

– Tudo bem... Ele que me ensinou a jogar xadrez. Ele jogava muito bem. Depois o xadrez se tornou uma das formas de eu fugir da realidade.

– Agora eu entendo... Logo vai escurecer. Você já está bem?

– Estou sim.

– Então vamos voltar? – fiz que sim e levantamos do banco.

Caminhamos em silêncio por um tempo. O Sol estava se pondo e o céu ficou alaranjado. Pela primeira vez em muito tempo me senti bem. Caminhava distraidamente, o que me fez tropeçar em uma pedra.

– Tudo bem? – Diego me segurou.

– Sim – respondi me recompondo.

– Você faz isso de propósito pra me abraçar, né? – ele brincou.

– É claro que não – desviei o olhar, corada.

– Se quiser um abraço é só pedir, senhorita – ele disse sorrindo e voltou a caminhar.

– Por que você sempre fala isso?

– O que?

– Senhorita.

– Ah... acho que é costume. No Japão as pessoas se tratam com muito respeito e, depois de 10 anos, alguns costumes ficam.

– Entendi...

Voltamos a caminhar em silêncio. Chegamos junto com minha mãe.

– Onde vocês foram? – ela quis saber.

– Olá Sthefani, fomos caminhar um pouco – Diego respondeu – Achei que seria bom ela tomar um ar fresco.

– Você fez bem.

– Acho que eu tenho que ir embora.

– Fica para o jantar, Diego.

– Acho melhor eu ir embora. Pode ficar tarde e minha mãe vai achar ruim.

– Qualquer coisa, se ficar tarde, você dorme aqui.

– Não! – intervi, falando mais alto do que planejava – Er... melhor ele ir porque...

– Eu tenho que fazer algumas coisas em casa – Diego disse para meu alívio – Não posso ficar hoje.

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– Tudo bem então – minha mãe disse desconfiada.

– Vou pegar sua mochila, Diego – eu corri para dentro de casa o mais rápido que pude procurando a mochila. Quando saí para entregar ele e minha mãe estavam rindo de algo – O que foi? – perguntei.

– Nada de mais – minha mãe respondeu – Vou entrar, então. Até amanhã, Diego.

– Boa noite, Sthefani.

– Aqui está sua mochila – disse a entregando.

– Obrigado, senhorita – ele sorriu – Então... acho que te vejo amanhã?

– Sim, amanhã – respondi sorrindo.

– Esperarei ansioso. Boa noite, senhorita – ele fez uma reverência.

– Boa noite – fiz uma reverência também. Ele sorriu e foi embora.