Identidade Homicida

O armazém de limpeza


[Nathaniel]

O armazém de limpeza. Uma minúscula sala situada nos fundos do colégio. Local de pouco arejamento. Solitário. Preenchido apenas por vassouras, sabões em pedra, esfregões e baldes.

Entretanto, em determinadas noites, aquele simples estoque transforma-se no próprio Inferno.

(...)

— Me passe o keypass. – ordenava Castiel, coberto sob o manto negro.

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Como estávamos fora dos dormitórios em horário não permitido, tínhamos de nos camuflar com a noite.

— Aqui. – respondi, entregando-lhe o aparelho.

Naquele momento, encontrávamos-nos no armazém de limpeza. Castiel arrastou para o lado um enorme e pesado painel de gesso, atrás deste, encontrava-se uma porta carcomida de caruncho. Inseriu nossos keypass à frente de um leitor improvisado e cheio de gambiarras.

Devolveu-me o aparelho:

— Agora você também está autorizado. – dizia com o semblante sério.

Assenti com a cabeça.

A porta carunchosa soltou um estalo. Castiel empurrou-a:

— Venha.

Posterior o armazém, encontrávamos uma escadaria média entre um corredor apertado.

Caminhava por trás de Castiel, ouvindo risos longínquos vindos da sala subterrânea. O local abafava suas vozes, causando a sensação de um Inferno.

Castiel ultrapassou o último degrau e, em seguida, fiz o mesmo.

Chegamos à sala, um gabinete com cheiro de cigarro e escuro, iluminado apenas por uma lâmpada pendurada sob fios elétricos. Ao centro, uma grande mesa circular, envolta por vários alunos jogando cassino e destruindo suas juventudes com a marginalidade. Bebidas, fumo e conversas de linguajar vulgar, todos vindos de rapazes que eu nunca esperava. Mas afinal, agora eu também era um deles.

— Calem a boca! – ralhou Castiel, retirando o capuz. Após notarem sua presença, todos se calaram. –Temos um novo membro.

Também fiz o gesto de retirar o capuz. Olhares de surpresa e escárnio.

— Puxa Castiel, logo o “representantizinho”? – reclamou um deles, fazendo um muxoxo.

— O que aconteceu com você, Nathaniel? – perguntou outro, em tom provocativo. – Pensávamos que você era um sujeito de bom caráter.

Abaixei o olhar, engolindo àquelas amargas verdades.

— Já disse pra calarem a boca. – continuou Castiel. – Ele só decidiu se juntar a nós, pronto.

— Não sei não, hein. E se ele nos dedurar para a diretora? Meus pais não podem saber disso.

Surgiram múrmuros concordando com o rapaz.

— Ah, façam-me um favor. –suspirou Castiel, revirando os olhos. –Parem de ser covardes e deixem-no sentar em algum lugar.

Espremi-me em um dos assentos, sentindo grande repugnância sobre as pessoas à minha volta.

Acho que devo esclarecer um pouco sobre o que realmente era aquele grupo de marginais. Bem, Castiel é conhecido por alguns como um rapaz briguento, e ao mesmo tempo, o sonho de consumo de muitas garotas fúteis e sem cérebro – entre elas, minha irmã. Creio que muitos rapazes pensam em ser iguais a ele – o que não é meu caso - ou pelo menos, não desejam de forma alguma, ser alvo dele. Por isso, forma-se o mutualismo: Castiel que é obcecado por atenção ganha seus sócios, e estes, contentam-se em alimentar seu ego, para que em troca, sejam protegidos. Resumidamente, em minha opinião.

Mas é claro que os rapazes da gangue não têm contato com Castiel quando estão fora do “clube”. A única e verdadeira companhia do ruivo era Lysandre, embora este mesmo, não fazia ideia do grupo secreto do melhor amigo.

E agora, eu imagino que naquele momento, talvez Castiel estivesse fervendo de triunfo. Imagine, o seu maior rival de infância tornando-se teu súdito, e querendo “espelhar-se em ti”. Ou pelo menos, era o que ele imaginaria, visto que meus objetivos com aquela gangue eram muito mais severos. O grupo fora criado no intuito de livrar os alunos da “dura realidade do colégio”, e por lá, muitas informações circulavam.

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— Me escutem aqui. – Castiel sentou-se em cima da mesa, desarrumando as peças do cassino. Sorria. - Eu estou começando a me irritar profundamente com aquela novata. Ela acha que interferir minhas decisões. – pegou algumas peças do jogo e apertou-as em uma das mãos. – Vocês têm alguma informação sobre ela? Principalmente você, “senhorzinho representante”, vocês me parecem muito amigos. – comentou sem desgrudar os olhos da mão fechada.

— E-eu? Não sei do que diz.

— Pois agora que é um de nós, devia começar a tirar proveito de sua amizade com ela.

— Não somos amigos. – insisti.

Eu devia à Elsie sobre a discussão com Castiel, meses atrás. Portanto, não deveria deixar escapar nenhuma informação sequer. Talvez, fingir-se de desentendido fosse a melhor escolha.

— Mas mesmo assim, tem mais intimidade com ela do que todos nós juntos.

— Aonde quer chegar? – arqueei uma das sobrancelhas.

Castiel inclinou-se em minha direção, fitando meus olhos:

— Pense na intimidade que ambos vocês têm. Será que conseguiria arrastá-la para o “beco da perdição”?

Naquele momento, Castiel abriu um sorriso tão travesso e devasso que não pude controlar meu pudor. Corei imaginando os métodos na qual ele se referia:

— A-ah... – desviei o olhar.

Castiel e todos os presentes desataram a rir escandalosamente.

— Fala sério, temos uma criancinha virgem entre nós.

Todos riam mais ainda. Minha vontade era subir aquelas escadas e correr para nunca mais retornar.

Mas é claro que, embora Castiel dissesse aquelas coisas, era só para adquirir uma imagem de patriarca, visto que só teve uma namorada, e sobre ela prefiro não comentar.

Castiel respirou fundo, tomando fôlego, e cessando o riso aos poucos. Todos o acompanhavam.

— Brincadeiras à parte, não há porquê nos preocuparmos com essa sequência, temos alguém apto. Infelizmente... – levantou a manga da jaqueta e olhou em seu relógio de pulso. -... Ele está atrasado. Aluno novo, sabe? Sempre cumprindo as normas do colégio, com medo das consequências.

Houve o estrondo da porta abrindo-se repentinamente. Uma silhueta enegrecida aproximava-se sobre a sombra da escada. Instalou-se no último degrau, ultrapassando a penumbra.

— Falando no diabo. - um sorriso bailou nos lábios de Castiel.

Cabelos semilongos bege, estatura média. Ele ergueu uma das mãos e retirou um doce de palito dentre os lábios. Sorriu:

— Me desculpem o atraso.