Quatro meses depois.

Ela deslizou o zíper da parte inferior da bolsa de maquiagem e a abriu. Passou os dedos sobre as dezenas de batons que ali havia e escolheu, aleatoriamente, um tão vermelho quanto sangue.

Ergueu os olhos para o espelho grande e oval na sua frente e se encarou. O delineador preto havia deixado seus olhos incomumente azuis ainda mais realçados. Com eles, ela percorreu todo o seu rosto e suspirou. Ainda não sabia porque insistia em passar base: sua pele tão perfeita, tão limpa de qualquer tipo de poro, não pedia por ela. Talvez fosse algum costume de quando era humana.

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E então, ela se encarou mais uma vez. A garota se permitiu afogar em seus próprios olhos azuis, uma vez que não sabia o que poderia encontrar ali. Afinal, mesmo que não sentisse nada, seria possível haver algo dentro de si?

– O que está fazendo?

Ela deslizou os olhos para a imagem refletida do garoto atrás de si, e os abaixou para o batom em suas mãos.

– Me maquiando. – Ela respondeu – Você já me viu fazer isso.

– Parecia estar presa em um transe. – Ele se aproximou dela – No que estava pensando?

– Em nada. – Ela deslizou o batom em seus lábios carnudos.

– Se estiver pensando em ontem à noite, não precisa se sentir envergonhada.

Ela deixou uma risada escapar-lhe os lábios.

– Envergonhada, Noir? Por que eu estaria?

Ele a apertou na cintura e a puxou para junto de si.

– Foi uma de nossas noites mais quentes. – Noir sussurrou – Mas disso você já sabe.

– Sim, eu sei. Você rasgou um dos meus sutiãs preferidos. Isso não se faz.

Ele gargalhou e se afastou dela.

– Desculpe por isso. – Ele girou. – Ah, quase me esqueci. Nina quer vê-la.

A garota se virou para ele.

– Mande-a entrar, então.

A porta de madeira foi empurrada e a morena pode ouvir pequenos passos dirigindo-se ao meio do quarto do hotel. A garota de lábios avermelhados fechou a bolsa de maquiagem e, segurando-a, saiu do banheiro.

– O que quer comigo, Nina? – Ela havia se apoiado na parede de papel florido e jogado a bolsa na penteadeira ao lado.

– Não sou eu, é o mestre. Ele disse que quer novas almas para hoje, dama. – Ela coçou o nariz – Como previ, o quarto de vocês fede a sexo.

– Isso é algo que uma menina de quatorze anos deveria dizer? – Os olhos roxos de Noir brilharam, e ele sorriu de lado com o seu sorriso perfeito que apenas ele parecia possuir.

– Eu não sou uma menina de quatorze anos! – Ela cruzou os braços.

– Não, só parece ter dez. – A morena se encostou na penteadeira – Você não deveria ter esperado um pouco mais antes de se tornar vampira? Você se privou totalmente das coisas boas da vida.

Nina olhou dela para Noir e deixou escapar um sorriso.

– Não apenas isso. – A morena riu – Bebida, dinheiro... tudo. Mas deixando isso para lá, pois não tenho nada a ver com a sua vida... – Ela mordeu o lábio inferior – Já arrumei almas para meu pai o suficiente para essa semana, por que ele quer mais?

– Ele está impaciente, você sabe.

– Não há outra pessoa que faça isso?

– Você é a líder, dama.

– Ser a líder é um saco. – Ela cruzou os braços.

– Não deveria ter matado Viktor, então. – Noir se pronunciou.

– Ele me apunhalou no coração! – Ela jogou as mãos para o alto – Nada mais justo do que eu arrancar o dele.

– Só estou dizendo...

– Se continuar dizendo, eu arranco o seu. – Ela sorriu – Sei que para o feitiço que ele quer são necessárias quinhentas almas. Quantas me faltam arrumar?

– Trinta. – Respondeu Nina – Por quê?

– Não quero mais ele me enchendo com isso. Irei arrumá-las logo e dar um ponto final nisso. Quanto mais rápido esse plano imbecil dele se concretizar, mais rápido fico livre.

A ponta fina de seu salto alto ressoava contra o assoalho brilhante quando ela passou por Nina e alcançou a porta. Noir e a garota se entreolharam antes de segui-la pelos corredores do hotel, e atravessarem a rua em busca de um bar antigo escondido em um beco.

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O bar, àquela hora, estava relativamente vazio. Havia o barman, secando alguns copos, atrás de uma bancada, e na frente de dúzias de garrafas. Um casal, que jogava sinuca enquanto segurava drinks, e um homem, no fundo, que os observava jogar.

Rain andou até o barman e, pulando sobre a bancada, pegou uma garrafa de uísque de uma das dúzias que ali havia. Noir suspirou e a seguiu. Nina vigiava a porta. O barman, aparentemente hipnotizado, pareceu não perceber a presença dos três ali. Ela levantou a garrafa para Noir, e ele entendeu: deveria abri-la.

Ele ordenou que uma de suas sombras fizesse o trabalho e observou, entediado, a morena levar a garrafa à boca e a virar. Já estava completamente acostumado em vê-la fazendo aquilo. Noir seguiu o olhar dela e a viu observar o homem no fundo do bar.

– Me traga vinte e seis pessoas.

Ele franziu o cenho.

– Ainda está de manhã. Tem certeza de que quer fazer isso agora?

– Tenho.

– E se alguém ver?

– Matamos também, não ligo. Vai logo.

Ele suspirou internamente e andou até o lado de fora do bar. Rain, no entanto, andou até o homem sentado ao fundo e sentou-se ao seu lado. Ele ergueu as sobrancelhas para ela, e a garota serviu o copo vazio dele com o seu uísque.

– Seu copo está vazio. – Ela disse.

– Minha vida está vazia. – Ele levantou o copo – Obrigado.

– Você se sente vazio?

– Destruído seria a palavra certa.

– Foi destruído por amor?

O homem ergueu as sobrancelhas para ela mais uma vez.

– Não pude deixar de notar que estava observando aquele casal. Sua esposa? Ex-esposa? Amante?

Ele franziu o cenho.

– Sei que não tenho nada a ver com isso, mas confesso que somos companheiros de copo. – Ela explicou.

– Também foi destruída por amor? Não seja boba, você ainda é nova, tem uma vida inteira pela frente.

– Acabou de admitir que foi o amor. – Ela sorriu vitoriosa e bebeu mais um gole da garrafa – Quando se ama com intensidade, a idade não importa.

O homem expirou ao sorrir.

– Minha esposa. – Ele virou o copo – Descobri que ela tem um amante, aquele cara, e tudo o que consigo fazer é observá-los de longe.

– Hm... Sinto dizer que ela já percebeu sua presença, há muito tempo. Mas parece que ela não está dando a mínima para você.

Ele abriu a boca para responder, mas logo a fechou. A garota jogou a garrafa sobre a mesa, deslizando-a em direção a ele. O homem se serviu e a devolveu.

– Se pudesse se vingar, se vingaria? – Ela indagou.

– Não há nada que eu possa fazer!

Rain se aproximou dele.

– Olhe para ela. Rindo, gargalhando, o beijando. Ela sabe que você está aqui, sabe que está matando ainda mais você com isso, mas ela se importa? Não, ela não se importa. Ela não dá a mínima para você. No mínimo, deve estar desejando que você morra para não atrapalhar mais a vida dela.

O homem virou o copo e o bateu com força na mesa.

– Sabe o que eu quero? Que eles apodreçam no inferno!

Rain gargalhou.

– Eles bem que merecem. E se eu dissesse que eu posso leva-los para o inferno, mas que para isso você teria que me vender a sua alma, o que me diria? – Ela abafou uma risada com a garrafa, o que fez com que o homem risse também.

– Eu diria que a venderia três vezes se fosse preciso.

A morena sorriu vitoriosa.

– Apenas uma é o suficiente. – Ela aproximou seus lábios avermelhados dos dele e o beijou castamente.

– O que está fazendo?! – O homem se levantou.

– Foi um prazer fazer negócios com você.

O homem a viu desaparecer de sua frente e reaparecer no meio do casal. Ela levantou ambas as mãos na direção deles, e o casal recuou. A pele de ambos começou a ficar avermelhada e com grandes buracos alternadamente aleatórios. De repente, eles explodiram de dentro para fora, sujando todo o redor de sangue e restos. Rain levantou os olhos lentamente para o homem que a observava de olhos arregalados.

Ele piscou, e ela já estava a milímetros dele. Seus globos oculares estavam negros e suas íris vermelhas.

– Acho que já posso cobrar o pagamento.

Ele tentou gritar, mas estava paralisado de medo. No outro segundo, sua vida havia esvaído de seu corpo. A mão dela o atravessava onde seu coração deveria palpitar. Ele, por sua vez, ainda deu leves batidas enquanto ela o segurava com sua mão direita, antes de ela o jogar no chão. Rain sentou-se na cadeira que outrora o homem estava sentado e, bebendo de seu uísque, aguardou pacientemente que Noir trouxesse as vinte e seis almas que faltavam.

*

O homem bateu na porta de madeira com o pé e aguardou. A garota de cabelos lilases, segundos depois, a abriu, e ele pode entrar com a bandeja de prata em mãos.

– Vejo que não comeu o seu jantar. – Ele colocou a bandeja que trouxera ao lado da outra que ali já havia.

– Continuo sem fome. Está perdendo o seu tempo me trazendo comida, Lysandre.

– Você não pode ficar sem se alimentar. – Ele olhou para ela – O que preciso fazer para que você coma?

Ela cruzou os braços.

– Sabe bem o que eu quero.

– E a resposta é não, Violette. Não irei pedir para que Alexy e Armin tirem o feitiço do quarto.

– Por que não? – Ela jogou os braços para o alto – Quanto mais tempo eu terei que ficar presa aqui?

– O quarto está enfeitiçado para que contenha magia. Você sai, e com a magia que te restas, vai querer voltar o tempo.

– Esse é o plano.

– Você vai morrer. – Ele franziu o cenho.

– Por que acha que voltei tantas vezes? Rain é um demônio, e como melhor amiga, irmã e protetora, não posso permitir que isso aconteça a ela. Ela não merece isso.

– Exato. Não merece. E é por isso que estamos procurando um meio de trazê-la ao normal.

Não há outro jeito, Lysandre.

Sempre há outro jeito.

– Certo. Finjamos que tenha. – Ela cruzou os braços – O livro de bruxaria que Rain trouxe do outro mundo, sei que essa é a ideia de vocês. Para começar, vocês precisam de uma bruxa. Nenhuma bruxa concordaria em nos ajudar.

Lysandre se apoiou na mesa em que havia deixado as bandejas.

– Talvez. Mas nós temos uma bruxa. Castiel já deve estar chegando com ela.

Violette franziu o cenho.

– Não... Debrah? – Sua voz soou incrédula. – Por que... ela...

– Aparentemente, ela está em débito com Rain.

Débito? Ela sempre a quis morta, por que concordaria em ajuda-la?

– Lilith foi o demônio que a concedeu poderes. Como deve saber, Lilith é a mãe de Rain.

Violette suspirou.

– E depois?

– Saberemos depois que ela chegar.

A garota se deixou cair na cama.

– E se não funcionar?

Se não funcionar... eu peço que os feiticeiros gêmeos retirem a proteção para você fazer o que bem entender.

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Violette sorriu.

– Obrigada, Lysandre.

Ele olhou para ela e desviou o olhar.

– Só está difícil trabalhar em uma equipe com Castiel e Kentin. Não achei que a rixa entre as raças iria incomodar tanto. – Ele franziu o cenho.

Violette permitiu que uma leve gargalhada lhe escapasse os lábios.

– Com certeza é algo bem além disso.

Eles ouviram batidas na porta, o que chamou a atenção de ambos. Violette se levantou, andou até a mesma, e a abriu. Era Alexy.

– Eles chegaram.

*

– A esposa dele não fazia ideia, não é mesmo?

Rain virou-se para olha-la.

– Não. – Ela piscou – Mas eu preciso de almas. Mas se quiser algum tipo de consolo, pode pensar que as almas deles já estavam corrompidas.

– Não preciso disso. – Nina apertou os olhos – Eu sou bem mais velha que você, pare de me tratar como uma criança!

Rain gargalhou.

– É minha serva, assim como Noir. – Ela mordeu o lábio inferior – Falando nele...

– Vinte e seis pessoas. – Ele sinalizou para atrás – Como o ordenado.

– Obrigada. – Rain jogou a garrafa contra a parede mais próxima e andou em direção das pessoas ajoelhadas. – Senhor Barman, pode vir aqui, por favor?

O homem obedeceu, e Rain passou o braço ao redor do pescoço dele. De repente, ouviu-se um forte estralo, e sangue espirrava por toda a parte: todas as cabeças haviam sido arrancadas ao mesmo tempo.

A garota soltou o corpo, que caiu em uma poça de sangue, imóvel. Nina aproximou-se da morena e a ofereceu um caixa de fósforos que traziam nas mãos. Rain a recebeu. No fundo, Noir derramava as últimas gotas de gasolina.

E então, ela riscou um e, sorrindo, o jogou no chão. O fogo seguiu as linhas traçadas pela gasolina e, em pouco tempo, todo o lugar estava em chamas. O sino soou, mas eles não estavam mais lá. Finalmente, todo o prédio era cinzas.