O ônibus da excursão não fora substituído, e isso nos garantia algum tempo a mais na pousada.

Um dia estranho - de manhã escura e ventosa e um chuvisco raso. O clima incomum, junto ao sobrado antigo que era a pensão, tornou-se num daqueles cenários clichês de terror.

Naquele cômodo banhado em escuridão, os alunos formavam um círculo para compartilharem suas vivências sobrenaturais. Burniel posicionou a luz da lanterna sob seu rosto, projetando uma sombra tenebrosa sobre sua face.

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Ele tomou fôlego para realizar uma pergunta breve, mas de significado intenso:

— Como vocês definiriam a “insanidade”?

— “É fazer exatamente a mesma coisa, várias e várias vezes, esperando alguma mudança”. – citou Armin.

— Falta de senso comum? – palpitou Nathaniel.

— Demência. – Castiel complementou.

O pessoal continuou lançando seus palpites na roda, enquanto continuei questionando a mim própria.

— Hm... – prosseguiu Burniel, forçando a voz para criar uma aura de suspense. – São ideias muito boas. Mas, vocês se esqueceram de mencionar que a insanidade não passa de um sentimento qualquer...

— Continue “senhor sabe-tudo”. – Jennifer riu.

Burniel ajeitou a lanterna sobre o rosto, sorrindo:

— A verdade, Jay, é que não existe equilíbrio sem que se contemple um pouco da insanidade.

— Isso é completamente ilógico. – Jennifer fitou-lhe com um sorriso divertido.

— Você está errada. Afinal, do que seriam os grandes mestres se não tivessem se deixado cair em insanidade por um breve momento? Ou seja, se eles nunca tivessem recusado o senso comum...

Se eu pudesse descrever a insanidade, diria que é algo que se assemelha a cada oponente que me deparei até o momento. Jade, Melody, a dupla de professoras. Até o próprio assassino anônimo de minha tia.

Talvez, a razão específica para que estes rumassem a este caminho, não haja quaisquer similaridades. Porém, o que todos têm em comum, é a sede para alcançarem seus objetivos desumanos, independente de seus métodos e consequências; além de uma série de contradições mentais.

Para mim, esta seria a melhor descrição para uma mente não sã...

Introduzidos num circuito aparentemente inacabável de respostas e suposições, os alunos repassaram para os contos de terror – nas quais não me atentei, ao deparar-me submersa diante várias questões levantadas em minha mente.

***

Cada um dos dormitórios da hospedaria havia três camas postas paralelamente, um armário de madeira e uma pequena escrivaninha. A única janela do ambiente, recoberta por uma cortina lisa branca, dava para frente da pensão – um pequeno espaço de terreno, configurado por um aglomerado de árvores de folhas caídas, nas quais expunham silhuetas assombrosas nas paredes caramelos do quarto.

A chuva parecia piorar a cada instante.

— Tá tudo bem com você, Elsie? – perguntou Burniel, em posição de lótus sobre seu colchão, engomado em seus lençóis.

Sentada em frente à escrivaninha, um tanto absorta, respondi:

— Sim, sim... – forcei um sorriso.

Burniel espremeu os olhos, fitando-me como numa tentativa de decifrar meus pensamentos:

— Não me parece.

Ri nasalmente, inclinando brevemente a cabeça para frente. Havia algo fora do lugar, apesar de que eu não soubesse exatamente o quê.

Creio que ao pensarmos muito, poderemos, eventualmente, causar-nos graves danos mentais.

— Mas, - continuou Burniel. – independente do que for, vai ficar tudo bem. – sorriu alegremente.

Correspondi o gesto, embora tristemente.

Apoiei o cotovelo em cima da mesinha de madeira, o peso do queixo sobre o bojo das mãos:

— É que, sabe... às vezes eu sinto como se as coisas boas não me durassem muito tempo. E acabo por ter medo de perder o que me é importante.

— Eu imagino como se sente, Elsie.

Burniel perdeu a fulgura de minutos antes; arqueando sua postura, porém não largando a curva de seus lábios, fitando sonhadoramente o vazio:

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— Não tenho memórias claras de infância, e a maior parte que recordo da minha vida foi o tempo que passei no cativeiro com Jade. Soube da notícia das crianças mortas, e brevemente soube sobre Jade estar em S.A. Sabendo de seu falecimento no trabalho, eu poderia sem problema algum retornar para minha monotonia. Mas... acontece que eu gosto daqui. – sorriu docemente. – Pode ser egoísmo de minha parte tentar ignorar o luto. Mas tanto você, como Nathaniel, e o senhor Jack. Todos vocês são um grande conforto pra mim. E... Eu tenho um medo incontestável de perdê-los da mesma forma que Jade.

Ergui meus olhos em sua direção, fitando, estupefata, o semblante tão contente do garoto.

“Magnólias... são as flores que trazem esperança de quando precisamos suportar algo difícil, quando necessitamos de perseverança.”

A porta do cômodo fora inesperadamente aberta:

— Ei, vocês dois, - Armin ficou entre o vão entreaberto, a mão sobre a maçaneta. – não soa bem que fiquem sozinhos aí no quarto. Sopa de ervilha. Corram lá embaixo antes que acabe. Será a última refeição da noite.

Burniel largou-se de seus cobertores. Deixando sua última mensagem:

— De toda forma, Elsie, não se esqueça do que te disse...

E retirou-se do cômodo, cruzando com Armin sob o arco da porta, fazendo-o suspirar em tom de desprezo.

Permaneci cabisbaixa, largando a mão do rosto.

— Você vem? – perguntou o moreno.

De semblante evasivo, indaguei-lhe numa tonalidade fraca e engasgada:

— Armin... – suspirei para recolher fôlego. – Você...

Ele inclinou a cabeça interrogativamente:

— Eu...?

— Você... – apertei o punho solto sobre a mesa.

Ergui o rosto:

— Tome cuidado... Está bem?

[-x-]

À sombra de um guarda-chuva azul escuro, Lysandre observava a frente da hospedaria. Alguns rastros da chuva lhe escorriam pelas madeixas platinadas.

Estático entre o aglomerado de árvores descritas por Elsie, o poeta fitou, no alto do sobrado, a janela acesa de sua próxima musa inspiradora.