Identidade Homicida

Brincadeira de boneca


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Pós toque de recolher. O silêncio frio da noite preenchia os corredores escuros da escola de uma névoa de zumbidos surdos.

Elsie agarrada ao relicário de sua tia, Armin e seus hematomas na enfermaria, Kentin afogando as próprias mágoas no travesseiro, entre outros alunos -- todos em seus momentos de recolhimento, sem exceção.

Todavia, nem todos sob o conforto de seus quartos.

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Àquela hora da noite, o silêncio estava prestes a se romper.

A rapariga, aluna do terceiro ano, meteu o próprio corpo para dentro do armário de ferro do grêmio e fechou a porta. Ofegante, ali dentro, no abafo, com o suor áspero fritando a face e condensando sob o tecido da meia calça, se pegou pensando nos transtornos que um plano falho conseguiu lhe trazer.

Com o tão súbito rangido prolongado da porta da sala, teve vontade de diminuir de tamanho, desaparecer dali.

Por entre as frestas horizontais do armário, a rapariga pôde reconhecer o topo de uma cabeleira laranja a vasculhar por debaixo das mesas e cantos. Engoliu a seco. Tinha deixado a maldita tesoura cair do lado de fora do esconderijo. Sem armamentos, desejava, mais que tudo, apenas que desistissem de procurá-la.

Recolhida e rangendo os dentes em inquietação, a fugitiva continuava a observar atentamente a silhueta ruiva -- que agora, para seu desespero, lentamente, rumava em direção ao armário.

Rezou na consciência, redimindo-se por seus pecados e ganância. Tarde demais; viu a chapa de ferro da porta desprender-se da tranca e ser puxada para trás. A silhueta ganhou cor, forma, e um sorriso. A rapariga fechou os olhos, apertou as pálpebras; a lágrima inquieta umedeceu os cílios loiros.

Não… houve nada.

— Adri!

A incerteza contagiou a garota ao que ouvira seu nome ser chamado.

Suspirou intensamente ao entreabrir os olhos; alívio:

— Íris...? — demorou em digerir a informação. — O que tá fazendo aqui? Já... deu o toque de recolher faz tempo.

— Acho que eu quem deveria perguntar sobre o que faz . — riu, graciosamente, como sempre.

A rapariga pôs os pés e o resto do corpo para fora:

— Tem razão. — disse Adri, a apalpar as vestimentas enrugadas, de costas para Íris. Um riso nervoso. — Onde eu tava com a cabeça? Vim dar uma olhada nuns documentos meus. Pensei que era o Jack vindo e… quis me esconder. — mentiu.

Uma inocente, pensou a fugitiva.

O perseguidor, provavelmente, não perderia seu tempo incluindo Íris no combate -- afinal, seria mais uma perseguição, mais fôlego gasto, e, quem sabe, se Íris fosse suficientemente hábil para escapar, sua desclassificação.

Adri se aliviou por um momento. Tinha um escudo: a ruiva. Enquanto estivesse ali dentro, poderia, calmamente, tramar um esquema.

Mas mal sabia Adri, que, detrás de suas costas, Íris portava um Spynet -- um utensílio de choque capaz de causar pequenos estragos --, pronta para atacar.

— Mas então, Íris. — abruptamente voltou-se para a outra num sorriso energético. — O que veio fa-...?

Adri não encerrou sua sentença -- o aparelho acertou-lhe em cheio o ombro esquerdo, fazendo-a desmoronar violentamente no piso duro feito uma boneca molenga. As narinas golfando sangue, os olhos opacos e desregulados.

Íris utilizou as costas do cadáver feito tapete, pisoteando-o, deixando-o para trás sob o gabinete do grêmio junto ao cartão vermelho, ao lado do corpo.

Ali fora, no escuro do corredor, com o lombo das costas reclinado sobre uma das paredes ao lado do grêmio e braços cruzados, Íris avistou Jun, um asiático da mesma sala que Adri.

— Tá vendo? Não precisa correr atrás. — brincou a ruiva.

— Você é muito melhor do que eu com essas coisas. — sorriu em malícia, descolando-se do concreto e indo a encontro da rapariga.

O rapaz contornou o braço por trás do pescoço de Íris, apoiando em seus ombros, enquanto a mesma envolveu-lhe a cintura com o braço. Ao centro do corredor escuro, iniciaram sua caminhada pacífica, deixando o fruto da aliança apodrecer dentre as mesas e papeladas do grêmio.

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Aquele jogo era tão fácil. Era quase como brincar de boneca.